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02 March 2007

 

Saúde e boas intenções

Laurie Garrett defende agora na Foreign Affairs uma tese que eu há anos defendo. Passe a imodéstia. «A tese do artigo é inesperada como um soco [diz o Público, 25 Fev]: o texto defende que as grandes inicitivas filantrópicas de combate a doenças em países do Terceiro Mundo (...) pioram a situação sanitária nos países onde actuam, em vez de a melhorar.»
A minha leitura decorre dos estudos, breves, que fiz de dinâmica das populações. Todos percebemos que se, num dado ecosistema, tirarmos um elemento, por exemplo um roedor, todo o sistema se desequilibra, a começar pela expansão do que era o alimento do roedor. Foi o que aconteceu com a introdução dos coelhos na Austrália. Ou com a campanha de caça aos pardais na China: feritas as contas, os chineses viram que os pardais lhes roubavam milhões de toneladas de cereal, pelo que lançaram uma campanha de gigantesca de caça ao pardal. Apanharam-nos às carradas de camioneta. Mas, contra o que era esperado, ã produção de cereal decresceu, porque entretanto se multiplicaram as pragas que, antes, eram dizimadas pelos pardais, mas que agora comiam o cereal. E os chineses tiveram que importar pardais.
Todos sabemos isto, de um modo ou outro.
Mas esquecemos que o homem é sempre elemento de um ecosistema. E que um dado ambiente humano é, em princípio, um ecossistema relativamente em equilíbrio. E que diminuir a morte dos homens é provocar um desequilíbrio no ecossistema.
Um dia, perguntei a um professor de Biologia se o meu raciocínio estava certo ou continha algum erro. Disse-me que estava certo. Perguntei-lhe então se, por exemplo, fazer campanhas de vacinação não seria um erro que iria até certo ponto impedir o desenvolvimento, se não seria preferível investir directamente no desenvolvimento de que resultaria uma saúde melhor. Respondeu-me que mais uma vez eu estava certo.
Desde então, fiquei convencido de que uma campanha de vacinação é mais favorável à farmacêutica que vende as vacinas que à população vacinada. Se não me engano, já escrevi há anos osbre isto em Abrantes. (Atenção: o caso da SIDA é completamente diferente.)
Agora, «como um soco», diz o Público, Laurie Garrett explica-se por outra via. As campanhas filantrópicas pioram as coisas «porque se focam nas doenças mais mediáticas em vez de reforçar infra-estruturas de saúde que teriam um impacto positivo global. Porque definem objectivos de curto prazo em vez de fazer apostas que teriam benefícios mais profundos mas mais tardios. Porque absorvem os escassos recuros dos países onde actuam, desertificando à sua volta o sector dos cuidados primários».
Mas não sabemos todos, há muito, que um bom projecto de saúde para um território só pode ter por base os cuidados primários?
Então, se sabemos, porque aceitamos que nestas campanhas seja diferente?
E não sabemos, que desequilibrar um ecossistema pela multiplicação de um dos elementos não tem resultados benéficos garantidos?
Então, se sabemos, porque não nos damos ao trabalho de examinar o interesse objectivo das boas intenções subjectivas?
Peço desculpa, mas a mimñha resposta continua a ser a mesma. Porque atribuímos aos valores uma substância metafísica absoluta. Valem porque sim, independentemente de toda e qualquer outra consideração.
E os pobres que paguem o preço das boas intenções.

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