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23 January 2007

 

Congresso da Cidadania - 9

Eu, porque vivo numa democracia e porque a sinto como o regime social para o qual devo educar os meus alunos, sinto-me pessoalmente obrigado a fazer da minha aula um espaço democrático.
Sei de professores que são muito melhores que eu. Sobretudo no primeiro ciclo, mas também nos seguintes. Mas eu vou até onde sou capaz.
Defendo o direito absoluto dos meus alunos a serem respeitados na sua dignidade pessoal inviolável. Não me reconheço o direito a faltar-lhes ao respeito, nem a permitir que algum deles falte ao respeito a qualquer dos outros. E, se alguma vez "piso" algum sem querer, peço-lhe(s) desculpa.
Assumo como primeiro princípio do nosso trabalho oficinal: o direito à asneira. (Não ao palavrão ordinário, é claro.) Porque quem está a aprender é porque não sabe e, por isso, não é obrigado a saber o que não sabe, e também porque errar é uma das formas de aprender. E isto é democrático.
Reconheço o direito inalienável dos meus alunos à sua diferença pessoal, embora no respeito pelos direitos dos outros e no respeito pelo nosso trabalho comum e pelas regras da casa.
Aceito que cada um estabeleça os seus objectivos de vida, e que não tenha que seguir os que eu possa ter para ele, pelo que me abstenho de ter objectivos para a vida dos meus alunos.
Digo-lhes expressamente que a sua vida vai ali estar presente sob a forma simbólica de um triângulo: num dos vértices está o que eles querem para a sua vida, e eu não tenho nada com isso; no outro está o que eu sei da vida deles, porque sou mais velho e porque estudei o que eles ainda não estudaram; no outro, finalmente, está o que nem eles nem eu sabemos, porque ninguém sabe o que os espera daqui a 20 ou 40 anos num mundo em constante mudança. E isto coloca-nos num lugar democrático dentro da sala de aula.
Reconheço-lhes o direito a terem gostos e hábitos e programas diferentes dos que eu considero preferíveis. Eles vivem num tempo que não é o meu, apesar de ser também o meu.
Procuro prestar mais atenção ao que vai acontecendo em cada um deles do que ao que eu vou dizendo e fazendo. Afinal, é para que eles aprendam e saiam transformados que eu ali estou. Mas não quero transformá-los ao meu modo, mas sim que eles se transformem pelo que ali vai acontecendo entre nós. E nisso procuro que vá o meu profundo respeito pela sua autonomia.
Não marco as datas dos testes: são eles que marcam, e por votação sobre propostas apresentadas e depois de discutidas. Eles sabem muito melhor que eu quando é que lhes calha bem.
Quando lhes dou um teste, indico a cotação de cada pergunta, para que eles possam gerir o tempo e o esforço de resposta.
Quando lhes entrego o teste classificado, vai anotada a classificação de cada resposta, para que saibam e para que possam reclamar se acharem que não está bem classificado. E, se reclamarem, tanto podem ser atendidos, se eu vir que têm razão, como podem não o ser, se eu vir que não têm razão.
Quando há um conflito entre mim e os meus alunos, procuro dizer a mim mesmo o que tenho defendido junto dos meus formandos professores: que «eles têm sempre razão, a razão deles» e eu tenho a minha, que eles, como qualquer pessoa, agem por aquilo que pensam e sentem, e eu pelo que penso e sinto. Então, podemos conversar e chegar a um resultado.
Procuro gostar dos meus alunos como eles são, e não como eu gostaria que eles fossem.
Na sala de aula, eu, democraticamente, não abdico da autoridade que me está confiada, mas não me está confiada para que a exerça de forma ditatorial. Por isso, procuro que eles tomem parte nas decisões a haver.
Peço aos meus alunos que avaliem aquilo que fazemos e com todo o direito a dizerem o que pensam que esteve menos bem.
Reconheço-lhes o direito a não gostarem de mim, ou da disciplina que lecciono. Eu também não gosto de todas as pessoas e há "coisas" de que não gosto.
Reconheço-lhes o direito a não serem perfeitos, portanto a cometerem erros. Mas não a cometerem erros de propósito, mesmo que por vezes seja difícil discernir a fronteira.
Reconheço-lhes o direito a não saberem o que não aprenderam e a não terem as competências que não adquiriram. É a mim que compete ensinar-lhes o que for capaz e ajudá-los a adquirir o que ainda não adquiriram.
Sinto ser minha obrigação (mesmo quando não sou capaz) de diferenciar o ensino e até os instrumentos de avaliação, porque eles são todos diferentes.
Sinto ser minha responsabilidade dar uma atenção especial aos que estão a ter mais dificuldades em ter sucesso, em dar a todos apoio especial quando as coisas estão difíceis. Digo-lhes mesmo «aqui ninguém desiste, o primeiro e desistir sou eu» e eles gostam, nunca percebi porquê.
Sinto que devo estimular o melhor deles, ajudando-os, e por vezes empurrando-os, para que cheguem onde não conseguiriam chegar sozinhos.
Sou exigente com eles, mas procuro que nunca seja contra eles. Tenho obrigação de fazê-los subir, às vezes com esforço ou mesmo alguma dor; mas não tenho o direito de atirar-lhes pedras para que subam. Procuro lutar com eles contra o que os limita.
Sei que eles têm direito a que eu nunca me esqueça do que éramos eu e os meus colegas quando tínhamos a idade deles. Mesmo que por vezes me falhe essa memória.
Sei também que tudo isto é um ideal de acção e que muitas vezes não conseguimos estar à altura daquilo que deve ser, mas também que isso não razão suficiente para não persistirmos num esforço de aproximação.

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