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13 March 2006

 

Anonimato

Um anónimo criticou aqui o facto de eu ter pegado na palavra de outro anónimo e tê-la levado a sério. Como se eu tivesse deixado a outro, anónimo, "que tristeza", a definição da minha agenda.
Mas trata-se de um duplo erro.
Primeiro. Fui eu que decidi pegar na palavra de alguém que não se identificou. Podia tê-la ignorado, como fiz já várias vezes. Mas decidi agarrá-la, como estou a fazer agora.
Segundo erro. O facto de ser anónimo não equivale a dever ser ignorado. Eu sei que há uma regra não escrita que diz que "nunca" se deve dar crédito a uma palavra anónima. Mas é só uma regra, e que vale o que vale.
Os responsáveis de uma escola receberam um telefonema anónimo: "Dentro de 30 minutos vai aí explodir uma bomba". Devem ignorar a ameaça, só porque é anónima? Não. Podem ignorá-la se e apenas se houver indícios de que é um falso alarme, nunca porque se trata de uma ameaça sob anonimato. Portanto... a o dever de ignorar uma voz anónima não é absoluto.
Aqui, do meu ponto de vista, é um campo onde se trabalha ao nível das ideias. E as ideias valem pelo que valem, não pelo que vale quem as diz. Há, de facto, vozes com mais e outras com menos credibilidade. As vozes não são todas equivalentes. Mas uma voz anónima pode Ter este efeito – até certo ponto saudável – de deixar a ideia entregue a si própria, sem um nome que a defenda.
Foi isso que fiz. Havia ali uma ideia que me mereceu atenção. Dei-lha. Como estou a fazê-lo agora. Que me importa que a condenação do anonimato tenha surgido como filha de pai/mãe incógnito/a?
Houve um tempo em que escrevi para os jornais de Abrantes sem assinatura. Pensava então que as ideias deviam valer por si e não pela assinatura que lhes dava um rosto. Depois, assei a assinar os textos com o meu nome. Por uma simples razão: porque esta terra, como qualquer outra, precisa de personagens, de homens e mulheres com um rosto feito de acções. Ao não assinar, estava a recusar isso mesmo. Imaginemos um país com uma literatura toda ela anónima.
É isso, sobretudo, que torna um texto anónimo mais pobre. Socialmente. Mas as suas ideias são as que são.
Outra coisa é um ataque cobarde feito sob anonimato. Ainda aí há duas coisas distintas: as ideias que podem estar em jogo e a cobardia do ataque anónimo. Sobre isso, cada um está em condições de pensar por si.

09 March 2006

 

Nem de propósito...

No 5º Encontro de Comunicação, na ESTA, participou Jorge Oliveira, Presidente do Espaço T, associação criada há 11 anos no Porto e que tem já filiais em Portugal. Tem como objectivo utilizar "a arte como processo terapêutico". E J. Oliveira explica: «Há 11 anos, quando começámos, diziam 2isso é uma loucura". A terapia era então pensada como injecções, comprimidos, etc. Mas a terapia pode ser terapia dos afectos.» Hoje, o Espaço T é frequentado por cerca de 300 pessoas, emprega 30 pessoas a tempo inteiro e 80 a tempo parcial, e conta também com uns 20 voluntários. Tem um orçamento anual de cerca de 150.000 contos, dos quais apenas cerca de 50% de origem dos cofres públicos.
Vem isto a propósito, é claro, de eu ter escrito que podemos pensar a saúde para lá daquilo que são os modelos de pensamento que dela temos.
Eu recordo-me de quando estive por dentro da Universidade da Terceira Idade de Abrantes e das histórias que ali acompanhei. Ou da Escola de Artes Plásticas.
A forma que temos de pensar a saúde está ainda submetida ao paradigma mecanicista, herdado do modelo cartesiano e sujeito a estatutos corporativos vários e a valores metafísicos que, em conjunto, fazem a cavalgada que estamos a ouvir.
E, se não tivermos coragem para (re)colocar os problemas, vamos apenas assistir a cortes e mais cortes nos benefícios, sem que nada os substitua.

06 March 2006

 

Equívoco

E, de novo, o país estremece e volta a colocar as suas esperanças na educação.
Mas é necessário haver alguém que o diga:
Querer que a escola produza aquilo que dela se espera é o mesmo que pedir a um cágado que, por patriotismo, cante o hino nacional.

 

Angelina - 4

Continuo sem saber o que se pode e deve fazer à Angelina. Mas isso não me preocupa. Porque a Angelina é um caso extremo e não me passará pelas mãos, ao que dizem. Pelo menos por enquanto.
O que me preocupa... é a Adelaide e o José Miguel.
A Adelaide anda no 11º ano e é minha aluna. Tem uma vontade enorme de ter positiva e trabalha que se farta, mas nunca conseguirá ter uma resultado que se aproxime de uma positiva real. E não é deficiente, nem estúpida, nem... Apenas chegou ao 11º ano neste estado. E eu não sei o que hei-de fazer(-lhe).
O José Miguel não é parvo nenhum. Talvez por isso, já percebeu que não vai conseguir o que queria. Ele até gostava, mas já viu por experiência própria que, mesmo que estude, o resultado não compensa. Por isso desistiu. Vive de estratagemas. A ver se consegue aquilo que de outro modo nunca conseguirá. E eu não sei o que hei-de fazer(-lhe).
Mas também me preocupam os casos do Júlio e da Fernanda.
O Júlio não vive neste mundo. Anda na escola porque nem sequer lhe é possível não andar. Mas aquilo que se passa na escola não lhe diz nada, não lhe interessa, não percebe o que anda ali a fazer. É claro que não estuda, mas porque haveria de fazê-lo?
A Fernanda sabe muito bem o que quer, perdão, o que queria fazer: trabalhar com crianças. Mas já sabe que nunca conseguirá ir para um curso que lhe permita realizar o seu sonho. Anda na escola a ver morrer as suas esperanças e a ver as colegas a terem notas que lhes permitirão ir para o curso que querem tirar. Que anda a Fernanda ali a fazer?
E eu tenho um programa a cumprir. E notas para dar. E um diploma com credibilidade a perguntar-me se pode ou não ser dado à Fernanda, ao Júlio, à Adelaide e ao José Miguel. (Nomes supostos, é claro, casos-tipo.)
A Angelina, se bem percebi, foi para o CRIA e o problema foi disfarçado. Nos casos acima não houve qualquer disfarce. Há apenas uma reclamação: ponham-nos na rua, que não andam lá a fazer nada.
Ou será que é a escola que não anda a fazer-lhes nada?
Para cerca de metade dos nossos alunos, crianças e jovens, a escola é sobretudo uma instituição de tortura. E ninguém a denuncia à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco... porque é uma tortura autorizada e legitimada publicamente.
E nisto ninguém é inocente. Nem eu.

 

Mourinho e a educação

Está já aí, em Abrantes, o recente livro "Mourinho: porquê tantas vitórias?", da autoria de quatro especialistas em futebol. Em vez de se ficarem pela conversa fiada, foram mesmo à procura de uma resposta rigorosa. E ela está ali, à mão de quem se der ao trabalho de lê-la. E de percebê-la.
Mas este livro tem um alcance muito mais vasto do que aquela modalidade desportiva. Ali pode ver-se com clareza, por exemplo porque é que as nossas escolas nunca hão-de, porque não podem, produzir os resultados que alguns insistem em esperar delas.
Eu não digo. Quem quiser que leia o livro.
Entretanto, podemos andar às voltas, chamarmo-nos nomes feios uns aos outros ou afagarmo-nos mutuamente o ego. Nada disso altera o problema. Andaremos a defender a escola pública ao mesmo tempo em que andamos a matá-la. Depois... haveremos de esgadanhar-nos, a gemer pelo estado da educação em Portugal.

 

Quase sempre assim

«Se tivéssemos discutido o problema a tempo, teríamos certamente evitado a crise hoje. Como evitámos a discussão, temos a crise hoje. Aliás, é quase sempre assim.» Dizia eu na última entrada.
É, mais uma vez, o que está a acontecer na saúde. Hoje, o problema está com a discussão envenenada. Duvido que sejamos capazes de discuti-lo. Quando ainda muito poderíamos fazer. Porque muito há a fazer. A única coisa que não podemos deixar que aconteça é o que está a acontecer - as despesas a crescerem a um ritmo maior do que a nossa disponibilidade para pagá-las. E não vale de muito, mais uma vez, gritarmos que temos direito a saúde gratuita. O que vale, sim, a única coisa que vale, é fazermos o que há a fazer para podermos continuar a ter saúde gratuita ou algo próximo disso. Caso contrário, vamos perder aquilo que temos, porque não haverá ninguém disponível para pagar a factura. Muito menos nós, como está à vista.
E há muito a fazer. Desde logo, diminuir o desperdício, a primeira e mais imediata fonte de recursos. Depois, tudo o mais, até pensarmos o próprio conceito de saúde e de tratamento. Muito do que se faz é apenas ou pouco mais que manutenção de poderes e de estatutos, e nada tem a ver efectivamente com a saúde dos cidadãos. Eu sei que o problema é complexo. Mas é aí que está uma parte significativa da solução.
Até lá...
Mas deixem-me dar outros dois exemplos.
Há quantos anos é que os cientistas andam a alertar para o aquecimento do planeta e para os perigos que se prenunciavam? Ninguém esteve disponível para ouvir e fazer alguma coisa. Agora, dizem-nos que é talvez demasiado tarde para evitar a catástrofe.
Há 30 anos já os meus alunos, no Sardoal, queriam fazer reservatórios para guardar água para o ano 2000. E não era porque eu fosse iluminado, era porque o problema já constava do programa e essa foi uma solução que eles viram na sua ingenuidade. Mas nestes 30 anos, que outras soluções foram sendo executadas?
Para concluir. Este é um problema velho, e sempre repetido. Um problema não existe para nós enquanto não nos for mais ou menos insuportável.

 

Uma correcção

Quando escrevi sobre a crise da Segurança Social e o problema das reformas, eu não queria dar a entender, se é que o fiz, que sou um iluminado e que há muito que percebi o que ninguém mais percebeu. Nem de longe.
É verdade que há pelo menos uma década vários economistas vêm a anunciar esta crise. Mas sempre se ouvia responder que aquelas eram vozes ao serviço do grupo das seguradoras, que queriam fazer negócio. Ao longo deste tempo, eu nunca tive oportunidade de dirimir esta questão. Eu sei, de longa data, porque aprendi, que as vozes que se fazem ouvir representam sempre algum interesse. Percebi claramente que havia interesses evidentes das seguradoras e que havia interesses dos beneficiários da Segurança Social. Nunca, porém, as coisas foram discutidas de forma a eu saber se a ameaça anunciada era real ou apenas propaganda.
Até muito recentemente. Talvez, não sei já bem, durante o Governo de Durão Barroso e depois, na última campanha eleitoral. Este tempo próximo foi o momento em que o país (e eu com ele) ficou seguro de que o problema era real e não apenas marketing.
Mas tudo isto foi acompanhado por dois fenómenos. Um, que eu já enunciei noutra entrada, os abusos que todos nós fomos constatando, e com eles pactuando, como se o saco do dinheiro fosse inesgotável. Vemos agora que não é.
O outro, para mim mais decisivo, foi o conhecimento de experiências interessantes. Raras, mas significativas. De tempos a tempos, eu ia tendo conhecimento de que uma empresa, sobretudo no Japão, mas não só, em vez de despedir trabalhadores tinha criado uma outra empresa em que esses trabalhadores puderam continuar activos. E sempre me admirei de nunca ouvir falar nesse tipo de solução. Imagino os milhões de contos que foram despendidos em rescisões amigáveis, que podiam ter sido investidos e assim contribuirem para mais um tijolo na economia e menos um buraco na Segurança Social. Mas porque é que nuca se falou disso? Porque nunca foi ao menos uma reivindicação?
Eu percebo porquê. Mas isso não anula que a teta da vaca esteja agora a secar.
Eu também não concordo nada que me estejam a roubar uma reforma que seria dentro de três anos e a troquem por outra para daqui a uns 12 anos, quando eu certamente já cá não estarei.
Mas "não concordo" é uma expressão tola. Porque o problema, pelos vistos, não é da ordem do "concordas ou não concordas", mas do tipo "agora até 2.015 ou mais tarde e talvez para sempre". Ora um problema mal colocado não tem solução. Ou só pode ter uma falsa solução.
Se tivéssemos discutido o problema a tempo, teríamos certamente evitado a crise hoje. Como evitámos a discussão, temos a crise hoje. Aliás, é quase sempre assim.

 

Boomerang

Caro Anónimo
A minha vida deu-me a volta e manteve-me afastado deste pequeno forum durante uns tempos. Aliás, já o disse, este blog não me é prioritário. É apenas o contributo possível à minha terra. Regresso, pois, para retomar a conversa.
E começo por dizer que são um boomerang as acusações dos que vêem no que digo apenas posições do PS.
Volto a dizer, para que não haja dúvidas: não evito nem reforço um pensamento por ele ser mais próximo ou mais distante do PS - ou de qualquer outro partido. E se houvesse um partido cujas posições coincidissem comas minhas, tanto melhor, eu iria ficar satisfeito por sentir as minhas posições representadas.
Eu nunca pensei qualquer partido como um bando de malfeitores. Pelo contrário, sei que a qualquer deles, sobretudo dos maiores, devemos grandes serviços à democracia e ao desenvolvimento, como também sei que a qualquer deles podemos fazer pesadas críticas.
Mas mais que isso, que são posições de princípio, o que menos me incomoda, antes me agrada nessas acusações, é elas revelarem o que não querem deixar ver: que aquilo que eu digo não merece outra crítica para lá desse rótulo que para alguns é de leproso. Ou seja, uma tal acusação dá-me razão. O que eu disse não foi objecto de contestação quanto ao conteúdo - caso contrário tê-lo-ia sido. Além disso, mostra que o acusador vê como nódoa o rótulo que me cola, isto é, que ele se coloca numa postura de pseudo-inteligência em que as coisas valem ou não valem, não pelo que dizem, mas pela cor com que ele as vê vestidas. Uma tal acusação é um boomerang, que não me atinge, antes se volta contra quem a lança.
E é por isso que eu ainda e sempre me sinto incomodado. Não pela incapacidade e incompetência que uma acusação destas revela, porque incompetências várias todos temos, mas pela sua exibição como troféu.

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