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01 June 2005

 

De volta ao Ruanda

Volto ao Ruanda, agora por memória. Ver aquele filme não foi apenas ir visitar e de algum modo participar naquela luta étnica. Não foi – não é – só ali que aqueles acontecimentos fizeram história. Lembremo-nos de que muitos portugueses viveram muito de perto situações daquelas, em que o ódio fermentado tornava as pessoas capazes de tudo.
E a expressão é mesmo esta: capazes de tudo. Muito do que é o nosso comportamento não depende de um "eu" misterioso e imune à circunstâncias, mas antes do estado do meio de que participamos. «Eu sou eu e a minha circunstância», dizia Ortega y Gasset. Daí a extraordinária importância da qualidade do ambiente social em que vivemos.
Muitos dos portugueses participaram "daqueles mesmos" combates, mas por um lado diferente daquele em que agora vemos o filme. Mataram, incendiaram, vingaram... em resposta aos "terroristas" e em defesa daquilo que «era nosso». Por isso mesmo, não foi insignificante o facto de termos evitado discutir a guerra colonial. Creio que foi bom, porque iríamos encontrar muitos demónios à solta. Mas talvez também tenha sido mau, porque esses demónio ficaram presos dentro de muitos dos nossos combatentes.
Volto de novo ao Ruanada. Àquela terra que parece amaldiçoada. Para lembrar que ali se está a operar uma das maiores "batalhas de reconciliação", passe a aparente contradição. Batalha porque tarefa difícil, que pode ser ganha ou perdida, às vezes por muito pouco. De reconciliação, porque se trata de fazer as pazes entre hutus e tutsis. Como é que é possível que as vítimas possam com-viver com os carrascos? Como é que os sobreviventes do massacre podem viver em paz com aqueles que só não os mataram porque não tiveram o tempo suficiente?
Essa é a mesma questão que já se colocou aos judeus após o holocausto. E que se pode colocar a muitos africanos de hoje, sobreviventes da guerra colonial. Ou aos herdeiros morais das vítimas da Argentina, do Chile...
Mas não é só lá, algures, que estas coisas acontecem. Também cá, entre nós, se passa o mesmo, nas devidas proporções. É só porque o ambiente é outro que não se vai tão longe. Mas nós vemos, com uma nitidez impressionante, como a intolerância é a mesma e os efeitos não são os mesmos porque e apenas porque lhes é impossível.

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