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31 December 2007

 
Insulto
Creio que somos ofensivos com a nossa vocação de carpideiras a tempo inteiro. Choramo-nos por tudo e por mais alguma coisa.
Não creio que os mais velhos nos possam achar dignos, eles que comeram o pão que o diabo amassou para eles.
A minha sogra conta muitas vezes episódios da sua vida que nos deviam fazer corar de vergonha. Recordo agora um deles, de memória.
- Andávamos a trabalhar de sol a sol. Enregávamos ao sol nado e largávamos depois do sol se pôr. Tínhamos de abalar de casa ainda de noite para já lá estarmos quando o sol nascesse. E à noite era o mesmo. Chegávamos a casa já noite escura. Uma vez, era já quase sol posto, a Larina Perrica fez uma quadra:
Já lá vai o sol a pôr-se
Por detrás do cabecito.
P’la vontade do patrão
Prendia-o com um baracito
.

O que tu foste dizer!... O patrão ouviu e gritou-lhe logo:
- Ah, seu coirão, ponha-se já na estrada.
Foi logo despedida.
Não resisto a contar outro episódio também da mesma origem.
- Tinha caído uma grande trovoada e a Ribeira do casal levava uma corrente que nos dava por meio da perna acima do joelho. O nosso manajeiro foi buscar um carro de bois para passar os homens, mas a nós, às mulheres, obrigou-nos a passar pelo nosso pé, que era para nós termos de levantar as saias e eles verem-nos as pernas. Mas eu passei sem as levantar, apoiando-me na enxada que levava, para a água não me levar. (O que significa que andou todo o tempo com a saia encharcada até à cintura.)
Ainda outra, da mesma fonte.
- Tínhamos vindo apanhar azeitona aqui para o pé da ponte (junto ao Aquapolis Norte) e estava um frio de rachar. Mal começámos a trabalhar, ficámos logo com as mão geladas, que nem conseguíamos mexer os dedos. Uma de nós (ela diz o nome, mas eu não o recordo) que tinha trazidos uns poucos de fósforos, juntou uns paus e quis acender uma fogueira. Mas com a orvalhada, gastou os fósforos todos e fogueira, nada. Uma outra, desesperada, deu um pontapé nos paus: - Mas como é que nós aguentamos isto?
Como não havia outra solução, puseram-se ao sol com as mãos no colo, a aquecer.
Ou ainda.
Quando ela era ainda criança, a mãe levava-a para a ribeira, onde ia lavar. Passado pouco, a mãe já tinha as mãos tão frias que não aguentava. Então, chamava-a: - Ó filha, põe aqui a cabeça no colo da mãe que é para eu aquecer as mãos.
Quando hoje choramos o refrão do “isto está mau”, não estamos a fazer menos do que insultar os mais velhos e as suas memórias. Como é que eles nos podem levar a sério?

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