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18 April 2007

 

Desformatar?

Quantas vezes é que me pedem, isto é, quantas vezes ouvimos dizer que é necessário desformatar, mudar, as cabeças dos nossos alunos?
Eu nunca sei o que isso quer dizer.
Por um lado, sei bem que se os meus alunos saírem como entraram, isto é, se não saírem transformados – e digo-lhes isso mesmo – então é sinal que não fizemos nada.
Por outro, sei bem que não tenho o direito de formatá-los à minha medida. Quem sou eu? Sim, quem sou eu para moldar os meus alunos à minha imagem e semelhança, isto é, pô-los a pensar como eu?
O que eu procuro fazer-lhes, é activar-lhes o pensamento, provocá-los a pensarem certos temas, confrontá-los com a lógica do que pensam, obrigá-los a defrontarem-se com aquilo que alguns grandes autores pensaram…
Amos Oz, em Contra o fanatismo, publicado pelo Público nesta semana, escreve:
«A essência do fanatismo reside no desejo de obrigar os outros a mudar.» E eu acrescento, “a mudar para se tornarem semelhantes” ao que exige essa mudança.
Eu não acredito num mundo, nem quero um mundo em que todos pensam ou são como eu acho que devem ser. Eu prefiro, de longe, um mundo de diversidade.
Por isso eu quero que os meus alunos sejam, antes de mais, fiéis a si mesmos. E não lhes peço, sequer, fidelidade a mim.
Quando me parece que um aluno meu se anda a perder-se, apenas lhe pergunto: «Estás a cuidar bem de ti? Estás a cuidar bem dos teus interesses? Estás a ir na direcção daquilo que realmente queres?» Ou algo semelhante.
Não posso, nem devo, numa escola pública, converter um aluno sequer a um partido ou a uma religião. Porque devo, convertê-lo a um certo modo de pensar? O meu, claro.
Mesmo que fosse professor numa escola confessional, não creio que fosse boa estratégia de educação forçar a uma conversão a essa confissão. Também aí, a melhor forma seria a de deixar a pessoa chegar lá pelo seu próprio pé. O que, é claro, levanta problemas terríveis, sobre o que realmente fazemos com os nossos alunos.
No fundo, sempre influenciamos o modo de pensar dos nossos alunos. Mas não vejo nisso qualquer motivo de preocupação, a não ser quanto ao cuidado que devo ter. Por exemplo, isso leva-me a ser muito cauteloso quanto a revelar a minha posição na aula sobre o que eu penso quanto a este ou àquele problema. Os meus alunos não gostam, querem que eu diga. Mas eu raramente digo. Porque: eles têm de pensar por si mesmos, não devem cair na tentação quer de pensar como o professor quer de pensar contra o professor.
Mas há aspectos em que eu não tenho medo de afirmar as minhas convicções mais profundas. Aqueles em que eu tenho a certeza de estarmos perante valores constituintes da nossa ordem social e política: o valor inalienável do outro, a democracia como forma de resolver diferendos, etc.
Mas em valores que são sectoriais, quem sou eu mais que qualquer outro?

P.S. – Já não falo no insulto e na violação da dignidade da pessoa do aluno que é humilhá-lo publicamente por ele pensar assim ou de outro modo, como por vezes acontece.

Comments:
Ora aí está um «post» com o qual concordo inteiramente. Uma linha de pensamento à Agostinho da Silva. Infelizmente a escola que temos não é assim.
 
Está neste link abaixo uma proposta para os bloggers de Abrantes

http://blogdozena.blogspot.com/2007_04_15_archive.html#2158657790955779677
 
No essencial concordo com o seu texto.
Infelizmente a escola que fazemos não forma para a diversidade mas para a reprodução, adaptação...
óbvio que não devemos manifestar preferências aos nossos alunos e alunas. Enquanto professor de filosofia, tal atitude, ainda seria mais gritante.
(Des)formatar é uma palavra que me irrita um bocadinho. Talvez a possamos entender no sentido em que se devem desmontar/desconstruir preconceitos (infundados)que os estudantes trazem para a escola...só assim, se pode educar para a diversidade e democraticidade do pensamento...democracia neste contexto, dá-me vontade de rir...a nossa escola não é democrática. a Sociologia explica: democraticidade no acesso...e vamos bater no texto que tem mais abaixo.
Cuidar os interesses e ser fiel a esses interesses, apenas e tão-só depois daquele processo conjunto de desconstrução. Isso é que será ensinar a pensar. Digo eu.
 
Volto, para acrescentar ao comentário:
1. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que em Filosofia* tudo é subjectivo.
2. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que a Filosofia é uma mera "caverna de opiniões".
3. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que a Filosofia não possui conteúdos ensináveis e é apenas uma conversa de café.
4. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que em Filosofia a avaliação dos estudantes é subjectiva e em Matemática é objectiva.
5. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que em Filosofia o estudante ão pode obter 20 valores no teste mas em Matemática pode.
6. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que em Filosofia o instrumento pedagógico essencial é o manual escolar (que já manifesta as preferências e concepções do Programa dos seus autores)
7. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia que os estudantes e seus professores (de outras disciplinas) possuem de que a Filosofia é uma coisa insólita escrita por pensadores com nomes estranhos e todos mortos.
8. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que cabe à Filosofia e só à Filosofia formar/educar para o pensar.
9. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que o teste é o instrumento privilegiado para avaliar o estudante em Filosofia, pedindo-lhe, estupidamente, para dizer se concorda com o pensamento de Platão, Sócrates....tipo: Comente o seguinte texto. Blá Blá...
10. Desformatar é desmontar/desconstruir a ideia de que a educabilidade filosófica não é para todos numa escola que se auto-denomia pública.
11. Desformatar é deixar de ensinar todos, como se fossem um.
12. Desformatar é deixar de formar depósitos de informação sem competência para discernir o acessório do essencial.
13. Desformatar é outras coisas mais...

quis esclarecer o que entendo por desformatar (conceito que usei mais abaixo num comentário anónimo), ainda que a palavra me irrite um bocadinho.
Bom trabalho!

*Entende-se aqui, por Filosofia, a Filosofia Escolar de nível secundário. Aquela que fazemos.
 
Viva a diferença :)
 
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