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25 September 2005

 

Mudança de pista

Olhando a maré à volta, considerei ser de interesse autonomizar a matéria educativa em termos de blogue. Mas, como não gostava do nome do blogue que, nesta matéria cheguei a ter, abri um novo, para continuar.
Penso, presunção?, que aquilo que escrevo neste domínio terá significado para um público mais vasto do que o local.
Assim, as entradas que tinha começado aqui a fazer sobre as minhas aulas no secundário pessam a Ter continuidade num novo blogue:
http://educantes.blogspot.com
Para ali fiz transitar também as entradas que já constavam do meu anterior blogue sobre educação.E talvez ali vá alojar alguns dos textos que ao longo dos anos fui publicando sobre aquela temática.

22 September 2005

 

A segunda aula

19 Set. – 11º B. Voltei a encontrar-me com os alunos da minha nova turma. Começámos por ler e analisar um texto que lhes havia mandado para leitura em casa. Passo a passo assistimos à lição definitiva de uma grande mestre. A um novo aluno, entregou um peixe para que o analisasse. O aluno olhou e assumiu que sabia tudo o que havia saber acerca do peixe. É sempre assim, os "sabões" sabem sempre tudo, mais que qualquer outro. Por isso, nunca vêem nada nem aprendem nada. Quem já tem a cabeça cheia não tem lugar para mais nada. Mas o professor deu-lhe a volta. E o aluno acabou por mudar de figura e começou a aprender.
- Percebem agora o que lhes disse na aula passada, que não é minha obrigação ensinar-vos?
Porque ninguém ensina nada a ninguém. Ou a pessoa aprende ou ninguém a pode substituir. Mas também ninguém aprende sozinho. Aprendemos uns com os outros. Assim, a minha função não é ensinar, mas criar oportunidades para que os alunos aprendam, se superem
O bom professor, ao contrário do que os alunos à primeira vista desejam, não é o que lhes faz festas, mas aquele que ajuda o aluno a ir mais longe do que iria sozinho. E é isso que os alunos verdadeiramente agradecem – depois.
Creio que foi um bom momento, um exemplo concreto de que são eles que aprendem - em situação.
E entrámos na Filosofia. A propósito:
- O que é isso de Filosofia?
Houve um sururu na sala. Uma pergunta, sobretudo deste género, é um perigo colectivo. Uma ameaça. Mas penso que estava já criado um ambiente que tornava a ameaça menos perigosa. E eles começaram, lentamente e sem tensões de maior, a dar princípios de resposta, que depois iam sendo completados pelos colegas. Colectivamente fomos elaborando um discurso de resposta à pergunta. E dissemos coisas bem interessantes. A Filosofia como esclarecimento de conceitos, como olhar para lá do senso comum, como levantamento de questões, como elaboração de novas respostas, como – por isso mesmo – um discurso fora do que é comumente aceite e, por isso, susceptível de causar estranheza ou mesmo rejeição naqueles a quem se dirige. Ah, e a Filosofia como um trabalho de fundamentação e justificação argumentativa.
- Ora aí está exactamente o tema inicial deste nosso ano.
E, pelo livro, falámos do programa e, de seguida, da avaliação. Mas sem esquecer que não vamos trabalhar para os testes, mas para a vida. Só que os testes também fazem parte da vida e são uma parte importante.
Mas não esquecer da diferença entre aprendizagem e avaliação. Costumo dizer:
- No tempo da aprendizagem, sou pago pelos vossos pais para vocês poderem aprender, podem contar com tudo o que estiver ao meu alcance. No tempo da avaliação, sou pago pelo resto da sociedade que querem saber, por mim, do que vocês são capazes, e aí não podem contar comigo.
E despedimo-nos com um voto comum de "boa semana". Até porque, se não aproveitarmos esta, ela não voltará mais.
À tarde tive a turma que já foi minha no ano passado, de que fui e volto a ser director de turma. Não correu tão bem. Talvez por haver já mais à vontade, menos tensão de descoberta das primeiras horas. No essencial, repetiu-se o que havia feito com a outra turma, mas com menos efeito.
As aulas são todas diferentes, mesmo quando são semelhantes porque a programação é a mesma. Por isso, não vou contar aqui as aulas de cada uma dar turmas.

18 September 2005

 

A dissolução, a operacionalidade

Há quem me acuse de dissolver a responsabilidade e há quem me acuse de fazer análises que não são operatórias.
Ao contrário de outros. Que concentram a responsabilidade num só e que sobre a concentração podem fazer propostas simples e operatórias. Por exemplo, Bush foi o responsável pela má resposta em Nova Orleães, demita-se Bush e vote-se nos democratas. É um exemplo lá longe, em vez de inúmeros entre nós. Só que... as coisas não são assim.
Grande parte do nosso pensamento social e político é herdeiro da mecânica clássica e das matrizes clássicas de pensamento forjadas nessa ciência... já ultrapassada, porque se reconheceu que descreve apenas uma pequena parte da realidade. E que só vale quando aplicada a essa pequena parte. (Ultrapassada não significa, portanto, invalidada, mas superada.)
A realidade não é como a mecânica clássica a descreve. A realidade social não é como esse pensamento ingénuo a imagina.
Por isso, quando eu procuro descrever a realidade social de outro modo, a partir de uma modelo, mais actual, é compreensível que as minhas análises pareçam estranhas. Outra coisa não seria de esperar. Sempre assim foi.
Mas não é verdade que eu dissolva a responsabilidade. Bem pelo contrário, eu mantenho-a inteira em cada um dos pontos do sistema social. São os outros que a dissolvem e anulam na generalidade dos pontos do sistema, para depois a descarregarem toda onde ela não se pode alojar. Podem, então, ser muito operacionais, mas nunca poderão ter os efeitos que esperam, pois trabalham com o mapa de uma realidade que não existe.
Um exemplo simples e acessível. Enquanto pensarmos que o problema ecológico em Portugal está nas mãos do Primeiro Ministro ou do Ministro do Ambiente, ou no concelho, nas mãos do Presidente da Câmara ou do Vereador do Ambiente, não há solução possível, por melhor que eles façam o seu trabalho. Apenas e só quando cada um dos governantes nacionais e locais e dos industriais e dos comerciantes e dos consumidores... e dos professores e dos jornalistas... assumir a sua responsabilidade e fizer o seu trabalho é que haverá resultados significativos.
Por isso, uma boa estratégia, que seja operatória de facto, não se pode concentrar apenas num dos lugares do sistema. Isto é elementar e já se percebeu há muito. Mas continua a ser muito pouco praticado. Os militares sabem isto há séculos. A gestão empresarial já o compreendeu há muito. Quanto ao resto...
P.S. – Não confundir com outra lógica assassina: "Eu faço se todos também fizerem". O uso dessa expressão em causas sérias devia ser penalizado como crime público. O que eu digo vai justamente contra este tipo de não-pensamento e de anti-acção.

 

Um exemplo - no Pego

Era o ano lectivo 1979-80, se não erro. Eu estava a dar aulas em Tomar e a frequentar o último ano de Filosofia em Lisboa. Queria leccionar bem as duas novas disciplinas que me davam muito trabalho e queria acabar o curso. Foi então que...
Vieram ter comigo a casa dos meus sogros, no Pego, e disseram assim. Como sabes, o Rancho do Pego está nas últimas. Ou aceitas fazer parte da direcção connosco ou o Rancho acaba já. Expliquei-lhes a minha situação. Responderam-me que sim, talvez... mas ou eu aceitava ou o Rancho terminava. Não havia alternativa.
Aceitei. Consegui terminar o curso, creio ter feito um bom ano em Tomar e demos a volta ao Rancho. Nem conto as dores por que tivemos de passar. Mas, no final da época, o Rancho tinha uma nova orientação estratégica, estava novamente em velocidade de cruzeiro, tinha feito o seu primeiro festival de folclore, enfim, estava salvo. E dei lugar a quem de direito e dever tinha de dar continuidade ao trabalho, os pegachos. Tudo isto é verdade e estão aí os outros, à excepção do Joaquim Parreira.
Há alguma dúvida de que fui decisivo na História de mais de 50 anos do Rancho do Pego?
Eu sei que fui. Sei que fizemos - no plural – um bom trabalho, de significado histórico.
MAS isso em nada diminui o trabalho que foi feito nos 30 anos antes e nos 25 anos depois daquele momento. À excepção do trabalho que foi mal feito, é claro. Porque se havia uma crise tão grave, e havia, é porque algo tinha corrido mal. Mas nestes 50 anos nem tudo correu mal, pelo contrário, muita coisa correu bem. E isso é, uma vezes mais e outras menos, tão importante como o trabalho que fizemos naquele ano.
E o mesmo se diga do trabalho feito noutros grupos folclóricos do concelho.
Volto a insistir naquilo que quero dizer. Todos os lugares sociais são importantes, em todos eles se escreve – se decide - a História que vamos fazendo em comum. E não há nisto qualquer populismo, nem uma postura contra o papel e a importância dos lugares de topo. Eu, naquele ano estive no lugar de topo e fui decisivo. Mas os dançarinos, por exemplo, foram também decisivos. Sem eles, que trabalho podia fazer a direcção. Mas sem a direcção eles não eram capazes de fazer o que depois fizemos todos.

 

Da importância e das oportunidades

Mas, afinal, porque falo eu do meu lugar na nossa história local?
Digamos, para começar e para acabar com essa discussão, que foi por vaidade. Pelo menos, procuro ter orgulho naquilo que faço bem, embora não soberba, que é coisa bem diferente. Não sou nada de me diminuir. O compromisso com a verdade passa também por aí. Estamos quites?
Mas há duas outras razões. As principais, digo eu. Que vêm na linha daquilo que eu há muito defendo. Assim:

os lugares decisivos não estão apenas no topo mas em todos os lugares do corpo social
e ainda
aquilo que cada um de nós é e vale depende das "oportunidades" que lhe foram dadas.

Ou seja. O meu lugar nesta nossa comunidade, repito-o, tem sido importante. Mas nunca alguém me ouviu dizer que sou excepcional. Não, há muitos outros, em todos os escalões desta nossa sociedade local, que têm assumido comportamentos decisivos. Eu até costumo utilizar a expressão "importantíssima pessoa pouco importante". Mais: eu sei que não é possível construir uma sociedade só a partir do topo. Os "de cima" nunca têm aquele poder que por vezes se pensa que têm. A qualidade de um país ou de um concelho e de uma escola ou empresa está dependente daquilo que são e fazem cada um dos pontos do sistema complexo que cada um deles é. Por isso, quando eu digo da importância que tenho tido estou sobretudo a dizer a importância que cada um de nós deve ter – e tem sempre – para os níveis de qualidade com que vivemos. Nas minhas actividades de jornalismo tenho procurado realçar alguns desses casos, menos visíveis do que as personagens que ocupam os lugares de topo. E esse é um erro, um logro, em que nos induz o nosso sistema de comunicação e informação.
Mas há uma segunda mensagem. Eu sou sobretudo o produto do que fizeram de mim. É certo que tenho margem de autonomia e decisão, mas ela só ocorre dentro daquilo que já sou. Ou seja, é só naquilo que sou e a partir do que sou que posso decidir. O que tenho sido na comunicação social abrantina devo-o ao meu pai e ao meu professor de Português, mas também às oportunidades que me foram criadas. É verdade que tomei a iniciativa de escrever para os jornais de Abrantes e que fui continuando a escrever. Mas esse não foi – nunca é – um passo original. Há pessoas que falam em génios que arrancam do nada. Não discuto isso, aqui, concedo que sim. Mas nem eu nem a maioria de nós somos génios. Somos pessoas normais. E é assim que as coisas se passam com as pessoas normais.
A conclusão é simples. Nada substitui o cuidado que devemos ter em criar oportunidades que abram possibilidades às pessoas. Também há muito que o digo. Há muito, igualmente, que insisto que é pobre, neste domínio, esta nossa comunidade local. A forma como vivemos puxa mais para baixo que para cima. Como havemos, então, de subir colectivamente?

 

De regresso às aulas

Primeiro dia. Tive uma turma nova, 11º B, 22 alunos, dos quais 3 já forma meus alunos no 10º ano. Que pensam os alunos sobre o professor no primeiro dia? Duma coisa estou certo, estudam-no. Para saberem o que os espera e para estudarem até onde podem ir. A primeira aula é decisiva, sei-o muito bem.
Apresentámo-nos e gostei muito que, logo uma das primeiras alunas a apresentar-se me tenha dito "... e não gosto de Filosofia". É óptimo quando as pessoas podem dizer aquilo que sentem. Que tenham coragem para dizê-lo e que isso não lhes acarrete qualquer prejuízo. Os outros sentiram-se à vontade para dizerem o mesmo ou diferente. Pelo menos disseram-no.
Eu, pela minha parte, aproveitei para definir algumas regras que eu penso que devem ser sagradas na relação que vamos manter ao longo do ano.
Primeira regra. Direito à asneira. Não como palavrão ordinário, mas apenas a expressão de que está a aprender não deve ser obrigado a mostrar que sabe tudo. Aliás, no tempo de aprender, é mais importante a resposta errada que a certa – porque a errada permite a sua correcção. Já no tempo de avaliação é diferente: se possível, que não haja respostas erradas. Mas também aí... errar é humano.
Este direito à asneira implica duas consequências. Eu reconhecer-me o direito a errar, eu não Ter medo de errar. Se errar... corrige-se, que é para isso que cá estamos. E é a errar que se aprende, embora a escola não saiba. Além disso, cada um de nós tem de reconhecer aos outros o direito a errarem. Sem ser penalizado por risos castigadores. Se tiver piada, rimo-nos da piada, e não da pessoa, muito menos contra a pessoa.
Segunda regra. A sala de aula é uma lugar de trabalho. Uma oficina. "Os vossos pais não me pagam para eu vos fazer festas", disse-lhes. Pagam-me para que saiam daqui mais capazes para a vida. "Não se criam competências só com ternura", afirmei. E a medida do resultado do nosso trabalho está na diferença entre aquilo que cada um é hoje e o que será no último dia. Essa diferença é que é o importante.
Terceira regra. Não vamos estudar o livro. (Algumas caras de surpresa.) Vamos, sim, estudar pelo livro, que é uma coisa diferente. O livro é instrumento. O que vamos estudar é a Vida. A vida que vivemos e a que viveremos ao longo dos anos. E estudar a vida para vivê-la melhor.
"E, se me permitem, o grande objectivo da vida é só um: ser feliz hoje e em cada um dos dias da vida e, no momento final, sentir que valeu a pena e se salvou a vida vivida." É isso mesmo que eu penso e que costumo dizer aos meus alunos. E sinto que é um objectivo que eles reconhecem como seu. Ser feliz hoje e amanhã e depois de amanhã. Por isso, não vale matar o dia de hoje para ser feliz amanhã. Nem ser feliz hoje à custa dos dias de amanhã e depois de amanhã.
Por isso, à despedida, disse-lhe, como costumo dizer: Sejam felizes, que o dia de hoje e o próximo fim-de-semana não volta.
Senti que saímos amigos. Oxalá, que é a melhor cama para se deitarem os dias difíceis que também teremos.

15 September 2005

 

Eu no jornalismo - 2

Entretanto, já não sei se antes se depois, fiz parte de uma equipa que foi chamada a fazer o Nova Aliança. Posso dizer que já estava eu, mais ou menos, à frente do grupo. Foi um bom trabalho, mas fui posto fora, porque não gostavam do que fazíamos.
Mais tarde, João Marques foi despedido do Jornal de Abrantes. Com a indemnização, pensou criar um jornal onde pudesse ganhar a sua vida. Foi convidada uma equipa para fazer o Notícias de Abrantes, em 1980. Éramos quatro e tínhamos de produzir um jornal todas as semanas. E um jornal que fez mexer as águas do jornalismo em Abrantes. Saí quando fui para Portalegre fazer o estágio profissional. Entretanto, fui colaborando com textos de ocasião. Até, embora menos, quando fui vereador, de 83 a 85.
Em 1988, porque não havia quem, passei a ser correspondente de O Ribatejo, em Abrantes. Por pouco tempo, se não me engano.
Em 1992, a velha equipa de que participei no Nova Aliança, foi chamada pelo P. José da Graça. Ou aceitam dirigir o jornal ou ele acaba. Não podíamos "matar" um jornal. Aceitámos com uma condição: um de nós seria o director. Ou confiam em nós, ou não. Aceite a condição, a equipa escolheu-me e, assim, fui director pela primeira vez. no Nova Aliança.
O Primeira Linha veio em 1997 agitar de novo o panorama informativo em Abrantes. Desde o primeiro número e durante mais de sete anos, assinei uma crónica semanal. Até que me senti no dever de sair.
De imediato, e de modo imprevisível, o Gazeta do Tejo quer renascer e fui convidado para director. Seria um projecto inovador. E foi-o. Ao fim de sete edições, como se sabe, dei por findo o meu trabalho directivo.
Entretanto, tinha criado um pequeno jornal fotocopiado, Já Agora!, em Portalegre, no início dos anos 70. E tinha participado numa aventura de pré-rádio: um programa em fita gravada que era posto em audição colectiva. (Devia ser horrível.) Mais tarde viria a ter, com o Eduardo Campos, um programa na RAL, Disto e Daquilo. Nos últimos tempos, desde o seu reaparecimento como Antena Livre, tenho sido, por períodos, comentador semanal.
Para trás ficaram a criação de duas revistas de História Local, Abrantes – Cadernos para a História do Município, de que fui director do único número, e Zahara, de que não quis ser director e ficou muito melhor entregue.
E, em mais de 35 anos, como quase todos, excepto os profissionais dos últimos tempos, nunca ganhei nem sequer para os gastos de gasolina, que nestas coisas nunca são poucos.
Peço desculpa da minha falta de falsa modéstia. Mas tenho ou não razão para dizer que o meu nome faz parte da História do Jornalismo em Abrantes 35 anos?

 

Eu no jornalismo - 1

O meu primeiro professor de jornalismo foi o meu pai. Ele comprava O Século todos os dias. Quando íamos de férias para a Carregueira (Mação), assinava o jornal por esse tempo limitado, uma semana ou quinze dias, e cada manhã nós esperávamos o carteiro e o meu pai lia o jornal. Foi ele que me ensinou a importância do jornal e me habituou a conviver com o jornal diário. O meu avô João sabia ler, mas não tinha que ler lá na aldeia. Por isso, aproveitava os jornais que iam a embrulhar "as mercearias" (pacotes de arroz, açúcar, café... que levávamos da cidade embrulhados em folhas de jornal) e, é claro, aqueles que iam chegando dia a dia. Foi com eles os dois que eu aprendi o carácter decisivo do jornal. Mas um jornal era coisa distante, vinda sabe-se lá donde.
O meu professor de Português, o P. Álvaro, no meu 5º ano (actual 9º) virou uma página decisiva. Convidava um ou outro dos seus alunos a escrever para o Reconquista, de Castelo Branco. E um dia chegou a minha vez. Escrevi logo dois textos: um sobre um jogo de futebol, que ele me encomendou, e outro, por iniciativa própria, sobre os maus cheiros da Líria, a ribeira de Alcains. Nesse ano, eu aprendi três coisas: que os jornais estavam ali à mão, que serviam para passar mensagens importantes e que eu podia escrever para esses jornais. E passei a escrever.
Pouco depois, em 1969, entregava o meu primeiro text oem Abrantes, no Jornal de Abrantes. Mas foi noCorreio de Abrantes que continuei a escrever com regularidade. Entregava os textos e publicavam-mos. Durante anos. Num Verão, o Dr. Consciência, que dirigia o jornal (mas creio que não era o director), chamou-me, disse que ia de férias e entregou-me o jornal. De repente, vi-me a ter que fazer um jornal sozinho e nem sabia como.
Em Janeiro de 1974, já eu era professor no Sardoal, um grupo decidiu fazer uma "experiência" no Correio de Abrantes. Também fui convidado para participar e entregaram-me a crónica sobre a vida nacional. Nem sabia o que havia de fazer com aquele espaço. Mas fiz. E logo no primeiro número, Janeiro é antes de Abril, houve bronca com o meu texto. Que talvez tenha sido o pretexto para acabar com aventuras. E a experiência acabou.
Nesse mesmo ano, participava de uma pequena equipa que revitalizou a Tribuna do Pego, n’ A Nossa Terra Natal.
Em 1974, ou 75, já não sei, ainda houve nova tentativa de restaurar a experiência do Correio de Abrantes, mas o Verão ia quente demais para resultar. Secou.

14 September 2005

 

Um passo em frente

Uma das razões porque me ausentei desta margem da vida foi por ter estado ocupado com a edição do "novo" Gazeta do Tejo. Foram sete números. E creio não haver dúvidas de que escrevemos mais uma página na História do Jornalismo em Abrantes. Sejamos claros. Eu não digo que a História do Jornalismo em Abrantes se passa a escrever em antes e depois destas edições. O que eu afirmo é que ali se deu um passo e uma diferença. E uma diferença que não foi um retrocesso, mas um avanço para o futuro. Alguém tem dúvidas?
"Uma viagem de mil quilómetros começa sempre pelo primeiro passo", diz um ditado chinês. E os passos seguintes também são passos. Mas há passos muito diferentes. Alguns são saltos. Outros significam mudanças de direcção. Outros ainda são uma subida íngreme. Sim, um percurso de mil quilómetros é feito de muitos passos diferentes. E é nessas diferenciações que se vai criando história, enquanto nos passos comuns se lhe dá continuidade.
Escrevo isto porque é assim, mas também porque ficou por concluir uma reflexão aqui iniciada há meses já, quando eu dizia, e repito, que há sectores da História de Abrantes que não poderão ser escritos sem Ter em conta aquilo que eu – com outros, sempre com outros – fiz, ou seja, fizemos.

12 September 2005

 

11 de Setembro

Hoje é o aniversário de um outro 11 de Setembro. É dia de voltarmos a concluir que as sociedades aprendem pouco, mal e devagar.

 

Até onde

Uma pessoa vale (em muito) aquilo que os outros acreditam nela.
Conta-se que uma família foi forçada a sair de sua casa quando tropas inimigas invadiram a localidade onde viviam. Para fugir aos horrores da guerra, perceberam que sua única chance seria atravessar as montanhas que circundavam a cidade.
Se conseguissem êxito na escalada, alcançariam o país vizinho e estariam a salvo. A família compunha-se de umas dez pessoas, de diversas idades. Reuniram-se e planejaram os detalhes: a saída de casa, que alimento levariam, por onde tentariam a difícil travessia, etc.
O problema era o avô. Com muitos anos aos ombros, ele não estava muito bem. A viagem seria dura.
- "Deixem-me", falou ele. - "Serei um empecilho para o êxito de vocês. Somente atrapalharei. Afinal, os soldados não irão se importar com um homem velho como eu".
Entretanto, os filhos insistiram para que ele fosse. Chegaram a afirmar que se ele não fosse, eles também ali permaneceriam. E, vencido pelas argumentações, o idoso cedeu.
A família partiu em direção à cadeia de montanhas. A caminhada era feita em silêncio. Todo esforço desnecessário deveria ser poupado. Como entre eles havia uma menina de apenas um ano, combinaram que, a fim de que ninguém ficasse exausto, ela seria carregada por todos os componentes da família, em sistema de revezamento.
Depois de várias horas de subida difícil, o avô se sentou em uma rocha. Deixou pender a cabeça e quase em desespero, suplicou: - "Deixem-me para trás. Não vou conseguir. Continuem sozinhos".
- "De forma alguma o deixaremos. Você tem de conseguir. Vai conseguir", falou com entusiasmo o filho.
- "Não", insistiu o avô, "por favor, deixem-me aqui".
O filho não se deu por vencido. Aproximou-se do pai e enérgicamente lhe disse: - "Vamos, pai. Precisamos do senhor. É a sua vez de carregar o bebê."
O homem levantou o rosto. Viu as fisionomias cansadas de todos. Olhou para o bebê enrolado em um cobertor, no colo do seu neto de treze anos. O garoto era tão magrinho e parecia estar realizando um esforço sobre-humano para segurar o pesado fardo.
O avô se levantou. - "Claro", falou, "é a minha vez. Passem-me o bebê". Ajeitou a menina no colo. Olhou para o seu rostinho inocente e sentiu uma força renovada. Um enorme desejo de ver sua família a salvo, numa terra neutra, em que a guerra seria somente uma memória distante tomou conta dele.
- "Vamos", disse, com determinação. - "Já estou bem. Só precisava descansar um pouco. Vamos andando".
O grupo prosseguiu, com o avô carregando a netinha. Naquela noite, todos da família conseguiram cruzar a fronteira a salvo.
Esta história chegou-me através da minha amiga Cristina Castilho, de Jundiaí (S. Paulo, Brasil)

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