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30 January 2006

 

O campo

É-nos, por vezes, difícil perceber a noção de campo. É muito mais fácil, porque assim o aprendemos, pensar os problemas apenas em termos de indivíduos.
Uma boa oportunidade é-nos oferecida pelo Círculo de Leitores. Na sua colecção Histórias de Mulheres apresenta-nos alguns campos culturais sob a forma de histórias de vida.
Uma professora em Katmandu, de Vicki Sherpa, no Nepal - Ásia, Eu, Safiya, de Safiya Hussaini e Raffaelle Masto, na Nigéria - África, e Queimada viva, de Souad, na Cisjornânia muçulmana, são alguns exemplos.
É claro que podemos pensar "que estúpidos", "que selvagens", "que básbaros" ... mas é isso mesmo que pensam todos os povos acerca daqueles qu, por serem diferentes, não conseguem compreender.
São leituras que recomendo vivamente, sobretudo com um pensamento nada arrojado: "se tivesse nascido lá, eu também faria do mesmo modo".

29 January 2006

 

A forma

Se calhar... a forma como digo as coisas...
Não é possível dizer sem dizer de alguma forma. E a forma como se diz, de facto, diz tanto ou mais do que aquilo que se pensa dizer.
Alguns dizem que eu tenho uma forma de dizer que é, ou aparenta ser (o que é o mesmo) feudal, autoritária, presunçosa...
Que posso eu dizer daquilo que os outros vêem? Nada.
Apenas posso acrescentar de mim.
1 - Digo aquilo em que acredito. Se o digo, é porque sim: porque penso que é assim, ou porque penso que é uma dúvida legítima. Por isso, afirmo ou pergunto.
2 - Sei, no entanto, que aquilo que sei é sobretudo a medida da minha ignorância. Basta começarmos a estudar um qualquer assunto para descobrirmos um mundo de ignorâncias, nossas, e um mundo de saber que nos é estranho, o do outro. E isso é só aquilo de que nos abeiramos. Costumo dizer aos meus alunos que é bom rirmo-nos do que pensavam e diziam os homens ilustres de há 100 anos, até cientistas. Mas na condição de percebermos que esse nosso riso é já o eco do riso que outros, dentro de 100 anos, farão de nós. Não há outra forma de sermos sérios hoje. Digo-o, porque acredito que é mesmo assim.
3 - Sei que o saber tem uma génese dramática. É no jogo de forças e contra-forças, de opiniões e contra-opiniões, que formamos a nossa posição. Por isso, muito do que digo, tem uma estrutura dramática: coloco-me frente ao outro, para que o outro (o leitor) se coloque frente ao que eu digo.
4 - Já o escrevi várias vezes. A verdade nunca está num qualquer lugar. Por isso, também nunca estará em mim. A verdade está entre. Entre aqueles que tomam posição. E move-se com e através dos movimentos daqueles que tomam posição. O próprio acto de tomar de posição gera forças que actuam sobre outras forças que... A verdade habita num lugar incógnito mas sempre no campo de forças formado por aqueles que tomamposição.
5 - De nada beneficiamos num tomar posição de forma mole. Pelo contrário, uma posição nítida, firme, capaz de definir uma posição num campo é que é criativa, capaz de gerar as forças que fazem mover a verdade.
6 - Mas uma posição nítida e firme não tem de ser fechada, imóvel e surda. Pode, pelo contrário, estar à escuta daquilo que o outro também pensa, atenta à posição do outro. Tanto mais que sabe que também ali há parte da verdade, e que a verdade, afinal, apenas se encontra no espaço, ou campo, definido por mim e pelo(s) outro(s).
P.S. - Peço desculpa de ser assim, mas é assim mesmo que eu penso. E, sobretudo, é com pessoas assim que eu mais tenho aprendido. Que posso eu aprender com quem não pensa, ou tem medo de dizer o que pensa, ou que diz e desdiz de imediato? Posso ser mal entendido, mas isso não é muito grave, e nem sequer pode ser evitado.

 

A teia

Sim, a teia. Mas também o campo.
Teia, campo.
Três conceitos pouco utilizados como matriz de pensar as coisas humanas.
Lembremo-nos. A Física começou a pensar o mundo em termos de partículas, unidades elementares de que tudo seria constituído. Depois, viu-se obrigada a introduzir a noção de campo para compreender o que se passava. O comportamento de uma agulha magnética não pode ser explicado apenas com o conceito de elemento. É o campo, nomeadamente o campo magnético, que nos dá a explicação do "estranho" comportamento da agulha. "Estranho" se apenas em função dos elementos.
Também parece que continuamos presos ao conceito de elemento ao explicar os fenómenos sociais e humanos. Mas, se introduzirmos o conceito de campo, as coisas tornam-se mais compreensíveis.
Cada homem existe num campo de forças, de múltiplas forças: necessidades físicas, normas de comportamento, valores, jogos de poder, estruturas de espaço físico, objectos simbólicos...Querer compreender os comportamentos humanos em termos apenas dos indivíduos humanos é um suicídio intelectual. Há homens e mulheres, de facto, mas sempre num campo social concreto estruturado por forças que diferem de campo para campo.

 

Médio Tejo Digital

O Público de hoje (29.1) apresenta o Ribatejo Digital, um caso exemplar que se destina ao sucesso. Vai proporcionar uma pequena revolução nos 11 municípios envolvidos, alterando a qualidade da relação com os munícipes. E vai muito mais longe que isso.
O Medio Tejo Digital é questão que nos deve preocupar. Não só o que é, como o que quer fazer, como o estado em que se encontra e os tempos que se prevê demorar.Não há quem nos dê a conhecer este assunto, que é nosso e de que depende a qualidade do nosso futuro?

 

Angelina - 3

Transcrevo o comentário do Joaquim: «A Angelina não terá que andar 12 anos na escola, do mesmo modo que outras crianças como ela não andam agora os 9 anos. É por isso que existem escolas especiais, onde primeiro em termos educaionais e depois em termos profissionais, se tenta fazer a integração dessas jovens. E se todos fizermos o nosso trabalho como pais, profissionais ou elementos da comunidade, acreditando no sucesso então ele pode acontecer.»
A Angelina, dei-o a entender, é apenas um caso extremo. Nos extremos vê-se melhor o que fazemos ou devemos fazer em casos não extremos. Por exemplo no caso do Rui.
O Rui é um "caso difícil" na escola. Cada um pode, a partir da experiência que tem, dar conteúdo ao caso do Rui.
Eu digo: se nos limitamos a reporvar o Rui, destruimos-lhe todas as hipóteses e ele vai devolver-nos como marginal essa destruição. Se lhe damos o diploma sem ele saber o que é suposto saber, matamos o diploma.Há a solução do Joaquim. Também para o Rui, sem dúvida.

 

Concordo

Alguns anúncios criam um ambiente de irresponsabilidade.
«Quero liberdade para falar o tempo que quiser» é um deles.
«Quero um preço só para mim» e «É meu, todo meu, até ao fim» são outros.Uma sociedade que cultiva estes valores não pode, depois, queixar-se de...

 

O Senhor Testa

Era assim conhecido. Joaquim Hilário Testa chegou-nos de Portalegre e vimo-lo durante décadas a trabalhar no Silva & Rico. Mas, ao mesmo tempo, entregava-se de alma e coração ao serviço da Igreja e ao serviço dos pobres. Foi nas Conferências Vicentinas ou de S. Vicente de Paulo que muitos aflitos encontraram nele a mão amiga e discreta que lhes abria alguma esperança.
Foi, sem dúvida alguma, uma figura importante da igreja abrantina e do sector social da cidade de Abrantes. Chegaram a fazer-lhe homenagem, com direito a cobertura da imprensa.
Na imprensa veio há pouco um texto da família, pago, de informação da sua morte.Mourão Ferreira tinha, e tem, toda a razão. Virá um tempo, afinal tão próximo, em que ninguém recordará sequer o nosso nome.

 

A auto-regulação

1. Os «partidos não se auto-regeneram», titula o Expresso (28.1), em eco de Manuel Alegre.
2. «Só a pressão [externa] resolve», diz em título a Veja (25.1). E explica: «Reação da opinião pública força deputados [brasileiros] a acabar com salários adicionais e diminuir férias.
3. Mas há alguma organização que se consiga auto-regenerar sem ser por pressão externa?
4. E pessoa?
5. O mito da auto-regeneração e o da auto-organização descrevem uma realidade que não existe, servindo apenas para manter a esperança dos que não mudam e para dar vantagem àqueles que tomam a iniciativa.6. E, no entanto, há auto-regeneração e auto-organização. Mas não são, nem estão, o que e onde o mito diz.

28 January 2006

 

O trabalho - 2

Nos Estados Unidos, o trabalho é uma forma de realização pessoal e um caminho para realizar o sonho de uma vida.
Em Portugal, o trabalho é uma condenação, de que só não nos libertamos se e enquanto não pudermos.
Vejam-se os episódios ainda a correr:
O tom da reacção colectiva à ameaça de elevação da idade da reforma e as vezes que ouvimos que «se me sair o euromilhões, deixo logo de trabalhar».
Quantas vezes ouvimos dizer, e sentimos que é verdade, que «gosto de trabalhar, se me tirassem o trabalho nem sei o que faria da vida»?

 

O trabalho - 1

Também escrevi, certa vez:
Quando eu era miúdo, via com gosto a sagrada série do Bonanza. Um pai e vários filhos tinham sempre grandes aventuras... no seu trabalho, ligado à criação de gado no West. Ao longo da vida, fui vendo que as séries que vêm dos Estados Unidos têm aventura, emoção... mas quase sempre dizem respeito ao mundo do trabalho. O trabalho, a profissão, é ali um espaço social de aventura, de combate, de vitória. O trabalho é importante, é nobre, vale a pena - dizem-nos todas essas séries, sejam de cawboys, de médicos, de polícias, de advogados. As Selecções, da Reader's Digest, todos os meses contam casos exemplares de gente que se esforça e vence, pessoas que são capazes dos maiores feitos, mas na sua dimensão humana de pessoas comuns.
Em Portugal, mais concretamente nas obras da cultura portuguesa, onde podemos encontrar qualquer coisa de semelhante? Se houver uma série televisiva sobre médicos, será sobre os amores dos médicos, muito mais que do seu trabalho de medicina. Numa telenovela passada no campo, o essencial da a intriga, a trama a resolver, não é o trabalho, mas "outras" questões, essas sim, importantes, apesar do trabalho.
Tenho para mim que um povo alimenta-se das histórias que a si mesmo conta. Seja ele religioso ou profano, oral ou escrito ou audiovisual, é no e do contar que se alimenta a alma que dá forma à vida de um povo.

 

Agora

Olho o nosso pequeno mundo e confirmo o estado de coisas e o caminho por onde vamos. E para onde vamos.
Em 2005, a criminalidade mais violenta aumentou em Portugal 32% e os pequenos delitos 53%.
Em 2005, em Portugal, foram passados 2.000 milhões de contos de cheques sem cobertura, qualquer coisa como metade do aeroporto da OTA.
Um terço das baixas e um quarto do RSI foram dados como fraudulentos em 2005.
O crime financeiro duplicou em 2005.
As Finanças detectam falta de 230 milhões de euros nos impostos imobiliários.
Pois. Alguns acreditam que uma sociedade é eterna e imutável. Mas a verdade é que qualquer sociedade é como um casamento: todos os dias se reforça ou se dissolve.
Portugal dissolve-se.
E não damos por nada?

 

O futuro

Um dia também escrevi acerca de nós:
Assim, não remos futuro. Com as instituições que temos e com as pessoas que somos, o futuro já foi.

 

Piratas

Um dia escrevi:
Portugal é um país de piratas.
Nasceu de uma revolta contra o poder "legítimo" e ganhou estatuto e dimensão a roubar (conquistar) terras aos outros, os árabes. Terminada essa aventura, D. Dinis ainda ensaiou fazer um país com base na agricultura, mas depressa se viu que dava trabalho a mais.
Se não mais fácil, pelo menos era mais hábil ir pilhar terras a Sul. Primeiro na rica costa africana, depois na riquíssima Índia. Enchemos os cofres a abarrotar e gastámos tudo até despejá-los sem remédio nem proveito.
Voltámo-nos, então, para o ouro do Brasil: uma riqueza que ainda hoje nos enche os museus. Mas o Brasil fechou a porta. Ficámos de novo no princípio.
Muitos tentaram a sorte na emigração à procura de riqueza rápida e fácil. Não era nada fácil e não foi tão rápida quanto pensavam, mas permitia vir depressa meter pirraça aos que tinham ficado. Outros tentaram as colónias, mas a política global deu cabo do projecto com guerras e independências.
Era o fim, diziam. Qual fim!, recusaram outros.
E foi a vez de sacar da Europa os dinheiros que chegavam à razão de fortunas por dia.

 

A Angelina - 2

Se mantivermos a Angelina 12 anos na "primeira classe", destruimos a Angelina. É uma tortura, obrigá-la a repetir continuadamente o ano de que nunca será capaz de sair por mérito curricular.
Se lhe dermos o diploma do 12º ano, destruimos o diploma. Ninguém pode reconhecer um diploma que não garante aquilo que diz garantir.
Afinal, o que havemos de fazer?

 

Curiosidade

Depois da vitória do Hamas, na Palestina, vou estar muito atento. Quero ouvir o que têm a dizer agora aqueles que chamaram de imbecis os que defenderam a hipótese «criminosa» de negociar com os terroristas.

24 January 2006

 

Antologia

Tem um antigo ditado que diz "o ser humano que não dedica pelo menos uma hora todo o dia consigo mesmo, não pode ser chamado de ser humano".
É o que chamo de síndrome do domingo, quando as pessoas entram em contato um pouco consigo mesmas e....... sentem tédio!!! Simplesmente porque não cativaram ou não mantém contato com sua própria identidade. Desvelar a própria identidade, cultivá-la e lapidá-la, deveria ser o âmago da questão.
http://olharesdocotidiano.blogspot.com/

 

Protecção de Menores

Sendo certo e proclamado que eu «não compreendo/interpreto a filosofia da protecção de menores», devo evitar pronunciar-me sobre essa matéria. Para não fazer figuras tristes.
Mas estou disposto a aprender. Isto é, a corrigir a minha ignorância.
Porque eu pensava, e penso, que não há uma, mas várias filosofias de protecção de menores. E mesmo na que poderíamos chamar “filosofia oficial da legislação portuguesa”, estava eu convencido de que não há uma mas várias, ou seja, que variam de documento para documento e de ministro para ministro.
Porque eu sei que há comissões de protecção de crianças e jovens e risco, a quem tudo se pede mas a quem quase nada se dá para responder a esses pedidos.
Porque eu sei que se diz por aí que a melhor solução é sempre a família, mas também sei que em há cerca de 3.000 candidaturas para adopção e cerca de 11.000 crianças em instituições e mais 6.000 em famílias de acolhimento. E sei ainda que em 2005, em Espanha foram adoptadas 2.637 crianças nos primeiros seis meses e em Portugal apenas 165 no mesmo período.
Porque eu sei que se diz por aí que a melhor solução é sempre a família, mas também sei que há famílias e famílias. E não sei, por exemplo, se seria mesmo melhor (e falo de casos reais) estar na sua família aquela criança que todos os dias tinha de se fechar no quarto porque o pai iria chegar bêbado e dar uma sova na mãe, ou aquela outra onde a deixaram ficar no berço até quase aos dois anos quando a descobriram já com os pés deformados, ou a outra em cuja casa era objecto de violência sexual, ou ainda aquela outra que veio da família cheia de piolhos e carraças e com sujidade entranhada até à alma, ou…
Porque eu sei que se diz por aí que a melhor solução é sempre a família, mas também sei que vejo fazer muito pouco para exigir que certas famílias assumam a responsabilidade que têm para com as suas crianças.
Sim, eu sei muito pouco, mas estou disposto a aprender. Com quem sabe.

 

A Alda

A Alda é uma professora pintada de fresco, acabadinha de sair da faculdade. Ao que se vê, não é capaz de manter a ordem dentro da sala de aula. Ali, ao que parece, ninguém aprende nada.
Alguns professores da escola criticam a Alda, cochicham entre si, reclamam do que se passa. Um ou outro professor afirma mesmo que pessoas assim incompetentes não devem dar aulas. Um outro considera mesmo que devia ser aberto um processo disciplinar e devia ser posta na rua.
Outros professores pensam que a Alda é como quase todos os professores quando começam a dar aulas, não sabe aquilo que ainda não pôde aprender. Que seria melhor que alguém, dos mais velhos, estivesse disposto a ajudá-la a encontrar as soluções que os mais velhos já usam com relativa facilidade.
O leitor que escolha: tome posição face a estas duas propostas que circulam na escola. Que se deve fazer?
Continuemos a imaginar.
Imaginemos agora que duas professoras foram falar coma Alda para a ajudar
A esta iniciativa, a Alda pode ter uma de duas reacções.
Uma: - Obrigada, estava mesmo a precisar, ainda bem que vieram.
Outra: - Não preciso de ajuda nenhuma, dou as aulas como quero e ninguém tem nada a ver com isso.
Que se deve, em cada uma das hipóteses, fazer?

 

O objectivo / o subjectivo

Nas relações entre as pessoas há duas dimensões. A objectiva e a subjectiva.
Vejamos um caso. O Samuel bate na mulher. Há, aqui, duas dimensões: a dimensão objectiva da relação entre o Samuel e a mulher (ele bate-lhe e ela sofre a violência) e a dimensão subjectiva (o que o Samuel sente ou pensa, a sua história de vida, as violências que terá sofrido, etc.; e o mesmo para ela).
Confundir estas duas dimensões é um erro básico. Podemos combater o erro objectivo e, ao mesmo tempo, compreender e tentar tratar o problema subjectivo.
Poderemos discutir as questões como problemas objectivos sem discutir as pessoas? Podemos, em educação ou em política, em arte ou em desporto, por exemplo, discutir questões objectivas, fazer opções de facto, lutar por uma dada linha… sem estarmos a condenar, do ponto de vista subjectivo ou moral, o outro que pensa de modo diferente de nós?
É verdade que há pessoas boas e más, justas e injustas, etc. Mas qual de nós está em condições de julgar? E qual de nós está em situação de “ter de” julgar a esses níveis?
Podemos, pelo menos, fazer um esforço por tratar de factos, situações, comportamentos. Eu tento. Talvez não seja sempre capaz, mas sinto que sou sempre obrigado a fazê-lo.
Sou por isso melhor que outros que não o façam? Esse é o tipo de questão a que me recuso a responder, pela simples razão de que não tenho condições que me permitam uma avaliação objectiva do outro.

 

A relação

Há duas perspectivas diferentes na análise dos problemas educativos ou das actuações pedagógicas.
Uma delas foca a atenção na pessoa do professor e/ou no aluno. Tende, por isso, a classificar o aluno de bom ou mau, inteligente ou burro, trabalhador ou preguiçoso. E outro tanto sobre o professor.
Outra perspectiva foca a sua atenção na relação, sobretudo na relação que o professor estabelece com o(s) aluno(s), porque ele é o adulto e o profissional. E focar a atenção na relação é, antes de mais, procurar saber o que ela faz, que resultados produz, que efeitos se podem esperar dela.
Muitas das discussões sobre educação e ensino esquecem-se de fazer esta análise. E é pena.
E esquecem-se que esta relação é sobretudo resultante de um contrato de trabalho, em que alguém, o professor, é pago para… para quê?

 

Do alto, ou de baixo?

« vejam que generosos... que bons que somos para aqueles de que nada se esperava...»
Pode, de facto, ter essa leitura. Mas também pode ter a leitura contrária. Somos (quem?) pessoas que foram contratadas profissionalmente como professores, numa sociedade democrática, onde TODOS têm direito a usufruir dos bens comuns. E somos (eu pelo menos sou) pessoas que se defrontam com a dificuldade de encontrar os caminhos eficazes para responder a esse contrato. Somos (todos, creio eu) capazes de encontrar soluções para uns casos e incapazes de encontrar soluções para outros.
No meu caso particular, tenho ainda pena de que não haja um clima mais aberto e cooperante de procura e partilha de experiências e de avaliações. Tenho pena, mas não está ao meu alcance mudar este estado de coisas.Não posso, porém, deixar de dizer uma coisa, simples, penso eu, mas afinal muito complicada, pelo que vejo. Estas discussões são, apenas e só de ideias, de práticas, de políticas pedagógicas – e nunca de avaliação das pessoas que defendem esta ou aquela ideia ou política pedagógica. Além disso, sei também que a verdade nunca está toda de um lado, por definição também do meu lado.

 

A Angelina

Às vezes espanto-me com as certezas, sobretudo os julgamentos, que ouço à minha volta sobre educação no sistema de ensino. Mas tenho um problema para o qual nunca encontrei alguém com uma solução. Trago-o, pois, aqui.
A Angelina vai entrar na escola. Sabe-se já que terá de andar na escola pelo menos 12 anos, porque é o tempo da escolaridade obrigatória. Não sairá da escola, portanto, antes dos 18 anos. Certo?
A Angelina é deficiente. Sabe-se já que nunca aprenderá a ler e a escrever, ou a fazer contas. Mas será obrigada a andar 12 anos na escola.
Problema. Que deve a escola fazer à Angelina durante 12 anos? Mantê-la no 1º ano durante 12 anos? Ou fazê-la transitar até ao 12º ano?
Os professores, na escola, precisam de saber o que fazer e a sociedade em geral e os pais da Angelina em particular precisam de saber com que podem contar.É, evidentemente, um caso extremo. Mas real, com que as escolas se defrontam no dia a dia, embora no silêncio quase absoluto. Ora os casos extremos, porque extremos, mostram melhor o poder das nossas soluções. Nomeadamente das que aplicamos aos casos intermédios.

 

Não percebo

Caro Joaquim
Peço desculpa, mas não percebi. Eu falei das jovens do Patronato e de alguma mudança que ali se verificou. Para melhor, acredito - pelos resultados.
Quando é que eu falei da filosofia da protecção de menores? Quando é que eu defendi que as crianças deviam ser "institucionalizadas"? Quando é que eu defendi que elas deviam ser retiradas à família?
O facto é que no Patronato há crianças. Podemos discutir sobre o que seria melhor. Mas a verdade é que elas estão lá. E seja temporária ou permanente a sua vida ali, elas vivem ali. E são sempre tratadas de algum modo. E os diferentes modos não são equivalentes nos seus resultados. Disse isto, e mantenho.Quanto ao resto... não disse nada.

 

A culpa, a dificuldade

Uma das acusações mais interessantes é a de que agora os alunos chumbam menos porque reter os alunos dá mais trabalho aos professores.
Isso quer dizer - à letra - que, antes, os alunos chumbavam mais porque dava menos trabalho. Ou seja, era mais fácil.
Pode ser que sim. Eu não subscrevo essa acusação.
Porque o que dá efectivamente mais trabalho é ensinar aqueles que têm dificuldades.
Ensinar um aluno que aprende bem é fácil e dá gosto. Ensinar um aluno que tem dificuldades, ou que não quer aprender... isso sim, é difícil. É preciso paciência, perseverança, criatividade, respeito pelo outro, e muito muito trabalho. É fácil respeitar o bom aluno; é bem mais difícil respeitar o mau aluno.
E uma das grandes fracturas passa por aí, pelo respeito que um professor é capaz de ter e pelo trabalho a que está disposto a investir.E não tenho grande dúvida de que muita da aversão que por aí anda aos "maus" alunos é devida a...

 

O capital

«De cerca de 120 mil palavras que compõem uma língua viva, um universitário compreende 12 mil; uma criança da escola de 1500 a 3000; e o público em geral não mais do que uma em cada cinquenta.»
Uma das grande diferenças de oportunidade de um aluno na escola está no capital linguístico com que ele entra na escola, quer ao nível do número de palavras que conhece (conhecimento activo: uso; conhecimento passivo: compreensão), quer ao nível das construções que com elas consegue fazer. Porque o capital linguístico não é apenas morfológico, mas também sintáctico e pragmático.
Quando numa escola se diz que os alunos são ou devem se tratados todos por igual, que é que se está a dizer?«Não há tratamento mais desigual do que tratamento igual para iguais.»

 

A(s) inteligência(s)

Quando eu andava na escola, os inteligente ficavam à frente e os burros lá atrás. Porque havia alunos inteligentes e havia os burros. E, coerentemente, valia a pena ensinar os inteligentes e os burros... bem, não aprendiam.
Até que se descobriu que as pessoas não nascem inteligentes ou burras. A inteliência não é algo com que se nasce, mas algo que se desenvolve ou se constrói pelo próprio exercício.
Mais ainda. Sabemos hoje que não há apenas uma, mas várias inteligências. E um aluno pode ser menos dotado numa inteligência e mais dotado noutra.Como, então, e porquê, colocar os inteligentes à frente e os burros atrás? Com que efeitos?

 

Mozart

Faz 250 anos no próximo dia 27 que nasceu Mozart. Um génio. Começa a tocar com três anos; aos cinco compõe a primeira obra musical; aos 12, compõe a primeira ópera; aos 18 anos tem criada uma parte substancial das suas obras; morre aos 35 anos deixando uma herança de mais de 600 obras musicais.
Há génios. Mas são raros. Contudo, eles mostram a importância da constituição individual.
Só que não podemos fazer variar a constituição genéticas das pessoas. Mas podemos, e devemos, tomar conta da qualidade do meio em que as pessoas crescem e se desenvolvem.
Mozart foi um génio. Mas os seus pais souberam criar-lhe um ambiente musical em que essas características de genialidade se puderam desenvolver.
Hoje sabemos que a genética não é tudo. Até o próprio tecido nervoso cresce e desenvolve ligações através do exercício ao longo da vida. E sabemos também que o exercício evita a morte do tecido nervoso.Sim, a qualidade do meio ambiente é a variável que podemos gerir: desde a qualidade da alimentação até aos desafios que são vividos pelo indivíduo. Façamo-lo, então.

23 January 2006

 

A (des)responsabilização - 12

Há algum tempo, uma pessoa que é activista cultural de Abrantes dizia-me que uma das suas mágoas é que «em Abrantes, os que andamos nisto somos todos mais ou menos iguais, não temos gente com quem verdadeiramente possamos aprender.»
Ela sabe, portanto, que somos, em grande parte, produto das oportunidades que se nos oferecem. E o modo como aproveitamos essas oportunidades depende daquilo que foi a nossa história anterior (leia-se: as oportunidades anteriores).
Como podemos acreditar no futuro sem nos responsabilizarmos por fazê-lo?
Como podemos querer um futuro melhor, mas não fazer aquilo que é necessário para que ele resulte melhor?A resposta é o modo como a vida se tece à nossa volta. Numa teia... de quê?

 

A (des)responsabilização - 11

Acredito na importância decisiva da qualidade dos ambientes e das experiências, ou seja, das histórias de vida das pessoas.
Por isso, desde sempre tenho procurado, naquelas que são as minhas áreas de responsabilidade - família, escolas e associações - criar ambientes em que as pessoas se sintam a crescer, onde sejam marcadas positivamente na sua história de vida. E sei que cada um de nós pode fazer isso. Sei que há muitos a fazê-lo. Mas também sei que há menos gente a fazê-lo do que é necessário.
Mas também por isso que há muito eu procuro alertar para a necessidade de, entre nós, criarmos ambientes que sejam oportunidade de enriquecimento para os mais novos.
Há muito que venho alertando para o facto de muitos dos nossos jovens passarem a sua infância, adolescência e juventude sem poderem voar como todos os jovens têm direito a voar, em vez de serem obrigados a rastejar na mediocridade, na monotonia, na mesmice daqueles que, mais velhos, já perderam o sonho e a esperança.
Somos todos feitos do mesmo material. Moldável, plástico, em formação.
Somos sempre feitos à medida dos que nos são próximos.
Que raio! o futuro não pode ser feito da miséria do presente que é oferecido à maioria dos nossos jovens.Têm dúvidas? Perguntem-lhes.

 

A (des)responsabilização - 10

Mas Pedro Oliveira tem muita razão quando defende a imperiosa necessidade de responsabilização. De facto, todos nós conhecemos alguma desresponsabilização em vários domínios. Em certas famílias, onde os filhos são deixados "à rédea solta" ou são superprotegidos; em certas escolas ou aulas, onde tudo parece ser exigido aos professores, como se fosse possível ensinar sem um esforço de quem aprende; na função pública em geral, onde os profissionais têm "direito" a uma classificação de "muito bom" independentemente da sua prestação efectiva e onde muitas chefias apenas têm "direito" à subida de letra no ordenado sem assumirem a responsabilidade pela qualidade dos serviços por que deviam responder; etc., etc., etc.
Concordo com Pedro Oliveira: nada substitui a responsabilização, nada desculpa a desresponsabilização.
Mas a exigência da responsabilização é, mais uma vez, o reconhecimento da decisiva importância dos outros ou do meio no comportamento de cada um de nós.
Num meio que responsabiliza, que é exigente, que pede contas, as pessoas tendem a ser responsáveis, a ser cumpridoras, a estar à altura. Num meio desresponsabilizador, as pessoas tornam-se irresponsáveis, descuidadas, vulgares, medíocres. Ou ainda pior.É por isso é que nada substitui a qualidade dos ambientes em que vivemos. É por isso é deve ser considerada criminosa a falta de qualidade dos ambientes em que são formadas as nossas crianças e os nossos jovens.

 

A (des)responsabilização - 9

Na Europa há, ao que parece, quatro modos de um adolescente se tornar adulto:
«Encontrar-se», próprio da Dinamarca, o que se traduz numa «juventude exploratória»;
«Assumir-se», próprio da Inglaterra, o que dá origem a uma «responsabilização individual»;
«Encontrar uma colocação», própria da França, o que origina uma juventude sobretudo «à procura de emprego»;
«Instalar-se», própria da península ibérica, o que faz do jovem alguém que procura «constituir família e montar uma casa».
Se esta leitura tem algum fundamento, mesmo esquemático, mais uma vez o que um jovem é resulta do meio sócio-cultural em que cresce, ou seja, em que absorve os valores do meio onde é formado, isto é, onde ganha a sua forma pessoal.Um valor é «uma maneira de ser ou de agir que uma pessoa ou uma colectividade reconhecem como ideal e que faz com que os seres ou as condutas aos quais é atribuído (reconhecido) sejam desejáveis ou estimáveis para essa pessoa ou colectividade». E isso aprende-se no processo de socialização.

 

A (des)responsabilização - 8

Um povo que vive da agricultura ou da pastorícia cultiva nos seus filhos a paciência, o ritmo lento, a obediência, o respeito pelas tradições, o direito de propriedade, a espera, os valores da integração na natureza. São essas as virtudes e as competências que permitem ter sucesso a cultivar milho ou apascentar um rebanho.
Um povo que vive da caça ou da pesca cultiva nos seus filhos a auto-confiança, a inicitiva, o pensamento estratégico, etc. São essas as virtudes que permitem ter sucesso numa actividade em que a pessoa muitas vezes se encontra sozinha, mas muitas outras tem de actuar em cooperação.
Um povo que vive da guerra cultiva nos seus filhos a ousadia, a força, a resistência física, a intrepidez, a insensibilidade perante o adversário, o respeito pelo comando, tudo virtudes indispensáveis para derrotar o inimigo e alcançar a vitória.Assim sendo, as virtudes de um membro de uma sociedade são mais o resultado dos valores cultivados nessa sociedade do que do património genético com que nasceu.

 

A (des)responsabilização - 7

Volto ao tema. Cada um de nós (salvo raras excepções) nasce com competência linguística, ou seja, capacidade para vir a falar qualquer língua. Mas só somos capazes de aprender aquela em cujo ambiente crescemos ou a que nos ensinarem. E só somos capazes de aprender outra língua "como um natural", se a aprendermos até aos dez anos. E se não aprendermos a falar uma língua desde tenra idade, é quase impossível virmos a aprender qualquer delas.
Sendo assim, nascemos com competência linguística, mas não somos nós próprios os responsáveis por saber ou não falar uma língua, ou várias. São os outros.É por isso, por exemplo, que as nossas crianças começaram a estudar Inglês na escola primária.

15 January 2006

 

Boas notícias

Gosto de ver na minha escola as moças do Patronato de Santa Isabel. Porque até há pouco elas não passavam do 1º ciclo e a maioria delas andava anos e anos para tirarem a quarta classe. Que eu me lembre, apenas duas, uma há várias décadas e outra há uma dezena de anos, chegaram à Escola Industrial. Agora, andam várias no liceu. Eu sei que as alterações profundas que ocorreram naquela casa têm a ver esta novidade. Há umas semanas, ouvi da boca de uma colega da minha escola, que foi responsável por uma "turma de currículos", que «todos os alunos que concluiram o 9º ano estão agora bem, integrados». E eu sou testemunha directa do que sofreram os professores daquela turma para que aqueles alunos (infelizmente não todos) pudessem chegar ao fim do 9º ano e aquela frase possa hoje ser dita com profunda satisfação.

 

A (des)responsabilização - 6

Sejamos mais claros. Se, hoje, há muita irresponsabilidade entre os mais novos, é porque os supostamente responsáveis lhes deixaram de exigir responsabilidade. Porque os mais novos são feitos da mesma matéria prima que os mais velhos. Mas os mais velhos desacreditaram da autoridade, da verdade, da disciplina, do rigor, da qualidade, enfim, dos valores em que supostamente acreditam e dizem (agora) defender.
Onde encontrarmos um educador ou um conjunto de educadores, veremos os seus valores a serem cultivados. Mas "os seus" valores não são aqueles que, da boca, eles dizem valer, mas aqueles que, de verdade, valem na sua vida.
Pode haver acidentes de percurso, mas são acidentes. O geral não é acidental.

 

A (des)responsabilização - 5

- Como é que eu posso querer aquilo que não quero?
Não pode.
A solução deste problema, portanto, não pode estar nele. Só outro (ou um acaso) pode levá-lo a querer aquilo que ele "ainda" não quer.
Porque, ao contrário do que diz a Gabriela, de Jorge Amado, «eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim» - não há nada a fazer - , a verdade é que «eu nasci assim, eu cresci assim» - mas posso ser diferente daquilo que sou se alguém me ajudar.
E, por isso, são nítidas as duas posições ideológicas na escola: a do professor que acusa o aluno de que "ele não quer" e assim encerra o assunto, e a do que, verificando que o aluno não quer, procura o que pode fazer para que ele chegue a querer.
E os factos confirmam que...
- quando se acusa um aluno de que ele não quer, é quase certo que ele nunca quererá;
- quando se parte desse não querer e se procura o que se pode fazer, é possível que ele chegue a querer.
Estas são duas posições ideológicas dentro da escola. Mas assimétricas.
Aquele que condena só tem um problema, simples de resolver: como pôr na rua o aluno que não quer, e portanto não merece, estudar?
Aquele que assume responsabilidade pelo aluno que não quer, tem um problema complicado: que posso fazer e como, que seja eficaz, para que ele possa querer aquilo que ainda não quer?

 

A (des)responsabilização - 4

Os professores gostam de descrever os alunos com expressões acusatórias do tipo "ele não quer fazer nada" ou "ele não quer estudar"... E há nisso a salvação da escola e dos professores que, desse modo, fecham o problema.
Mas nenhum, nunca, me soube responder a esta questão simples, colocada na boca de um desses alunos que "não quer":
- Como é que eu posso querer aquilo que não quero?
Quem não leu, por exemplo, "O jardim", de Marguerite Duras, pode pensar que é uma questão metafísica, própria de um filósofo, que apenas sabe confundir as pessoas ou colocar os problemas de modo que não têm solução. E, em parte, tem razão: posto assim, o problema não tem solução. Mas isso mostra que essa acusação, ela própria, é um acto de ilusão apenas desculpabilizadora. É quem exige ao aluno que queira aquilo que não quer, é quem pensa que a vontade é um ente metafísico a-histórico, que coloca um problema sem solução.

 

A (des)responsabilização - 3

A tese "o indivíduo é o que é e, por isso, só ele é responsável pelo que é e faz" visa responsabilizar o indivíduo pelo que lhe acontece. Ou seja, desresponsabiliza ou outros pelo que acontece a cada um. Aí é que está o nó da questão. A desresponsabilização dos outros. Sobretudo pelo que acontece aos mais fracos e mais pobres: a culpa é deles que não fazem o que deviam fazer.
A tese "o indivíduo é fruto das circunstâncias" visa chamar cada um à responsabilidade por todos. Certamente pelos mais fracos e pobres, mas também pelos outros.
Porque dá-se este fenómeno importante: a responsabilidade de um indivíduo, ou seja, a sua capacidade de ser responsável, decorre sobretudo do facto de ser responsabilizado por parte de outros, hoje e ao longo da vida.
A responsabilidade não é uma propriedade inata ou que surja de geração espontânea. Ela é resultado de um meio responsabilizador, um meio em que se acredita que cada um pode fazer a sua parte e lhe pede contas do que fez ou não fez.
É mais que sabido: uma criança a quem deixaram crescer "à vontade", sem que lhe sejam pedidas contas... nunca terá força de vontade, energia, para ir onde de facto quer.
E não calha aqui o exemplo do "menino de rua", porque esse nunca esteve nessas condições, antes teve que aprender a resistir a muitos testes e foi aí, nesse território testado, que ele cresceu e é, de facto, capaz.

 

A (des)responsabilização - 2

Vamos, agora, por um atalho.
Pedro Oliveira defende (ou parece defender) que o indivíduo é o que é e, por isso, só ele é responsável pelo que é e faz.
Se esta tese é verdadeira... então vamos ser coerentes com ela. Fechem-se todas as escolas, acabe-se com todo o discipulato, deixem-se as crianças à vontade, recuse-se (como nos anos 60) toda a educação porque é uma violência injustificável, mostre-se que todos os povos com menos instituições de ensino são mais desenvolvidos, mais ricos, apontem-se os grandes inventores e artistas e veja-se que não receberam instrução que os pudesse levar a fazerem o que fizeram... antes cada indivíduo é o que é.
Qual é a família, ou o país, que aceita a tese de Pedro Oliveira?
Qual é a família, ou o país, que aceita a minha tese?
O valor de uma teoria mede-se pelo que ela é capaz de fazer na prática. Pelo que ela é capaz de responder. Por aquilo a que ela resiste.
A tese "o indivíduo é o que é e, por isso, só ele é responsável pelo que é e faz" é uma tese ideológica que não descreve nenhuma realidade.
A tese "o indivíduo é fruto das circunstâncias" é também ideológica, mas descreve o que se verifica na realidade. Por isso não é apenas ideológica.

 

A (des)responsabilização - 1

No seu comentário ao meu post Fritjof Capra (Nov. 95)...
Pedro Oliveira acusa-me de «desresponsabilização do indivíduo»;
hoje,
eu acuso Pedro Oliveira de desresponsabilização dos indivíduos.
(Estamos, apenas, no debate de ideias.)
Vejamos onde é que não nos entendemos, ou onde é que nos separamos.
Dizia a Gabriela (personagem de Jorge Amado): "eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim". Ou seja, eu sou assim, não há nada a fazer. Isto é fatalismo, isto é autocondenação, isto é fechamento: não há nada a esperar, porque o que será já está decidido. É claro que eu não subscrevo esta perspectiva. Basta ler o que por aí tenho escrito.
Ortega y Gasset escreveu: «Eu sou eu e a minha circunstância". Atente-se que ele não diz "eu não sou eu, mas a minha circunstância", mas sim "eu sou, em cada momento, o resultado do que sou e da circunstância em que sou, e o que sou em cada momento é o resultado do que venho sendo e da circunstância em que me venho formando". Onde está aqui a desresponsabilização do indivíduo?
O povo diz, e com toda a razão, «temos cinco dedos na mão e todos são diferentes». Basta olhar à volta e ver como, de facto, as coisas se passam assim. Mas o problema é outro: donde vem a diferença?
Os pais gostam de dizer que dão "a mesma" educação a cada um dos filhos. Mas não é verdade. Nem pode ser. Por exemplo: o filho mais velho foi, durante algum tempo, filho único e o segundo nunca o foi, e sabemos como isso faz a diferença; por sua vez, o primeiro era filho único quando lhe nasceu um irmão, coisa que nunca aconteceu ao segundo; o segundo, enquanto cresceu, teve um irmão mais velho, coisa que nunca aconteceu ao primeiro. E assim sucessivamente.
Não, não há duas pessoas que tenham crescido em circunstâncias iguais.
Depois, cada indivíduo é um sistema biológico ultracomplexo, portanto aquilo que se designa como um sistema caótico. Ora um tal sistema é extremamente sensível a pequenas influências. «Um bater de asas de uma borboleta em Pequim pode dar origem a uma tempestade em Nova Iorque.» De igual modo, um pequeno episódio na vida de uma criança pode ter influência decisiva, enquanto pode ter sido insignificante para outra criança.
Por isso, são irrelevantes as perguntas de Pedro Oliveira:
- Valery Gergiev é filho único?
e
- Valery Gergiev foi o único discípulo de Karajan?
Valery Gergiev pode ter tido irmãos e Karajan mais discípulos... e nada do que foi dito fica posto em causa.
Insisto, portanto. Mesmo que Valery Gergiev tenha tido irmãos e Karajan tenha tido mais discípulos... continuo a dizer: Eu sou produto das minhas circunstâncias.
É claro que há, em mim, um património genético, pelo que posso corrigir, se for necessário: Eu sou o produto da minha carga genética e das circunstâncias em que me formei.

05 January 2006

 

A Pedro Oliveira, ainda

Caro Pedro
e volto a tratá-lo como "caro Pedro"
Há aqui um equívoco, de facto, ou mesmo vários.
Começo por aquilo que no seu último comentário mais me incomodou: a sua pergunta "Quem é este tipo para vir para aqui dar opiniões?" Não há, não pode haver lugar a uma pergunta destas, porque todos e cada um de nós tem(os) direito a dar aqui, e ali, a sua opinião. Não pode haver aí qualquer problema.
Outra pequena questão. Não sabia que também tem um blogue. Peço desculpa se devia sabê-lo, mas terei todo o gosto em consultá-lo (embora não garanta assiduidade, porque até no meu estou a tentar mantê-la), se me fizer chegar a informação que me falta. Não fiz, portanto, qualquer comentário a um post seu, mas apenas peguei no seu comentário.
Também a mim, o que me interessa aqui, é o debate de ideias, dentro das contingências deste espaço. E interessa-me que os problemas da vida e na vida se resolvam. Mas estes, sei-o muito bem, não têm que resolver-se pela minha perspectiva ou opinião; apenas eu é que devo ter opinião ou perspectiva sobre eles e trabalhar para que ela seja correcta.
Qualquer que seja o nível do equívoco, o mais importante são - para mim - as pessoas. A começar por si, apesar de não o conhecer. Por isso, respeito-o, mesmo quando discordar. E agradeço o seu respeito por mim.
Mas, para que as pessoas possam sentir-se à vontade e desenvolver-se o mais possível, é da maior importância que haja um ambiente saudável, onde cada um possa expressar a sua posição e, assim, dar e receber na interacção com os outros.
E, se intervim, foi porque me parecer - desejo estar enganado - que havia da sua parte alguma intolerância a que houvesse essa livre expressão, neste caso da minha posição. Que é pública.
Que valha, pois, um ambiente de circulação de ideias. E que cada um possa ganhar com a fertilidade de um tal ambiente.
P.S. - Desde há tempos que, nesse espírito, procuro tempo para pegar num outro comentário seu - sobre a desresponsabilização. Vou ver se consigo.

 

"Duas vidas... Um destino"

Maria Carminda Roseiro acaba de publicar em edição de autora, Duas vidas... Um destino, (Abrantes, 2005). Trata-se de um poema de amor em forma de memórias e homenagem, justamente ao seu marido, António Batista Roseiro, falecido em 2001. (Não confundir com o António Roseiro que foi presidente da Junta de S. Vicente e Vereador na Câmara pelo PSD.)
Para lá da memória de um homem, o livro é também a memória de um tempo e de formas sociais muito concretas. Desde logo, a Chainça, donde António Roseiro era natural e onde o casal viveu e a Maria Carminda ainda vive. Mas também de Moçambique, onde A. Roseiro fez parte da sua vida, até se reformar e vir para Portugal em 1987.
O livro não está disponível no mercado, mas quem o conseguir apanhar pode lê-lo com interesse.

 

O aborto - 2

Está nas bancas um livro que pode ajudar a debater, de uma forma mais profunda, o tema do aborto. Trata-se de
A ética do aborto, de Pedro Galvão, numa edição da Dinalivro.
São três ensaios pró-escolha é três ensaios pró-vida, todos de autores diferentes. E uma introdução do organizador.
Desde logo, o título parece provocatório, habituados que estamos a ouvir dizer que a posição ética é a da proibição do aborto e que a posição pró-aborto é anti-ética. Ou o contrário: que têm ética os que defendem o aborto, enquando os da posição pró-vida são hipócritas ou sem ética.
O livro parte da posição de que nem a posição pró-vida nem a pró-escolha são evidentes ou justificadas à partida. Defende ainda que há, de facto, um problema ético e não apenas um problema político que, dada a sua importância, torne irrelevante o problema ético.
Não é um livro fácil, para ler como um romance. É um conjunto de ensaios de ética que, pelo rigor que têm, exigem disponibilidade do leitor. Mas o problema em causa merece ser levado a sério e ser tratado a sério, não?

 

Aborto - 1

A propósito de aborto. Creio que estamos a caminhar para mais uma ferida pública em Portugal.
A opinião publicada é maioritariamente a favor de uma maior despenalização do aborto e as posições partidarias são maioritariamente a favor dessa despenalização. No entanto, todas as inquirições à população dão uma "maioria silenciosa" de posições contra a despenalização.
A confirmar-se este último dado, iremos brevemente a um referendo "para resolver" um problemas e sairemos com o problema objectivamente ainda em pior situação. Não só porque a pretendida "solução" ficaria ainda mais complicada, mas porque a crispação nesta matéria só poderia piorar as coisas.
Acontece que, desde o último referendo, pouco ou nada se disse ou se discutiu - com as pessoas - no sentido de esclarecer as posições. Apenas um ou outro caso, aquele do barco e os de julgamento por acusações de aborto. Mas nada disso contribuíu para que a posição da maioria que recusou o aborto tenha sido alterada. Não parece lógico, portanto, que se espere um resultado diferente daquele que foi o do último referendo.
Se voltar a ganhar o não, que se segue?

03 January 2006

 

A madrugada

«Um outro mundo está em marcha. Muitos de nós já não estarão cá para assistir à sua chegada. Mas quando tudo está calmo, me coloco um ouvido à escuta, eu ouço-o já respirar.» Arundhati Roy (Le Monde, 18.1.2004)

O pior é que, se presto mesmo muita atenção, eu ouço dois mundos a aproximarem-se: um e o seu contrário. E percebo que ainda não está decidido qual deles chegará de facto. E sinto, de um sentir vivo, que não é independente do que fizermos a chegada de um ou de outro.

 

A Pedro Oliveira

Ei, Pedro... Quem é você?
Não estou a pedir que se identifique aqui perante nós. Isso não tem grande interesse. Estou a pedir, sim, que responda a si mesmo. Quem é você?

Pedro Oliveira comenta assim o meu texto sobre regionalização: «Essas elites locais [regionais] chamar-se-ão Fátima Felgueiras? / A regionalização já foi referendada... paz à sua alma.»
Do alto da sua enorme importância - veremos porquê - Pedro Oliveira limita-se a condenar a minha intervenção e a insultar-me de modo liminar. Com que razão?
1. A regionalização não está morta e não foi referendada. Houve, de facto, um referendo sobre regionalização. Mas importa não esquecer que toda a esquerda defendeu a regionalização e que o PSD disse «sim à regionalização, mas não a esta regionalização». Não recordo aposição do CDS. Ou seja, o que foi referendado de modo negativo não foi a regionalização, mas uma certa regionalização.
2. Mesmo que a regionalização tivesse sido recusada... eu não poderia continuar a ter uma posição que lhe fosse favorável? Que raio de democracia é a de Pedro Oliveira onde não se pode ter opinião senão concordante com o que foi decidido? E, já agora, o aborto também não pode voltar a ser referendado? Por quantos anos? ou séculos?
3. Eu penso que a regionalização é uma necessidade e que sem ela Portugal não vai conseguir ultrapassar parte dos problemas com que se debate. Pela simples razão por que os problemas não são nem locais nem nacionais. Mas não é aqui o lugar para discutir isso.
4. Há quem diga que a regionalização está feita, nas célebres comunidades urbanas. Mas não está. Nem nunca estará por aí. Porque elas são, de natureza e por natureza, outra coisa: associações de câmaras, onde os presidentes vão disputar os fundos disponíveis de modo a trazer a maior fatia possível para o seu concelho. Um país e uma "região" intermédia não são uma soma de concelhos.
5. Para quem tiver dúvidas, resta um teste. Qual a ideia, o rasgo, o horizonte que já vimos ouvimos ou lemos sobre a Comunidade Urbana do Médio Tejo? Alguém sabe para onde vai? para onde vamos?
6. Mais em concreto. O Médio Tejo Digital, que não é um projecto de origem no Médio Tejo, mas a inevitável candidatura do Médio Tejo a um programa nacional... como vai? Aposto que, quando os dinheiros respectivos ficarem gastos, temos uma coisa que vai servir para pouco mais que nada (se servir) e uma enorme oportunidade perdida. Mas.. é como se nada fosse. Aliás, alguém ouviu já falar nisso?
Depois disto, pergunto: é assim tão estúpido falar em regionalização?
Entretanto, Pedro Oliveira reconhece-se o direito de me classificar de Fátima Felgueiras. Não percebo bem a lógica (eu tenho as minhas deficiências), mas leio que me acusa de criminoso por defender aquilo em que eu acredito e que considero indispensável.
Posto isto, volto a perguntar: quem é Pedro Oliveira? que poder é o seu para me condenar sem apelo nem agravo?

02 January 2006

 

Arte infantil - 3

Uma atenção particular para Rita Pinheiro e a sua escola de dança. Natural de Torres Novas, dirige o Espaço Idança, um atelier ou escola de "dança criativa" e de "dança contemporânea". Encontrei-me com o seu trabalho no último dia de aulas na minha escola, a Secundária Dr. Manuel Fernandes. Não sei muito bem como foi, mas não fujo muito à verdade se resumir assim: propuseram-se ir apresentar o seu trabalho, foram bem acolhidos e eu pude vem uma exibição de cerca de 20 minutos. Gostei. Do que vi como dança, mas também (ou sobretudo?) pelo que reconheço ser a importância de um trabalho daqueles com adolescentes e jovens. Aquilo teve qualidade, isto é, rigor, inovação, criatividade, disciplina, sensibilidade... e é de qualidade que os nossos jovens precisam... porque precisamos todos. Mas nós, os mais velhos, talvez já não tenhamos salvação.

 

Arte infantil - 2

Quem visitar a exposição de arte infantil, patente na Galeria de Abrantes, e ler o respectivo catálogo, dá-se conta de que ali estão representados quatro núcleos de produção de arte infantil:
- o Agrupamento de Escolas Abrantes Oeste, num trabalho liderado por Anabela Rodrigues,
- o Atelier Arte em Movimento, dirigido por Susana Rosa,
- a Oficina de Cerâmica do Pinóquio - OTL, sob direcção de Sandra Gaspar,
- o Trocatintas da Palha de Abrantes, sob responsabilidade de Lurdes Martins.
Anabela Rodrigues, educadora de infância responsável pela biblioteca ou centro de recursos daquele agrupamento de escolas, ainda há pouco nos tinha brindado, na Biblioteca António Botto, com uma outra exposição de trabalhos artísticos dos "seus" alunos. Agora reincide, num projecto que se verifica continuado. Pois que continue.
Susana Rosa é uma artista reconhecida e premiada. Já foi (não sei se ainda é) professora de pintura na Palha de Abrantes, mas agora dirige o Atelier de Arte em Movimento, que faz um trabalho de, educação para e pela arte com crianças de várias escolas do primeiro ciclo. Que siga em frente.
Mas o meu destaque vai para Sandra Gaspar. É uma ceramista e dirige o atelier de cerâmica que ali expõe. Eu não conhecia nada da sua autoria, mas ao olhar o trabalho daquelas crianças não pude deixar de ver ali a mestria de uma artista escondida. Tanto mais que a cerâmica, embora de longuíssima tradição, é uma arte menor, ou seja, uma forma de arte a que damos menor importância. E, no entnato, a cerâmica tem um elevado potencial educativo e também terapêutico para as crianças. Louvor à Sandra Gaspar e proveito às crianças que ela dirige.
São casos que evidenciam como algumas artistas, de profissão ou de sensibilidade educativa formada, estão no terreno da pedagogia da arte. Se «é de pequenino que se torce o pepino», é de criança que a educação para a arte e a produção de artistas faz mais sentido.
Também o Trocatintas e o meritório trabalho de Lurdes Martins, embora a arte não assuma aí um papel primeiro, participa desta corrente.
Mas não basta andar a semear arte nos corações infantis. É também necessário que este movimento ganhe expressão em outros níveis de organização. Caso contrário, tudo pode morrer sem deixar mais marcas que as individuais, e já não seria pouco.
Esta exposição é uma delas. É um ponto de chagada e pode ser um ponto de partida. Outros níveis de articulação serão necessários. Porque... sem arte.... Bem, desde que há homens que há arte. Não será que onde não há arte também falta humanidade no homem?

P.S.1 - Apenas em referência breve, deve falar-se também das escolas de artes plásticas da Palha de Abrantes e de Massimo Esposito, bem como das escolas de dança (desde o ballet às danças de salão), sem esquecer as várias formas de escolas de música (as das filarmónicas, a do Orfeão e as várias escolas privadas).
P.S.1 - Falo, é evidente, daquilo que não é a educação formal (com uma ligeira excepção para o trabalho de Anabela Rodrigues).

 

Arte infantil - 1

Ainda se pode ver até 13 de Janeiro uma exposição de arte infantil, mais precisamente de arte produzida por crianças do concelho de Abrantes, na Galeia Municipal, junto à Câmara de Abrantes.
A exposição merece ser realçada por dois motivos, entre muitos outros. O primeiro é o facto de reconhecer o estatuto de arte a produções infantis. Não a todas, é preciso dizê-lo, como nem tudo o que é produzido por adultos pode ser dito como artístico. O facto de assumir-se como "exposição de arte" obrigou a seleccionar trabalhos. E esta é uma tarefa que vai contra alguns princípios estabelecidos, por exemplo na escola, que recusam a selecção. Talvez por isso, esta exposição «estava pensada há vários anos», segundo as palavras da Vereadora da Cultura, mas só agora foi possível realizá-la. E aqui aparece o segundo motivo. É que esta exposição parece (pelo menos parece) ter sido possível porque algo de relativamente novo se está a passar no mundo das artes em Abrantes. Há um novo grupo de pessoas - artistas - que meteram mãos à obra e estão a trabalhar com crianças.

01 January 2006

 

Na verdade

Na verdade, a paz. Este foi o lema para este Dia Mundial da Paz. Não apenas para a paz mundial, mas também para a paz local.
Na verdade, a paz. E não na mentira, não no engano, não no gato por lebre.
Na verdade, a paz. E o desenvolvimento, e a justiça e um futuro sustentado.
Na verdade, a paz. Programa para um ano inteiro e para todos os lugares.

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