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23 April 2007

 

Portugal

«Desmemoriado, sem coesão social, à margem de si mesmo, sem disso sequer se dar conta. Que vive para o futebol, do futebol, com o futebol, sua única razão de ser? Sim, dir-se-á que não temos outra ambição colectiva, que não somos mais nada, que abdicámos de tudo o mais.» (Marcello Duarte Mathias, 2001)

 

Inteligência

Leio, hoje, em Agustina Bessa-Luís:
«Porque é que pensam que eu escrevo? Para perturbar o maior número de pessoas com o máximo de inteligência.»

22 April 2007

 

Os professores

É claro que os professores (do ensino não superior) também são um produto do sistema de que eles próprios são agentes. Estudaram neste sistema. E, como se sabe, ensinam sobretudo como foram ensinados, sendo uma das formas de reprodução do sistema.
Também eles foram o produto da selecção inicial, da selecção em andamento e da selecção final do sistema. Vêm sobretudo de estratos sociais baixos, embora de famílias capazes de investir no futuro dos seus filhos. Vêm sobretudo de estratos sociais com pouco capital cultural: fizeram um curso superior, mas um curso não dá cultura, dá instrução. Muitos deles só são professores porque não conseguiram entrar em nenhum outro curso mais cotado socialmente.
Mesmo assim, são a fatia do meio dos seus lugares de origem: a fatia de cima foi para melhores destinos; a fatia de baixo nem a professor chegou.
Sociologicamente falando, as coisas não andam muito longe disto. Há excepções, é claro, para ambos os lados, mas as excepções não alteram o panorama de fundo.
Agora falo eu. Sou professor e sou, como os outros, um produto do sistema. Tive um percurso atípico, mas não tenho nisso mérito pessoal.
Continuo a falar eu. Os nossos professores são aqueles que temos. Os nossos “melhores”, porque os únicos. E é com estes que temos de fazer a educação em Portugal. Não é um fatalismo, é a realidade. E uma nobre realidade. O contrário seria barbárie.
Continuo a ser eu a falar. Tenho o mesmo respeito por cada um dos professores que tenho por cada um dos alunos. Um respeito de quem não conhece o que eles fazem e muito menos as histórias de vida que os trouxeram até ao presente. Também cada professor é o resultado de um património biológico único, de uma acção social única e de uma história pessoal única. Como posso eu classificar aquilo que desconheço? A pessoa.
Mas isso não nos deve impedir de, se for caso disso, analisar o desempenho de um professor. Como também, sem avaliar a pessoa dos meus alunos, eu devo avaliar o seu desempenho. Normalmente não faço isso com os meus colegas, porque – felizmente – não exerço funções que me obriguem a fazê-lo. Mas, por vezes, fui/sou chamado a fazê-lo, como pai, como profissional, como cidadão.
Devo acrescentar que respeito os professores, mas não respeito a organização dos professores. Porque, como já o disse várias vezes, considero-a estúpida. Porque não é a organização para obter os resultados para que os professores são chamados a trabalhar e que, na sua maioria, dizem os estudos, eles trabalham. Também sei que sendo os professores pessoas inteligentes, como as outras, alguma da estupidez da (má) organização acaba por recair sobre nós.Finalmente, porque isto vai já grande demais. Eu não costumo falar de professores, mas de escola. Justamente por todas as razões que aqui expus e por muitas outras. Como o problema do sucesso dos alunos não está apenas nos alunos, também a solução da prestação dos professores não está apenas neles. O que não significa que os professores, tal como os alunos, não sejam co-responsáveis pelas suas prestações.

 

Odete Santos - 2

Numa entrevista a um jornal, Odete Santos afirmou: «O comunismo é um sistema muito avançado que até hoje nunca existiu.» Aqui, Odete Santos está a proferir uma afirmação de natureza ideológica e programática, que deve ser recebida como tal.
Aceitemos que sim, que tem razão esta proposição que é a tese oficial do PCP.
Mas não basta ficar por aqui. É necessário darmo-nos conta de que, embora “nunca tenha existido”, houve já várias tentativas sérias de que existisse. E sempre com resultados significativos.
Na União Soviética, o Gulag e o Mar de Aral. Na Europa de Leste, a fuga em massa da prisão quando caiu o Muro. Na China temos, segundo um dirigente de esquerda, recentemente em Abrantes, o pior do comunismo casado com o pior do capitalismo. Em Angola, um dos estados mais corruptos do mundo. E podíamos continuar com resultados do mesmo tipo.
Ora, nós só podemos levar a sério a afirmação de Odete Santos se nos for explicado o que correu mal, qual a razão por que cada uma das tentativas falharam. Como é que o projecto de comunismo resultou no seu contrário.
Por duas razões. Porque só então teremos alguma pista para percebermos se o PCP sabe por que foi e só então estará em condições de não cometer os mesmos erros.Porque pode muito bem acontecer que o comunismo “nunca tenha acontecido” por ser impossível, teórica e praticamente, que venha a acontecer.

 

Odete Santos - 1

Saiu da cena Parlamentar Odete Santos, com a manifestação de um profundo respeito por parte de todas as bancadas. É bom que, para lá das divergências ideológicas, as pessoas saibam reconhecer aquilo que em Odete Santos tem sido um profundo investimento da sua vida naquilo que ela considera ser o serviço a todos nós. Nunca é demais o respeito a quem nos dá o melhor de si mesmo.

 

Estúpidos

São estúpidos todos os sete membros da Câmara, porque votaram favoravelmente a Carta Educativa de Abrantes.
São estúpidos todos os elementos da equipa técnica, do (estúpido?) Instituto Superior Técnico, que elaboraram e assinaram o documento-proposta da Carta Educativa.
São estúpidos todos os elementos do Conselho Local de Educação, que votaram favoravelmente a carta Educativa.Não sou eu que digo. É o Primeira Linha / 100 Papas. Onde, pelos vistos, se encontra a inteligência.

 

Carta Educativa de Abrantes

Anda por aí alguma indignação com o facto de a proposta de Carta Educativa de Abrantes ter gerado reclamações e movimentações de protesto.
Uma tal indignação parece desconhecer que é natural e é bom que tal aconteça. Parte do princípio de que a Carta deveria ser do agrado de todos (como?) ou que todos deviam estar calados e submissos perante a Carta?
Numa sociedade democrática e que aceita a participação na definição de políticas de acção – e a Carta Educativa é um documento de política – os documentos devem ser objecto de análise, de tomadas de posição, de manifestação de interesses específicos, etc.
A proposta deve ser bem feita, mas uma proposta bem feita nunca agrada a todos. As pessoas têm direito , e dever, de manifestar-se. E se isso acontecer, é normal.
O problema é outro. Como se portam, nessa discussão, as várias partes?
O poder ouve essas intervenções, leva-as em linha de conta, facilita ou dificulta a manifestação das várias partes? E as partes fazem jogo limpo ou sujo? E todas as partes fazem parte ou têm direito a entrar nesse espaço de concertação?Salazar continua vivo, por aí. Não foi por acaso que nos ganhou a palma de ouro.

 

Ridículos

No programa de Humor que os estudantes da ESTA levaram recentemente a efeito, havia uma comentadora que dizia sempre o mesmo: “não posso dizer mal deles porque são meus amigos”. Era a personificação do ridículo.
Creio, sinceramente, que é do mesmo tipo, embora inverso (?), o ridículo daqueles que estão sempre contra. Que só dizem mal, que estão sempre prontos a lançar uma pedra, que fazem da lança do lacrau o seu instrumento principal. Muitos destes só vêem qualidade e virtude nos seus. Não é a figura ridicularizada naquele espectáculo?

 

Portugal

«E porque se há-de levantar [Portugal] com um primeiro-ministro que se licencia da forma vergonhosa que vemos?»
Há uma coisa com que eu concordo. Portugal nunca se levantará enquanto pensar que a sua salvação depende de um qualquer primeiro ministro. Foi por essa razão que votou Salazar. Porque não está preparado, nem quer, salvar-se a si próprio.
Seja-me permitido transcrever José Mattoso (Expresso, 6 Abril):«Durante a nossa história encontrámos sempre modelos positivos. Tivemos orgulho do nosso passado. Hoje não nos identificamos com os nossos chefes. Temos vergonha do presente...». E J.Mattoso também diz que é isso mesmo que levou à escolha de Salazar.

18 April 2007

 

Desformatar?

Quantas vezes é que me pedem, isto é, quantas vezes ouvimos dizer que é necessário desformatar, mudar, as cabeças dos nossos alunos?
Eu nunca sei o que isso quer dizer.
Por um lado, sei bem que se os meus alunos saírem como entraram, isto é, se não saírem transformados – e digo-lhes isso mesmo – então é sinal que não fizemos nada.
Por outro, sei bem que não tenho o direito de formatá-los à minha medida. Quem sou eu? Sim, quem sou eu para moldar os meus alunos à minha imagem e semelhança, isto é, pô-los a pensar como eu?
O que eu procuro fazer-lhes, é activar-lhes o pensamento, provocá-los a pensarem certos temas, confrontá-los com a lógica do que pensam, obrigá-los a defrontarem-se com aquilo que alguns grandes autores pensaram…
Amos Oz, em Contra o fanatismo, publicado pelo Público nesta semana, escreve:
«A essência do fanatismo reside no desejo de obrigar os outros a mudar.» E eu acrescento, “a mudar para se tornarem semelhantes” ao que exige essa mudança.
Eu não acredito num mundo, nem quero um mundo em que todos pensam ou são como eu acho que devem ser. Eu prefiro, de longe, um mundo de diversidade.
Por isso eu quero que os meus alunos sejam, antes de mais, fiéis a si mesmos. E não lhes peço, sequer, fidelidade a mim.
Quando me parece que um aluno meu se anda a perder-se, apenas lhe pergunto: «Estás a cuidar bem de ti? Estás a cuidar bem dos teus interesses? Estás a ir na direcção daquilo que realmente queres?» Ou algo semelhante.
Não posso, nem devo, numa escola pública, converter um aluno sequer a um partido ou a uma religião. Porque devo, convertê-lo a um certo modo de pensar? O meu, claro.
Mesmo que fosse professor numa escola confessional, não creio que fosse boa estratégia de educação forçar a uma conversão a essa confissão. Também aí, a melhor forma seria a de deixar a pessoa chegar lá pelo seu próprio pé. O que, é claro, levanta problemas terríveis, sobre o que realmente fazemos com os nossos alunos.
No fundo, sempre influenciamos o modo de pensar dos nossos alunos. Mas não vejo nisso qualquer motivo de preocupação, a não ser quanto ao cuidado que devo ter. Por exemplo, isso leva-me a ser muito cauteloso quanto a revelar a minha posição na aula sobre o que eu penso quanto a este ou àquele problema. Os meus alunos não gostam, querem que eu diga. Mas eu raramente digo. Porque: eles têm de pensar por si mesmos, não devem cair na tentação quer de pensar como o professor quer de pensar contra o professor.
Mas há aspectos em que eu não tenho medo de afirmar as minhas convicções mais profundas. Aqueles em que eu tenho a certeza de estarmos perante valores constituintes da nossa ordem social e política: o valor inalienável do outro, a democracia como forma de resolver diferendos, etc.
Mas em valores que são sectoriais, quem sou eu mais que qualquer outro?

P.S. – Já não falo no insulto e na violação da dignidade da pessoa do aluno que é humilhá-lo publicamente por ele pensar assim ou de outro modo, como por vezes acontece.

 

A Sociologia e a Escola

Aceito com a maior facilidade que a Sociologia não é tudo. Aliás, eu esforço-me por ensinar e fundamentar, aos meus alunos, o carácter imprescindível da interdisciplinaridade. É claro, os factos não são absolutos, são construções, tal como as proposições científicas. Mas isso não pode servir para fugirmos com o rabo à seringa. Tal como a não existência da objectividade absoluta não pode servir ao jornalista para dispensar o cuidado e o rigor indispensáveis a um bom jornalismo.
A questão, pois, é muito simples: estamos ou não disponíveis para enfrentarmos as nossas responsabilidades perante o facto de a escola ser socialmente penalizante de um certo tipo de alunos?
E quando digo “responsabilidade” refiro-me ao verbo responder. Que posso eu responder perante os alunos que se esforçam e não conseguem – nem vão conseguir – satisfazer as exigências da escola?
Este é o grande problema. E é aqui que nos dividimos. Uns respondem: se te esforçares, vais conseguir. (Mas é manifestamente mentira.) Outros dizem: que podemos fazer para que também eles possam ter sucesso?
Não tenho dúvidas: a primeira resposta é fácil; a segunda é perigosa, difícil, terrível.

11 April 2007

 

Para baixo

Na sequência da referida sentença do Supremo Tribunal de Justiça, um leitor comenta célere: agora, todos os que viram os seus nomes divulgados como devedores ao fisco ou foram publicitados pelos tribunais como faltosos podem pedir indemnizações ao Estado.
É isto o que eu chamo de «oportunidade de puxar para baixo». Dizemos que queremos um país ó p'ra cima e aproveitamos todas as oportunidades para o empurrar para baixo.Como há-de ele levantar-se?

 

A (des)propósito

A propósito de hoje, de Portugal e do Público. O Público de hoje conta-nos também que foi condenado pelo Supremo Tribunal por ter publicado uma notícia que o próprio tribunal reconhece como verdadeira. Mas que, apesar de verdadeira, atentava contra o «bom nome» e «interesses» da entidade visada, diz o Supremo.
Alguém que me explique isto, por favor, porque tenho a sensação de que...

 

Portugal

Não existe um Portugal, mas dois.
Um deles, é constituído por pessoas com prestações de elevada qualidade e com empresas de nível elevado e com serviços públicos com uma performance invejável. *
O outro é feito por pessoas do mais ou menos e não te rales, por empresas que lá se vão aguentando, por serviços que só não envergonham que não tem vergonha.
Estes dois países coincidem no mapa do mundo, mas estão a muitos anos de distância um do outro.
O primeiro Portugal tem futuro, independentemente do que vier a acontecer, futuro aqui ou noutro lugar qualquer. O segundo só o terá parasitando o primeiro.
Cada um de nós não está fora.

* O Público de hoje conta-nos que o «Laboratório antidoping português é um dos melhores do mundo». É só um caso, de hoje (11 Abril).

 

Timor

Luís Delgado escrevia há dias no Diário de Notícias (9 Abril):
«Os timorenses não mereciam isto. Tanta dor, luta e sofrimento para quê, afinal? Como é que um país tão pequeno, com tão pouca população, e com tantas capacidades e recursos, não consegue avançar com tranquilidade e bom senso?»
A resposta é simples: pela mesma razão que Portugal, «um país tão pequeno, com tão pouca população, e com tantas capacidades e recursos, não consegue avançar com tranquilidade e bom senso».

 

Um caso, mais

O Hugo* é um aluno que "sempre deu problemas". Na escola do primeiro ciclo e, agora, na do segundo ciclo. Como deu problemas, foi castigado com a pena de mudança de escola. A DREL (se não me engano) destinou-lhe a escola de destino. Vai para longe, para um concelho vizinho. Profetizo: criar os mesmos problemas que tem criado até aqui. Veremos se não sou bom profeta. Como vai para longe, a autarquia, a nossa, já foi chamada a pagar um taxi para ele poder ir para a escola. E "nós" vamos pagar apenas para... resolver qual problema?
Há dias, uma abrantina contava-me. Estive na Suíça. Quando o meu filho entrou para a escola, começou a fazer os 5 ao contrário [em espelho]. Puseram-no logo em dois especialistas para resolverem o problema.
O Hugo tem sido acompanhado por que especialistas? Qual é o diagnóstico que lhe foi feito? Que soluções para que problemas (e não sintomas) foram adoptadas? A DREL, que vem acompanhando o problema tem, só pode!, resposta para estas questões.
Mas, mais uma vez atrevo-me a profetizar, não tem. Porque, se tivesse, não seria esta a solução adoptada.E se o Hugo, em vez de réu condenado, fosse uma vítima de uma doença de que não pode ser responsabilizado?

* nome suposto

 

Via de solução

Devíamos ser capazes de pegar pelos colarinhos à escola e perguntar-lhe porque massacra deste modo continuado e público os filhos das famílias mais desprotegidas?
Devíamos ser capazes de olhar a escola de frente e desafiá-la a sustentar publicamente o que lhe permite torturar (a tortura não é apenas física) os filhos das famílias com menos possibilidades.
Devíamos ser capazes, devíamos poder... mas não podemos. Porque até aqueles que dizem defender os mais desprotegidos se colocam do lado da escola e querem que as coisas fiquem como estão. Por isso, não há ninguém que esteja do lado dos, à letra, "humilhados e ofendidos", sem que o saibam, contudo, porque interiorizaram o discurso que os culpabiliza.
Por isso, que fique claro, estou do lado da ministra da educação quando ela quer que a escola mude o necessário para que os números do abandono escolar e do insucesso real da escola diminuam. Embora, infelizmente para todos, alunos e professores e pais, o caminho que decidiu trilhar não vá, creio eu, dar ao objectivo que definiu.Mas que é preciso que a escola mude, e muito, a começar por aquilo que diz saber sobre si própria... disso não tenho a menor dúvida.

 

A questão

Pedro Oliveira é um homem de coragem. Convenhamos que é preciso ousadia para, de uma penada, se dar ao luxo de, publicamente, reduzir a nada uma das disciplinas matemáticas mais credenciadas, a Estatística. E de sustentar que é sobre essas cinzas que sustenta a sua tese, que eu digo apenas ideológica, de que os resultados escolares dependem apenas, ou sobretudo, mesmo decisivamente, do esforço ou empenho que os alunos põem na sua aprendizagem.
Esquece, porém, que esta afirmação não se sustenta apenas nas cinzas da Estatística, mas igualmente da Sociologia, da Física, da Neurologia, da Psicologia, etc.
Convenhamos que uma tal tese só consegue sustentar-se sobre as cinzas de uma grande parte do saber do Se. XX. A mim, custa-me ver fazer isto sem pestanejar, mas...
Só que... reduzir a Estatística à «ciência que, tendo uma criança comido duas bananas e outra comido uma, prova que cada uma delas comeu uma banana». Esta é a formulação que eu uso com os meus alunos para lhes mostrar o que é uma má estatística. Ou seja, isto é falar de uma Estatística que apenas conhece a média, portanto que desconhece a moda (que aqui não é fashion), o desvio, os intervalos. Ou seja, isto é reduzir a Estatística a nada. E, de facto, a escola só pode manter-se com o seu discurso reduzindo a nada as várias ciências que vêm mostrando que o rei vai nu. Mas o rei nunca saberá vê-lo.
Por isso é que as escolas, sobre o seu postulado de que o esforço é que produz os resultados, vai dizendo aos alunos com menos bons resultados «se te esforçares, vais ter boas notas». Mas a escola que diz isto a um aluno é a mesma que, tendo-se ele esforçado, lhe vai dar uma negativa contra o que profetizou. Afinal, se promete uma positiva se o aluno estudar, não devia dar-lhe se ele de facto estudar?
Para se inocentar, olha para o lado e assobia, para não ver... aquilo que sabe que está à vista. Todos o sabem, menos os cegos que não querem ver: os resultados escolares não dependem do esforço dos alunos. Dependem de outras coisas. Embora, é claro, não dispensem esse esforço. Em Lógica diz-se desse esforço: é uma condição necessária mas não suficiente. O pior é que nem sequer é sempre necessária.
A escola sabe isto, mas continua a funcionar como se não soubesse e a proclamar, contra a própria evidência escolar, que a verdade é outra.Que havemos de fazer?

06 April 2007

 

A nossa escola, de novo

O comentário de Pedro Oliveira ao meu anterior texto deve ser levado a sério. Por que não é apenas um texto; é toda uma família de discursos.
Há nele duas componentes fundamentais: uma científica e outra ideológica.

A componente científica diz, em síntese, que a Estatística é uma fraude, que não vale nada. “Eu, filho de pessoas de baixa escolaridade, tirei um curso superior.” E supõe-se, embora não o diga, que fica desmentida a Estatística. Apenas diz, é claro, «só posso falar por mim», mas quer dizer/significar mais do que diz.
Faz-me lembrar a tese dos alentejanos que demonstraram que o tabaco não provoca o cancro. Havia dois irmão gémeos, um, que fumava, mas que morreu aos 90 anos, e outro, que morreu à nascença e nunca fumou. Logo, o tabaco não provoca o cancro.
Mas o discurso de Pedro Oliveira, pelo simples facto de ser dito, não desdiz apenas a Estatística. Ele nega também a Sociologia, e a Antropologia, a Teoria geral dos Sistemas e Física dos Fractais, a Psicologia e a Neurologia, entre outras ciências do Sec. XX. Ou seja, aquelas afirmações só podem ser produzidas se se desfizer grande parte das ciências, exactas e sociais, do Sec. XX. O que quer dizer alguma coisa, não?

A componente ideológia, que não é estranha à primeira parte, está sobretudo presente em duas afirmações:
1) «Nós somos aquilo que construímos», e
2) «Derrotismos à partida nada resolvem».
A primeira é falsa, porque não tem nenhum suporte na realidade, a não ser aquele que lhe é dado pelo senso comum, que vale o que muitos já demonstraram que vale.
A segunda é bem intencionada, sem dúvida, mas o «não derrotismo» nunca esconderá que uma acção feita sobre um falso conhecimento só pode levar a resultados catastróficos. Recusar-se (e não falo aqui de intenções, que desconheço, mas de factos) a enfrentar os factos é, de certeza, avançar por uma acção que poderá fazer mais vítimas que salvamentos. Aliás, é isso que vemos quase todos os dias. Com as melhores intenções, talvez, porque não?, os resultados são catastróficos. E quem os sofre?

P.S. 1 – O meu pai tinha a quarta classe, a minha mão só tinha a terceira, feita em dois anos; dos meus quatro avós, três eram analfabetos. Eu tenho um mestrado. Mas a Estatística sabe disso.

03 April 2007

 

A nossa escola

Para quem considerou abusiva a minha afirmação de que a nossa escola está feita para o êxito dos filhos de famílias com forte património escolar, ricas, etc., deixo notícias vindas a lume no Diário de Notícias de 2 de Abril.
«Filhos de licenciados têm dez vezes mais oportunidades: Estudo do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior revela que os antecedentes económicos e culturais são decisivos no acesso à Universidade. Em Medicina, por exemplo, sete em cada dez alunos têm pais com estudos superiores» na capa
«Um estudante oriundo de uma família com um nível cultural elevado tem dez vezes mais oportunidades de chegar ao ensino superior do que os que não têm essa mais-valia.» pg 20
«”São dados que nos deixam a pensar se, de facto, a nossa sociedade está tão democratizada como julgamos”, diz Diana Amado Tavares, do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior…»
Nada disto é novo. Infelizmente. Trata-se, apenas, de mais uma confirmação dos dados que sempre dizem o mesmo, seja qual for a porta de observação.

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