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30 June 2006

 

José Horta

Entrei no Edifício Carneiro, onde é a Escola de Música do Orfeão de Abrantes, e li:
Estágio de Guitarra, com José Horta, 14-16 de Julho.
Entrei e ouvi uma viola a ser dedilhada com mestria e uma voz, a do José Horta. Talvez os dedos e a voz não fossem do José Horta. Tanto melhor. Para o caso, tanto melhor.
Porque eu quero trazer aqui o trabalho continuado, a dedicação e a competência técnica que o José Horta tem investido em Abrantes e naquela Escola de Música, ou seja, no ensino dos nossos jovens e menos jovens. Que muito têm aprendido com ele.
Além de professor, José Horta é também compositor e executante. Várias vezes, poucas, tivemos já oportunidade de ouvi-lo em público. Mas sempre com agrado manifesto.
Trata-se, no caso do José Horta, de um valor confirmado, que aceitou ficar por cá e que aqui tem investido o melhor de si mesmo. Apesar das poucas condições e do muito pouco reconhecimento, comparado com o que merece.

 

Hospital de Abrantes

Não pude estar no debate sobre o Futuro do Hospital de Abrantes. Mas perguntei a quem esteve. Eis algumas informações que me deram:
«Aquilo mostrou o saco de gatos em que está transformado o Hospital de Abrantes.»
«Não é dali que podemos esperar que cuidem da nossa saúde.»
«Foi a plateia mais mal comportada que vi. Aquilo mostra o que dali podemos esperar.»
«Viu-se que o Hospital continua a não ter uma estratégia.»
«Podem estar descansados os hospitais de Tomar e Torres Novas. Nós é que não.»
Eu não estive lá. Não posso confirmar nem desmentir estas radiografias. Mas fiquei preocupado. Ou melhor, continuei preocupado.

P.S. – Também me disseram que, numa sessão tão difícil, o arq. António Castel-Branco esteve muito bem. Parabéns.

 

A Matemática

Este ano estive na vigilância dos exames de Matemática do 9º ano e do 12º (Programa Novo). E creio ter aprendido alguma coisa sobre os maus resultados a Matemática.
No 9º ano, cujo conteúdo sabia acompanhar, notei que o principal problema dos alunos terá sido de atenção ou concentração. Os erros que pude ver não eram de que não sabia, mas de quem não tinha prestado atenção. Atenção cuidada, precisão na identificação do problema, rigor na determinação do que era pedido e da informação fornecida. A falta disso levou a respostas erradas, não porque não se soubesse Matemática, não porque não se fosse capaz de responder às questões, mas porque não se era capaz de investir no exercício a concentração e o cuidado necessários. E esse é um problema muito comum, que vai muito para lá da Matemática. Mas alguém tem ouvido falar dele?
No 12º ano, nem dava para eu perceber do que se tratava. Mas deu para ver que, na minha sala, todos os alunos trabalharam no teste até ao último minuto. Se soubermos que há alunos mais rápidos e outros mais lentos, concluímos que o teste não era para todos, não estava ao alcance de todos. No final, os alunos diziam isso mesmo, que “era muito grande”. Um deles dizia-me: «Houve três que já não deu para fazer».
Há anos, um professor de Matemática dizia-me: «Um teste, para ser bem feito, Ter de ser resolvido por um professor em um terço do tempo que os alunos têm para resolvê-lo. Ora eu demorei quase as duas horas.» Para concluir o óbvio: «Este teste não estava ao nível dos alunos.»
Sim, há problemas no ensino da matemática. Mas alguns desses problemas estão nos testes que são feitos para avaliar os alunos. Não são apenas de avaliação, mas muito de massacre.
Já no 9º ano, alguns dos problemas vêm da incapacidade dos nossos alunos para uma atenção concentrada.
A concluir. Não nos esqueçamos que um problema como o do insucesso na Matemática é altamente complexo, feito de muitos outros problemas. E que cada um destes tem uma solução específica.

 

O sucesso - 2

Portugal ganhou à Holanda, num jogo sofrido, mas ganho com técnica, persistência, esforço continuado, capacidade de luta, resistência...
Torna-se, por isso, indigna – mas emblemática – a imagem daquela mulher, no Marquês de Pombal, agradecida e eufórica, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima na mão: «Ela tem-me dado tudo o que eu lhe tenho pedido».
É isso. Não acreditamos que as coisas resultam daquilo que fazemos, não pensamos as coisas como resultados ou efeitos do que são as nossas acções.
O que acontece nunca é feito por nós, nunca é da nossa responsabilidade: vem da Sorte (com maiúscula), de Deus, da Virgem, dos Santos... mas nunca do que nós fizemos.
Como havemos de investir a sério, que o que é sério não depende de nós? Assim percebe-se melhor.

 

O sucesso - 1

Se Portugal pode vencer a Holanda e passar ao nível seguinte, num campeonato de todo, então podemos jogar todos os níveis de todos os campeonatos, não? Basta que joguemos como jogou a selecção.
Mas a verdade é que os portugueses - ouvimo-los de modo bem claro – exigem à selecção aquilo que não dão no seu dia-a-dia. E se a Selecção fosse tomada como exemplo?

 

"Olhares" - 6

Pelo que vi, o trabalho é bom, os frutos são saborosos e a árvore, digo, o espaço Idança vai crescer. Ainda bem. Assim deve ser.
Mas é necessário não esquecer que só crescerá saudável com uma boa administração. Um dos problemas do trabalho cultural na província é a fragilidade da administração, o não se colocar no trabalho de administração pelo menos o mesmo rigor que se coloca no trabalho especificamente cultural. E as coisas chegam a um ponto em que se rompem.

 

"Olhares" - 5

Descalças. De pé descalço, sobre o palco frio. “Coitadinhas”, “pobrezinhas”, seria a exclamação esperada. Mas não.
Os pés descalços, uma necessidade da dança, vêm restaurar a força das crianças e das jovens. Hoje, de um modo pouco inteligente, as crianças são sobreprotegidas. Não querem que apanhem pó ou frio, lama ou calor. Não podem fazer um esforço maior nem correr um risco mesmo medido. Tomadas como incapazes, são incapazes. E não ganham as resistências necessárias, que só se conseguem no enfrentar das dificuldades.
Até nisso...

 

"Olhares" - 4

E os homens? Onde andam os homens, que perdem estas oportunidades de crescer.
E o pior é que não vejo ninguém preocupado com esta discriminação negativa com base no sexo. Só ficamos, todos, mais pobres com isso.
Não é verdade que a dança seja para meninas.
Por isso, parabéns aos dois ou três rapazes que me parece ter visto a dançar.

 

"Olhares" - 3

Só quem nunca pisou um palco com uma plateia de gente à frente é que pode não suspeitar do peso que é enfrentar como solista, ou sobretudo sozinho, uma sala cheia.
É um risco, um perigo, uma responsabilidade. Um peso enorme. Por isso, ser capaz de estar ali, sujeito a falhar, sujeito a fazer falhar um trabalho colectivo, é um peso enorme.
Uma criança, mas sobretudo uma jovem, que enfrenta assim uma casa cheia e vence o perigo, e suporta o peso, e ganha o desafio, está a formar-se como mulher mais: mais forte, mais capaz, mais segura, mais madura. Mais mulher.

 

"Olhares" - 2

É da maior importância que bem mais de meia centena de crianças e jovens pratiquem dança. Não porque ou para que venham a ser dançarinas. Não porque dá estatuto e fica bem. Não porque está na moda, ou ainda não está na moda e quem vai à frente ganha a dobrar. Também por isso, é claro, mas sobretudo por outras razões.
Porque é uma forma sublime de tomar consciência do corpo e viver o corpo por dentro. E de viver com o corpo a música, e de dar ao corpo ritmo e elasticidade. E de se afirmar como corpo, que é, e dança, e vive consciente de si. E a nossa cultura, ocidental, é taõ pouco consciente do corpo, a não ser para o negar, reprimir, castigar. Revalorizar o corpo é um dos trabalhos que é preciso continuar.
Porque para dançar assim é preciso autodomínio, concentração, auto-confiança e energia positiva, disciplina e espírito de grupo. Dançar assim é saber que tudo depende de si, ao mesmo tempo que tudo depende de todos e do conjunto que todos formamos. E isso é essencial aprender, e não há onde se aprenda.
Porque dança e música são arte, e tudo é tão pobre entre nós em termos de educação artística. A arte é uma das primeiras manifestações do humano, mas entre nós não merece o respeito, o culto e o empenho que deveria receber. A arte faz o homem, mas nós esquecemos isso. E por isso somos menos.

 

"Olhares" - 1

“Olhares” foi o espectáculo de fim de um ano de trabalho do espaço Idança, escola de dança contemporânea de Abrantes. Foi no cine-teatro de S. Pedro, Sábado, dia 24 de Junho.
Devia ter começado atrasado, como é costume, mas começou a horas.
Devia ter sido desorganizado e caseiro, à boa maneira portuguesa e abrantina, mas foi capaz de ser limpo, rigoroso e cuidado.
Devia ter sido “chato e comprido como o peixe espada”, mas manteve o interesse durante todo o tempo e acabou em boa hora.
Devia ter sido “bom porque eram os nossos filhos e as nossas crianças”, mas foi bom porque foi bom mesmo.
Está de parabéns a Rita Pinheiro, professora e coreógrafa do grupo, e também dançarina, e estão de parabéns as crianças e as jovens que deram corpo ao espectáculo. E estamos de parabéns todos nós, porque se trata de um “serviço” que, sem dúvida, traz efeitos positivos à nossa comunidade local.

21 June 2006

 

Bemposta

Também já existe um site da Bemposta:
Em www.bempostainforma.no.sapo.pt

 

Mouriscas

Mouriscas - Terra Grande, Terra Nossa é o nome duma nova página na Internet:
Em http://motg.no.sapo.pt

19 June 2006

 

Elíseo de Moura

Cheguei a Abrantes e soube que tinha sido assassinado numa agressão com automóvel.
Quaisquer que tenham sido as circunstâncias, e são sempre complexas as circunstâncias de um caso como este, não podem não sê-lo, há uma coisa que temos de assumir: a condenação firme de um gesto assassino. Um acto propositado de matar alguém, ainda por cima de matá-lo violentamente, não pode ter a nossa tolerância ou complacência. Ao Estado reservamos a coacção violenta sobre as pessoas. Mas nem mesmo ao Estado devemos permitir que tire a vida a uma pessoa.
Sobre Elíseo de Moura, há que reconhecer o muito que deu à sua freguesia, a de S. João. Era um homem atento, cuidadoso, dedicado à sua maneira às coisas que são de nós todos. Isso lhe devemos nesta hora última.

 

O Tejo, ainda

Há dias, uma empresa qualquer fez-me um inquérito para a Nersant. O tema era o Vale do Tejo.
Parece que Santarém está a despertar. Talvez comece a perceber que Ribatejo é um conceito não vendável fora de Portugal, enquanto Vale do Tejo tem imediatamente significado, até sem se saber onde fica e o que realmente é.
O Tejo e o Vale do Tejo seriam realidade evidentes em qualquer país desenvolvido. Em Portugal parecem ser realidades ainda a descobrir. Paciência? Melhor: trabalho, acção.

 

O Tejo

O lado do triângulo que une Abrantes com Castelo Branco tem uma extensão natural pelo Tejo acima até Espanha. Ninguém duvida, já desde os Filipes, que o Tejo é uma oportunidade, mas que só se tornará uma realidade se houver investimento consequente. Creio que também já ninguém duvida que esse investimento só tem futuro se ocorrer de modo conjugado entre Portugal e Espanha. E alguns, certamente menos, sabem que existem instrumentos financeiros da União Europeia de carácter transnacional. E Talvez todos nós saibamos que os espanhóis vão à nossa frente em muita coisa, pelo que muito poderemos aprender – e fazer – com eles.
O triângulo que une Abrantes, Castelo Branco e Portalegre é, portanto, também uma oportunidade de internacionalização. Inclui também uma abertura a Badajoz e Cáceres, embora a falta de uma boa ligação por Portalegre dificulte esta relação. Por isso mesmo, a linha do Tejo é uma oportunidade a desenvolver. Deixá-la cair ou alimentá-la sem resultados efectivos é deitar moedas de ouro ao rio, a cainho do mar profundo.

 

Ainda outro triângulo

A implantação de Abrantes no triângulo Abrantes-Tomar-Torres Novas não basta para que Abrantes sustente o seu desenvolvimento. Num tempo de acelerada competição e de crescente necessidade de inovação, ou Abrantes se volta para centros de alta concentração de conhecimento e inovação ou definha.
Por isso, é indispensável a triangulação complementar Abrantes-Lisboa-Coimbra. Só daí nos pode vir aquela força de conhecimento que não temos capacidade para produzir. É certo que neste tempo globalizado Abrantes pode ligar-se directamente com a Califórnia e com o Japão. E é bom que o faça. Mas nada substitui uma relação mais forte e personalizada, geograficamente articulada com Lisboa e Coimbra. São estes centros universitário que devem ser a base estratégica, a partir de relações já constituídas, para um sistema de gestão aberta da economia e da sociedade abrantinas. Mas se não é necessário começar do princípio, muita coisa é necessário fazer para que o que é possível venha a acontecer.
E essa triangulação pode e deve ser feita em articulação com todo o triângulo Abrantes-Tomar-Torres Novas, pois todo ele vive esta mesma carência. E o IPT, tal como a ESTA, são parceiros privilegiados, mas nem de perto únicos, numa estratégia de ligação ao grandes centros de conhecimento e inovação.

 

Outro triângulo

Mas Abrantes está implantada num outro triângulo, com Castelo Branco e Portalegre. Neste território, mais vasto e menos densamente povoado, portanto também com menos potencialidades, Abrantes tem um mais amplo espaço de polarização. A caminho de Castelo Branco, até onde vai a influência de Abrantes? E até Portalegre?
Uma das formas de responder passa pelo escrutínio das médias superfícies comerciais de Abrantes. Elas arrastam para Abrantes gentes que vêm de bem longe.
Neste território de polarização, importa saber quais os serviços que Abrantes presta e quais aqueles que poderia prestar, quais as funções que deseja exercer e, destas, quais estão em disputa com as cidades de Castelo Branco e Portalegre. Porque também estas cidades querem exercer a sua influência polarizadora. E Abrantes, queira ou não, vai exercer aquelas que for capaz de consolidar.
E a questão não é tão fácil como parece. Porque hoje as fronteiras são porosas e muitas dessas funções podem ser exercidas por cidades que estão bem longe. Mas a proximidade geográfica continua a ser uma vantagem, bem como a tradição de relações a vários níveis. Mas a verdade é que as tradições são um palimpsesto: reescrevem-se com uma razoável facilidade. Basta mudarem as condições.
Ora as condições estão a mudar. É necessário, por isso, reescrever as relações entre as várias comunidades.
Veja-se, por exemplo, como Vila de Rei e Mação estão pendentes entre Castelo Branco e o Médio Tejo.
Ora acontece que estas relações não são meramente, nem sobretudo, administrativas. São-no a todos os níveis.
Mas... há uma diferença entre o que resulta de uma teia mais ou menos caótica de relações dependendo de circunstâncias fortuitas... e o que resulta de uma estratégia mais ou menos articulada entre os vários actores sociais...
Bom, mas isso...

 

O Triângulo

Abrantes quase não existe. Pese embora o nosso bairrismo, se olharmos de longe, por exemplo do centro da Europa, Abrantes não tem dimensão, não tem significado, enfim, não existe.
Mas o triângulo Abrantes-Tomar-Torres Novas tem já outra dimensão. Já é o que pode chamar uma cidade média. O triângulo Abrantes-Tomar-Torres Novas existe. E Abrantes no triângulo Abrantes-Tomar-Torres Novas, sim, aí já existe.
As relações de Abrantes com Tomar e Torres Novas são de concorrência e complementaridade. São três cidades (ou melhor, quatro, com o Entroncamento) que se vigiam e concorrem entre si. Um exemplo muito nítido, muito sensível, está nos três hospitais que são um só. Mas outro exemplo está no Instituto Politécnico de Tomar (IPT).
Não é necessário dizer a importância que a Escola Superior de Tecnologia de Abrantes (ESTA) tem para a cidade e o concelho. Imaginemos que ela desaparece de Abrantes. Bom...
Ora acontece que nem o IPT está seguro. O Director da ESTA, Pinto dos Santos, na sua tomada de posse chamou a atenção para o facto de que o IPT é o único Politécnico que em Portugal não está sediado numa capital de distrito e que o distrito de Santarém é o único com dois politécnicos, Santarém e Tomar. Num país em esforço de contenção e com um número de alunos em diminuição, é muito natural que o IPT não esteja seguro. E portanto a ESTA. E Pinto dos Santos explicou que o futuro do IPT depende das relações que ele conseguir consolidar com as empresas da região e que as empresas conseguirem consolidar com o IPT, logo também com a ESTA.
São apenas dois exemplos – Hospital e ESTA – de como Abrantes só existe como parte do triângulo Abrantes-Tomar-Torres Novas. Tal como as outras cidades do mesmo triângulo.
Por tudo isto é necessário, indispensável, sermos capazes de olhar não apenas para dentro de casa, mas para o triângulo no qual habitamos. E é necessário cuidarmos de que o triângulo tenha uma gestão estratégica acertada.
Neste tempo de competição e contenção, se não acertarmos as apostas, perdemo-las. E as nossas apostas só existem no quadro triangular de competição e complementaridade.

 

Rita Pinheiro

Já aqui falei do espaçoidança. Conheci-o quando foi à minha escola, primeiro fazer uma pequena mostra de dança, mais tarde fazer um atelier, de dança, claro. Voltei a encontrar o seu trabalho na animação de S. Lourenço, penso que terá apresentado trabalhos do seu grupo nas Festas da Cidade.
Há tempos encontrei um pequeno material de divulgação do seu trabalho. «Aulas de Dança Contemporânea (Adultos) – terças e quintas – 20h00-21h00». Ou seja, sai de casa, vai à procura.
Dizem-me que tem um trabalho regular com crianças nas escolas. Vê-se que luta pela vida, que fura bolos, que não teme o trabalho.
A Palha de Abrantes deu-lhe enquadramento institucional, que nem sequer tinha. Mas um projecto de dança precisa de muito mais que isso. E os jovens também se cansam.
Não sei o que será necessário ou possível fazer para que ela não se farte de bater com a cabeça na parede. Não sei que devemos fazer para cumprir a nossa obrigação de captar e segurar pessoas com potencial. Sei, de saber seguro, que temos expulsado algumas. Sei que, por vezes, algumas se sentem mal acolhidas. Sei que, por vezes, tratamos as pessoas como se não nos fizessem falta.
Há por aí alguém que pergunte à Rita como é que vai o seu barco?

 

Pessoas com potencial

Mark Deputter não é português nem é deputado. É belga, mas vive em Portugal há 11 anos, e é o director do festival Alkantara. Tem ainda alguns projectos na manga para Lisboa. Sim, Lisboa. Passado pouco tempo após a sua chegada, foi convidado para programar a dança do Centro Cultural de Belém. Ficou. E está a dar cartas.
Vem isto a propósito de... Rita Pinheiro

 

Abrantes de sucesso

Só os mais distraídos é que não vêem que em Abrantes, ou em toda esta zona, se passa algo de idêntico: o panorama não é grande coisa, mas há casos de excepcional qualidade. Também aqui seria importante apontar e dar a ver casos de sucesso, casos em que criam possibilidades de futuro, em que se vai à frente, em que os obstáculos são superados.
Não sou a pessoa indicada para fazê-lo. Mas não posso deixar de assinalar dois casos, apenas dois.
Primeiro, no sector dos vinhos. No Tramagal, José Rodrigues vem mostrando que Abrantes e Tramagal não ficam no fim do mundo, mas são capazes de marcar pontos em Paris e Londres, como às nossas mesas.
Segundo, no sector das sucatas. O senhor João do Olho de Boi, como era conhecido, foi um importante sucateiro. Hoje, mais que isso, é uma empresa renovada, com respostas ao nível das exigências de hoje. Destaco-a aqui pelo seu exemplar processo de renovação e também porque acaba de comprar uma importante empresa no cartaxo.
Repito. Também entre nós é necessário deixar de lado, não o espírito crítico, mas o espírito de lamúria, não a capacidade de distinguir o bom do mau, mas a cegueira de não ver senão tudo mau.
Também em Abrantes há variados casos de sucesso, de que depende o nosso sucesso. Há que reconhecê-los, apoiá-los se possível, copiá-los necessariamente no que tiverem de melhor... Só assim se constrói um tecido económico e social concelhio capaz de ter futuro. E não há futuro sem uma economia saudável.

 

Portugal de sucesso

Cavaco Silva, na sua qualidade de Presidente da República e certamente na sua “magistratura de influência” deixou o palácio e foi em visita às “mentes brilhantes” que são responsáveis por casos de sucesso em Portugal. E faz muito bem. Porque Portugal não está a ser um país de sucesso, mas tem em si muitos casos de sucesso. Ou seja, o país não acompanha ou não está para acompanhar aqueles que vão à frente e ganham.
Deixemos o Roteiro para as Ciências, de Cavaco. Lembremo-nos de algumas verdades conhecidas no nosso mundo empresarial.
As louças de Valadares ainda há dias declaravam: «somos muito competitivos» a nível europeu, «temos a Segunda posição na Península Ibérica» Em 1999 mudou de política: «desistimos completamente do mercado barato, do mercado de gama baixa, estamos no médio e topo de gama».
Nos texteis, que já não são o nosso maior produto, algumas empresas apostaram em produtos de muita qualidade e estão a dar cartas a nível mundial. O mesmo no calçado.
O Público de Domingo titulava: «Vinhos portugueses no pelotão da frente a nível mundial».
São, todos eles, casos do sector tradicional da economia. No campo da economia digital, por exemplo, temos várias empresas que são líderes do seu segmento a nível mundial.
São afirmações de que, se Portugal não vai bem, é, contudo, ir bem em Portugal. Donde, talvez seja o caso de o resto de Portugal espreitar como é que pode fazer melhor, não?
Cavaco Silva pode apontar. Mas a cada um de nós é que compete abrir os olhos e ver.

15 June 2006

 

Pessoas

Há dois tipos de pessoas. As que ajudam a resolver os problemas e as que são especialistas em criá-los. Devemos ter por ambos os tipos a mesma consideração?

 

A segurança

A segurança das festas nas horas mortas foi feita por uma firma da especialidade. As pessoas envolvidas nos recintos ficaram satisfeitas, com a noção de que assim havia «mais segurança».
Se a segurança particular é mais barata e percebida como "mais segurança" pelas pessoas, estamos perante um problema grave. Alguém deve estar preocupado. Estas coisas nunca são estáticas. Neste caso, o problema está a evoluir para onde? E não é boa política esperar que as coisas se tornem insustentáveis.

 

Os comerciantes

Houve dois tipos de comerciantes no centro histórico. Os que fizeram a festa, de vários modos; e os que acharam que as festas deveriam Ter sido feitas no centro histórico de Constância ou Sardoal. E não se pode satisfazê-los?

 

As festas

Correram bem, as festas. Aos 90 anos de cidade e passada uma dúzia de um modelo de festas, assistimos a uma inovação que resultou. É sempre tempo. É sempre possível. É sempre necessário. Cada ponto de chegada é também um ponto de partida.
Neste novo modelo tiveram papel de relevo os parceiros da sociedade civil. E foi essa uma das principais particularidades. Não foram as festas feitas pela Câmara, mas feitas por várias entidades. Pode ser que seja o início de uma nova fase, a de um trabalho em parceria no sector da cultura. Coisa que falta e tarda em Abrantes.

 

Do método

Há muito que percebi que ninguém tem já paciência para ouvir, muito menos para ouvir exposições longas. E os jovens estão "viciados" numa linguagem audiovisual de sedução continuada através de um fluxo sempre renovado de estímulos. Deixei, por isso, há muito, de fazer exposições. As aulas de Filosofia não são para eu falar. São, sobretudo, para os alunos falarem. E para eu os obrigar a ir mais longe.
Começo, normalmente com um problema que os obrigue a procurar uma resposta. Ninguém quer respostas para problemas que não tem. Começo, por isso, pelo problema. E procuro induzir um percurso de resposta. A começar pelas respostas que eles mesmo dão de modo espontâneo. Daí partimos para níveis mais elaborados, normalmente através dos materiais que nos são fornecidos pelo manual. Ou ao contrário. Começo por uma afirmação do manual e digo "não percebo". Compete-lhes, então, explicar-me o que aquilo significa. Em qualquer dos casos, compete-me levantar obstáculos às suas respostas, para obrigá-los a descobrirem novas abordagens. E par exigir-lhes que pensem com mais rigor. Se a Filosofia é aprender a pensar, é sobre o pensar deles que se deve centrar o meu / nosso trabalho. As minhas aulas procuram ser uma oficina de pensamento. Também aqui, "não há caminho, o caminho faz-se caminhando" (ª Machado)
O importante, sempre, é o percurso que os alunos fazem. O importante, no fim, é a diferença entre o ponto de partida e o de chegada. Se não houver diferença, foi nulo o nosso trabalho.
Um outro aspecto tem a ver com os textos. A Filosofia pode ser dita como um género literário. E é pela escrita que os alunos prestam provas, nos testes durante o ano ou no exame final. Não há, penso eu, qualquer alternativa. Trata-se de desenvolver uma prática praticando-a, de treinar para uma prova praticando-a. Não é isso que se faz em todas as actividades? Pratica-se intensamente a prova que se vai disputar. Porque não há-de ser assim na escola? Porque reagem, então, os meus alunos? Talvez porque a escola não funcione assim, mas, nesse caso, com que lógica funciona?
Nisto sou como o José Mourinho. Treinar é fazer aquilo que se vai fazer. Pensar, argumentar, testar argumentos; pensar por escrito, escrever, construir textos.
Os meus alunos todos os anos gostam da discussão e reclamam contra a escrita, mas sempre no final "agradecem" o método e pedem que eu continue a fazer assim com os próximos. E eu dou-lhes razão.

 

Balanço - 12

«Relativamente ao funcionamento das aulas, gostei da forma como elas se processaram. Havia muita interacção e muita troca de ideias entre professor e alunos e mesmo entre os alunos. Na minha opinião, este tipo de aulas são uma mais valia para todos os alunos.
«No entanto, havia algumas aulas de que não gostei. Foram aquelas em que começávamos a ler desde o início e só parávamos quase no fim. Este tipo de aulas, principalmente à sexta-feira, tornava-se muito "massacrante" para os alunos.»

 

Balanço - 11

«Este ano foi uma surpresa em termos da disciplina de Filosofia.
«Com toda a sinceridade, no ano passado a Filosofia desiludiu-me. Talvez devido ao programa (...); talvez devido à não criação de empatia com a professora; ou talvez devido às duas coisas conjugadas. Sei que cheguei ao 11º ano muito relutante quanto à Filosofia e ao desempenho que poderia vir a ter na disciplina.
«Agora que atravessei mais este ano, posso certamente afirmar que, devido a um conjunto de factores, a Filosofia, melhor do que [eu] Ter conseguido atingir níveis que não esperava de modo nenhum atingir, passou a fazer sentido para mim. (...) Agora, sim, sei que, mais do que uma disciplina que se dá na escola, a Filosofia é um ensinamento para a vida e através dela muita coisa de muito útil sobre como viver e enfrentar o longo e difícil caminho da vida nos pode ser ensinado.»

 

Balanço - 10

«Foi-nos ensinada a necessidade de recorrermos ao rigor e ao método de trabalho. Penso que tudo correu bem, apesar de achar que por vezes podíamos não fazer uma leitura tão exaustiva do manual e explorar outras fontes. (...) Também penso que a matéria deste ano incidia demasiado sobre a ciência , apesar de ser indispensável na área em que estamos e no curso para que vamos.»

 

Balanço - 9

«Achei algumas aulas uma seca, principalmente aquelas em que escrevemos textos. Como só consigo escrever quando estou inspirado, não achava muita graça a estas aulas. Mas penso que foi um ano bom, cheio de novos temas e conhecimentos.»

 

Balanço - 8

«Achei algumas matérias [do 11º ano] um pouco cansativas e com pouco interesse. Notei, também, alguma dificuldade da minha parte em adaptar-me ao estilo de correcção do professor.»

 

Balanço - 7

«Sinceramente, detestei a primeira parte da matéria. O que gostei mais foi o senso comum e a ciência. Foi por gostar mais desta matéria que tive melhor nota nos testes.
«Relativamente aos textos que fizemos nas aulas, é verdade que não gostei muito de os fazer. No entanto, entendo que é importante aplicar os conhecimentos e sei que é uma boa forma de "treinar" para os testes.»

 

Balanço - 6

«Apesar da viagem um pouco atribulada, com altos e baixos, posso dizer que tiro um saldo positivo deste ano.
«Senti algum choque devido à mudança de professor, mas um choque positivo. Pois, apesar da maior exigência, tal obrigou-nos a esforçarmo-nos ainda mais e a aprendermos a pensar.»

 

Balanço - 5

«... o professor fez bem o seu trabalho – o de nos encaminhar no rumo da evolução do nosso pensamento, na capacidade de pensarmos por nós próprios. E isto não é "graxa", é a "verdade", ou pelo menos aquilo que eu penso..»

 

Balanço - 4

«Confesso que a maioria do conteúdo do 11º ano de Filosofia não foi o que mais me cativou, mas as aulas com o professor tornaram a matéria um pouco mais "digestível".»

 

Balanço - 3

«Extraordinariamente marcantes! São as palavras que encontro para descrever estes cansativos mas proveitosos dois anos.
«Encontrei no 10º ano uma disciplina completamente desconhecida para mim (Filosofia) e confesso que me encontrava um pouco apreensivo (...) pois os testemunhos dos alunos mais velhos não eram encorajadores. Logo a partir das primeiras aulas estava certo de que esta não iria ser uma disciplina "normal". (...)
[O professor] «conseguiu transformar as aulas de Filosofia , em que "supostamente" se devia aprender o livro, em autênticas lições de e para a vida. A matéria em si, como toda a matéria, era por vezes bastante enfadonha , mas através das suas histórias o professor conseguia cativar os alunos fazendo com que as aulas se transformassem não só em conversas de igual para igual, mas também em autênticos debates em que todosos alunos mostravam a sua opinião.
«Com o que aprendi nestes anos, tenho hoje uma visão do mundo completamente diferente da que tinha anteriormente.»

 

Balanço - 2

«Ao longo dos dois anos de Filosofia, sinceramente, aprendi menos do que era suposto. Mas consegui aprender algumas coisas úteis para a vida.
«Houve muitos assuntos que não percebia (...) esta disciplina é difícil para estudar. As aulas tinham um tempo psicológico longo. Infelizmente, a qualidade do professor não influencia a monotonia da disciplina, mas, mesmo assim, passou-se bem, apesar desta disciplina me descer a média.»

 

Balanço - 1

«Achei este ano de Filosofia muito interessante. (...) Por um lado, a matéria é interessante, relaciona-se com o curso de ciências, com outros cursos e com a vida no dia-a-dia. Por outro lado, tornou-se mais interessante a disciplina de Filosofia porque não passávamos 90 minutos duas vezes por semana a ler olivro e a falar sobre a matéria. Penso que o facto de falarmos de outros assuntos, que estejam minimamente relacionados com a ciência e a vida, sem ser propriamente a matéria, é uma boa maneira de aprender mais coisas e coisas novas.
«Embora, muitas vezes, não gostasse de fazer textos no final das aulas, são, na minha opinião, muito bons para desenvolver as nossas capacidades, a nível de raciocínio, de escrita e de linguagem.»

 

Balanço - 0

Deixo, com algumas correcções gramaticais, alguns fragmentos dos balanços feitos pelos meus alunos de Filosofia ao ano que agora termina. Sobretudo a incidir nos aspectos positivos, porque isso é o mais importante. Não para dar uma "boa imagem do professor" (para isso faria outra selecção), mas porque é pelos lados positivos que vamos "para a frente e para cima". Um ou outro aspecto negativo é apenas para dar contrariar a ideia de paraíso.
Alguns dos textos de avaliação estavam assinados, porque os alunos sabem que podem dizer aquilo que realmente sentem e que a sua avaliação não é objecto de avaliação pelo professor. Outros vinham anónimos, porque esse é um direito que deve ser preservado a quem quiser utilizá-lo.

11 June 2006

 

Mundial

Forte vai a onda e tanto parece mal ficar de fora como parece mal não se colocar de fora da onda. A vida é feita de intervalos e alívios, de festas e de escapes. Mas a vida é feita também dos problemas que não resolveremos se não fizermos o necessário para a solução.
A verdadeira arte seria vivarmos com o Mundial sem descurarmos os problemas. Ou aliviarmo-nos um pouco dos problemas para, depois, voltarmos a eles com uma energia renovada. Será?

 

Gostei / Não gostei

Gostei de ver como a obra que decorria na R. do Montepio retirou os andaimes a tempo das festas da cidade. Já no ano passado, se não erro, o mesmo aconteceu na obra que decorria no largo da câmara.
Não gostei de ver como as ruas da parte alta da cidade se encontram esburacadas, com as pedras da calçada melhor ou pior empilhadas nos passeios, com um ar de cidade desmazelada, que nem para as suas festas lavou a casa.

 

A vontade

Alguns dos acusadores da nova escola tendem a resumir todos os problemas da escola ao facto de que «os alunos não querem». Não querem estudar, não querem aprender, não querem obedecer, não querem fazer esforço...
Já por várias vezes eu fiz uma pergunta que sempre acham de retórica filosófica, mas que eu considero traduzir a raiz do problema.
Como é que posso querer aquilo que não quero?
E até hoje ninguém me deu uma resposta satisfatória.
Mas quero trazer aqui outro pormenor. Por menor, mas de certeza significativo.
Porque será que a vontade desapareceu dos manuais de Psicologia?
"Antigamente", um bom manual de Psicologia tinha um capítulo de umas cem páginas sobre "A Vontade" e nos manuais de hoje a vontade não parece nem no índice geral nem no índice remissivo. Veja-se, por exemplo, no manual que a Gulbenkian editou e está a ser alvo de sucessivas edições.
Perceber a razão desta diferença é perceber alguma coisa dos problemas do mundo de hoje.

 

Ganhar e perder

No último dia de aulas, olhos para os meus alunos e vejo os progressos que fizeram. Recordo como me entraram na sala, alguns há dois anos, e como vão agora à saída. Sei que há coisas que eles hoje entendem ou são capazes de fazer que, há um ano, ou dois, lhes seriam completamente incompreensíveis. Nessa diferença está alguma coisa, nem eu sei o quê, do nosso trabalho conjunto. E fico satisfeito.
Mas há sempre aqueles alunos que eu perdi. Um ou outro já não estão entre nós, deixaram as aulas. Outros são, ali, a presença do nosso insucesso comum. Nalguns casos, tentei "tudo", mas nada resultou. Nalguns, resultou muito pouco. Sei muito bem que não me podem pedir que faça milagres, mas nunca sei se não poderia ter feita outra coisa qualquer que lhes permitisse chegar a esta hora com a alegria no rosto.
Por isso, em cada aluno que tem êxito, eu nunca vejo a garantia do meu sucesso, pois de tanto lado lhe veio a vitória que ele agora canta. Mas em cada aluno que fracassou está patente a minha incapacidade para o ajudar a saltar a barreira que ele não foi capaz de transpor.
Eu sei que este "ser capaz" tem a ver com muitas coisas, a inteligência, a vontade, a saúde, os pré-requisitos necessários, a estrutura e apoio familiares, o equilíbrio emocional, o enquadramento feito pelos colegas, a relação, o seu projecto de vida, as outras actividades que mantém para lá da escola, etc. além do que está dependente de mim como seu professor. Mas eu também sei que o que está dependente de mim é muito mais do que eu posso perceber e é, por vezes, a chave da sua posição perante tudo o mais.
Não, nunca é totalmente um bom dia, o dia da despedida.
Tudo isto, porém, sem dramas. É a natural condição de um professor.

 

A Filosofia

Há ainda outro aspecto que quero aqui trazer, porque o considero de grande importância. Não foi dito pela maioria dos alunos, mas foi-o por um número significativo.
"(Este ano) Descobri que a Filosofia é muito importante para a nossa vida."
Não sou nada adepto da ideia de que o valor da Filosofia, num mundo tão utilitarista, se mede exactamente por não ter utilidade, isto é, por não ser da ordem do útil.
Todo o meu trabalho de professor de Filosofia se pode resumir numa afirmação provocadora que fiz perante o júri que me testou na minha prova de mestrado:
Não há nenhum filósofo cuja obra seja tão importante que mereça que eu a leia, mas os meus problemas e os problemas do mundo são tão importantes que merecem que eu leia as obras dos filósofos e discuta com eles o que eles já disseram sobre esses problemas.
Por isso, nunca ponho os meus alunos a estudarem o que os filósofos disseram, mas a reflectirem sobre os problemas do nosso mundo e da nossa vida, com a ajuda de alguns filósofos.
Por isso, eles diziam no último dia: «Agora vemos as coisas com outros olhos. Vemo-las com os olhos comuns, mas sabemos que podemos sempre vê-las de outros modos.»
E eu senti que a minha missão estava salva.

 

Avaliação

Entretanto, como é de costume, tinham já feito um texto de avaliação do ano (ou dois anos) e tinham, em plenário, posto em comum as suas avaliações. Peço-lhes que comecem pelos aspectos positivos, mas que digam também os negativos: nada é só positivo ou só negativo e a inteligência está em conseguir ver os dois lados.
Gosto de ouvi-los serem capazes de falar com convicção e de dizerem, à frente do professor, alguns aspectos negativos. Alguns ainda pedem desculpa por dizê-los, mas isso é sintoma de que lhes é extraordinário.
Não vou fazer aqui o balanço, mas trago um aspecto que lhes destaquei. Disseram, na sua maioria, que um dos aspectos negativos foi terem de fazer tantos textos, às vezes quando não apetecia nada. Mas, também na maioria, reconheceram que lhes foi muito proveitoso.
No final, pedi-lhe que considerassem aquilo que parecia ser uma conclusão que decorria do que haviam dito.
O que apetece não coincide com o que é importante.
Compete-lhes estarem atentos à distinção.
E eu acrescento:
Compete a mim, como professor, fazer também a distinção entre o que lhes apetece e o que eu sei que é importante na sua formação. É sobretudo aí que está a distinção entre um professor e um aluno.

 

Felicidade

Também lhes disse, como voto final:
Sejam felizes.
Convosco próprios e com os outros.

Porque já é difícil ser feliz consigo mesmo. Mas não há felicidade se não for com os outros. Isto é, com aquele que é diferente de nós: no que pensa, no que faz, no que quer... Quem só aceita ser feliz com a sua imagem no espelho do outro, não vai conseguir ser feliz.
Em síntese, para despedida:
Que à hora do último fechar de olhos, estejam conscientes e em paz convosco próprios e com o vosso percurso biográfico no mundo.
Que mais ou melhor lhes podia desejar?

 

Despedida

Foi o último dia de aulas. É sempre um dia ambíguo: todos o sentimos como uma libertação, mas todos ou quase todos vemos já a mancha negra da ausência que antecipamos. Vamos deixar-nos.
Para despedida, trouxe uma mensagem que, disse eu, pode resumir tudo o que fizemos durante o ano, ou os dois anos. Assim:
Podes escolher o caminho, mas não onde ele vai dar.
Não compete a um professor escolher pelo aluno (no singular). Mas compete-lhe dizer que as escolhas não são sem consequências.
Senti que eles gostaram de ouvir. Mas também sei, e eles tão bem como eu,
que nem sempre é fácil escolher,
que nem sempre é fácil ver as consequências,
que nem sempre é fácil preferir aquilo que se quer àquilo que apetece.
Pois é, mas a vida é isso mesmo. E é tão bom estarmos vivos. Uns com os outros.

 

Disciplina e indisciplina

Por tudo isso, eu posso dizer com verdade: eu não tenho problemas de indisciplina, tenho é os problemas da (in)disciplina. Não é a mesma coisa, embora pareça. E o problema começa, digo eu, quando uma pessoa não quer ter ou pensa que não deve ter os normais e indispensáveis problemas da (in)disciplina. Nesse caso, a indisciplina instala-se com toda a naturalidade.
A disciplina é como a manta de Penélope: é feita de dia, mas desfaz-se à noite. É feita pela mão treinada, mas desfaz-se por si mesma.

 

Disciplina

Quando eu era formador de professores e dirigia acções de formação sobre (in)disciplina na sala de aula, uma das questões essenciais era, logo à partida, "o que é isso de disciplina ou indisciplina". E várias vezes encontrei professores que afirmavam, em tom claramente categórico: «Eu não admito que alguém me venha dizer o que é ou deve ser isso de disciplina.» E não tenho a mínima dúvida de que aqui está uma das mais profundas raízes da indisciplina nas escolas.
Mas eu sempre defendi a minha noção de disciplina, aquela para a qual procurei formar os professores meus colegas. Aquela noção que eu próprio assumo nas minhas aulas. Assim:
Disciplina é a ordem necessária ao exercício de uma função ou actividade.
Não é um absoluto ou transcendente, mas também não é puramente convencional. Não é apenas local, mas tem implicações em vários níveis do todo social. Não diz respeito apenas a uma parte, mas a todas as partes do todo social. E assim sucessivamente.
Continuo a pensar que uma das nossas crises está no modo como pensamos as coisas. As teorias ou modelos que defendemos não são adequadas para produzirem, a curto e a médio prazo, quanto mais a longo, o que desejamos. Por isso produzimos o contrário daquilo que apregoamos. E queixamo-nos.
Mas temos o que merecemos. Porque o que merecemos é o efeito daquilo que fazemos e não algum mérito transcendente, um direito divino, um mérito hereditário e independente da ordem dos factos.

 

Justiça, violência e educação

Filomena Mónica, no mesmo texto, que a edição destaca em caixa, a propósito da violência na escola, afirma:
«Vítimas, ou não, os alunos devem ser julgados pelos seus actos, não pelos seus traumas.»
Podíamos dizer o mesmo sobre os adultos, não?
O problema, no entanto, é bem mais complexo. E diz respeito à própria natureza e funções do aparelho judicial e às responsabilidades da sociedade perante um criminoso.
A palavra "justiça" parece simples, mas não o é. Um julgamento em tribunal parece simples, mas não o é.
A um acto de justiça face a um criminoso pede-se várias coisas, muitas vezes contraditórias:
Que se castigue alguém que infringe uma lei.
Que se repare os prejuízos sofridos.
Que se proteja eventuais ameaçados de possíveis actos futuro.
Que se dê uma oportunidade a um ser humano que "caiu" no crime.
Que se recupere um ser humano vítima de um processo social desqualificante.
Que se defenda e mantenha a ordem pública.
Que se defenda as instituições em vigor.
Que se defenda os direito à diferença, à discordância e à liberdade de acção.
E todas estas funções são ainda mais importantes quando se trata de uma criança ou de um jovem. O complicado de tudo é que ninguém sabe a fronteira correcta entre punição e recuperação, entre castigo e oportunidade, entre defesa da ordem e oportunidade educativa, etc.
A verdade, porém, e nisso Filomena Mónica tem razão, é que não se pode fazer justiça tendo em conta uma função e matando a outra.
Muitas vezes disse aos meus colegas, com grande escândalo destes, sobre indisciplina na sala de aulas: «Felizmente que os nossos alunos são indisciplinados.» E explicava: não estamos aqui para alimentar carneiros, apenas e só capazes de seguir a voz do dono. Mas logo acrescentava, como parte integrante de um mesmo todo: «Mas felizmente também que há professores para defenderem a disciplina necessária.» E aqui fazíamos as pazes.

 

Comparação

Para aferir da "verdade" daqueles que dizem que "antigamente a escola era melhor", recolho a informação que Filomena Mónica nos dá na Pública (11.6.06):
«Nos anos 1950, quando apenas 13 por cento dos jovens permanecia na escola após a 4ª classe, a cultura que então se vivia no então ensino secundário - do actual 5º ao 12º anos - era semelhante à que reinava nas famílias. A "mortalidade escolar" encarregava-se de libertar as escolas dos filhos dos pobres. Tanto os pais como os professores pertenciam à mesma classe. Ao entrarem na escola, os meninos vinham já iniciados nas regras da convivência social (...). Era fácil ser-se pai e docente.»
Em síntese: apenas 13 % dos jovens e de estratos sociais "educados". Os outros eram excluídos. E «era fácil» fazer isto.
Hoje... a realidade das escolas é completamente outra e é completamente outra a função que se pede às escolas que exerçam.
Quando alguns comparam a escola de ontem com a de hoje, estão a comparar o quê?

 

Blogue

Mais um blogue que corre águas de Abrantes:
http://www.blogger.com/services/go.php?url=http%3A%2F%2Fspaces.msn.com%2Fpipimeiasaltas%2F

08 June 2006

 

Palavras, afectos e cidadania

Escrevi já, aqui, sobre a Escola do 1º Ciclo Nº 2, ou Universidade de St. António. Aproveito agora para transcrever parte das palavras da Presidente da Escola e do Agrupamento, Lurdes Batista, na sessão de lançamento do livro "Palavras à Solta". Para que não se percam, para que constem, e para que sintamos uma justa satisfação porque assim se pensa e assim se faz, pelo menos ali.
«No Agrupamento de Escolas de Abrantes Oeste, a escola é entendida como um espaço privilegiado de construção de competências, onde cada um se vai apropriando dos saberes culturais, reorganizando a sua experiência e reinterpretando o mundo, através da diversidade de interacções em contextos autênticos de comunicação.
«Num entendimento mais lato, a escola é também para nós uma instituição que está ao serviço da comunidade, que está ligada ao meio pelas pontes da cooperação.
«Queremos que a nossa escola seja partilha constante de alegria, de compreensão, de amor e de trabalho.
«E porque entendemos a escola desta forma, a nossa intencionalidade formativa afirma-se em dois vectores:
- a preocupação constante de que a nossa escola esteja inserida na comunidade e nos seus valores culturais;
a importância que atribuímos às relações interpessoais, à educação para a cidadania, transmitindo aos nossos alunos a mensagem de que mais importante que ter é SER.
«Para alcançarmos esta nossa intencionalidade formativa, construímos um Projecto Educativo, cujas linhas orientadoras são, entre outras,
a Cidadania
a Competência línguística.
«Para a concretização do Projecto Educativo, lançámos desafios, que pretendemos serem repletos de inovação criadora, a toda a comunidade educativa. Um desses exemplos é o projecto "Palavras à Solta"...»
[segue-se a narrativa do percurso do projecto, a partir dos seus antecedentes]
«Mas não posso deixar de dizer que este projecto tem outra componente igualmente importante: os afectos.
«E falo em afectos, no contexto deste eprojecto, porque tudo o que diz respeito à criatividade está intrinsecamente ligado à afectividade. Fomos verificando que em situações diversas e por causas igualmente diversas, os intervenientes (e aqui refiro-me a alunos, professores, escritores, artistas) se envolveram afectivamente e emocionaram com o trabalho realizado.
«Neste momento sinto imenso orgulho por ser presidente do executivo de um agrupamento de escolas de Abrantes porque está inserido numa comunidade detentora de uma riqueza cultural valiosíssima e porque é frequentado por um grupo de alunos excelentes que são orientados e educados por um grupo de professores verdadeiramente espetaculares. Sem o seu esforço e empenho, este trabalho não teria sido possível.» Etc.
Lurdes Batista, Presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas de Abrantes Oeste

 

Avaliação - 4

Porque caíu o Muro de Berlim?
Porque houve o "escândalo das viagens" dos deputados portugueses?
Porque rebentou o escândalo da pedofilia na Igreja Católica dos E.U.A.?
Porque se vê agora as águas podres em que funciona o sistema judicial português?
Porque só agora começam a aparecer, de forma significativa, casos de negligência médica nos hospitais?
As respostas têm um denominador comum: o funcionamento social gera entropia e esta só pode ser corrigida a partir de fora.
Quando, há anos, eu era professor de Filosofia no 12º ano e os exames de Filosofia foram substituídos por um exame de "cultura geral", os alunos deixaram de estudar Filosofia e passaram a estudar o jornal Expresso. E fizeram-se, então, bons debates, que vieram substituir as boas aulas de Filosofia, entretanto entregues a uma entropia galopante.
Quando, mais tarde, foram introduzidos os exames, seja como prova global ou como exame nacional, eu vi a aflição de muitos professores, sob a ameaça de um julgamento externo àquilo que eles vinham fazendo. E não era só porque se há diferença nas aulas havendo ou não havendo exames.
Pessoalmente, sei que não é possível um sistema social funcionar de modo eficaz sem um componente forte de avaliação. Por isso tenho escrito sobre isso e por isso não podem contar comigo para reivundicar uma posição suicida. E por isso, também, há mais de 30 anos que peço aos meus alunos que avaliem por escrito, sob anonimato, e depois em voz alta, que avaliem aquilo que foi o nosso trabalho comum. E reconheço que essa tem sido uma das principais fontes de correcção do meu percurso como professor.
Quando eu comecei, eu era - evidentemente - um bom professor. Foram eles, os meus alunos, que me retiraram a evidência e foram dando pistas do que precisava e precisa ser melhorado. Não só eles, é claro, mas também eles.

 

Avaliação - 2

A avaliação é hoje uma prática generalizada, em quase todos os domínios da actividade social. Os professores do secundário não poderão querer ser levados a sério se quiserem ser isentos de um processo de avaliação. Há anos que escrevo sobre isso.
Sei, embora sem rigor estatístico, que muitos professores também pensam que deve haver avaliação. Restam duas questões:
- Qual são as posições assumidas da "classe profissional" nesta matéria, para que sejam tidas em consideração pela opinião pública?
- Para lá das posições de Fulano e Sicrano, quais são as propostas da "classe" para que a avaliação seja feita?
Para lá do muito ruído, é muito isto que está em questão. E o ruído é isso mesmo, ruído.

 

Avaliação - 1

Hoje foi a minha última aula deste ano na ESTA. A meio, entrou a secretária do departamento. Explicou ao que vunha: aplicar a ficha de avaliação dos alunos aos docentes. Distribuiu uma a cada um, e eles preencheram. Recolheu os papeis e saíu. Sem mais. Nas outras aulas, a operação repete-se durante a semana.
Desde que ali comecei a leccionar, há vários anos, sempre, no final do ano, tenho aplicado aos meus alunos o um inquérito, anónimo, de avaliação dos trabalhos do ano, e em que pedia mesmo que dessem uma "nota" ao professor. Na última aula, eram-lhes apresentados os resultados, que também iam incluídos no relatório da minha actividade como professor.
No ano passado, o Curso de Comunicação da ESTA teve de apresentar superiormente um vasto relatório de auto- avaliação. Uma Comissão de três professores doutores, chefiada pelo mediático Paquete de Oliveira, analisou o documento e veio em missão de avaliação à Escola. Reuniu com os responsáveis da Escola e do Curso, com os professores, com os funcionários, com a Associação de Estudantes, com os alunos e teve mesmo uma sessão aberta à comunidade envolvente da escola.
Na ocasião, os responsáveis do Curso disseram que esta avaliação tinha sido, antes de mais, muito proveitosa para se ter uma ideia mais clara de como estavam as coisas e das alterações que era necessário introduzir.
No ano passado, o Curso de Mecânica da ESTA esteve sujeito ao mesmo processo e também ali as coisas correram bem.
A ideia de que a avaliação é uma novidade inventada para humilhar os professores do secundário é apenas uma ideia, com pouco contacto com a realidade.

04 June 2006

 

Obsceno

Sim, é obsceno que já se apresente como bandeira ser possível criar uma empresa numa hora e seja preciso levar seis meses a criar uma associação de voluntariado social. Há aqui qualquer coisa de errado. De obsceno.

 

Cres.Ser

Na Sexta-feira, dia 2 de Junho, constituiu-se formalmente a Cres.Ser – Associação de desenvolvimento Pessoal e Comunitário. Depois de seis meses de trabalhos preparatórios, a nova associação, que pretende dedicar-se ao trabalho social, tem já cerca de 30 sócios e apresentou-se nesse mesmo dia à comunicação social. E já antes, a 25 de Maio, tinha feito a sua primeira aparição para, com um grupo de pessoas da terceira idade das aldeias, assinalar o Dia da espiga na Praça Barão da Batalha.
Tenho tido o privilégio de acompanhar o entusiasmo destes jovens que querem dar o melhor de si por esta terra. E já estão a trabalhar no terreno.

 

Dignidade

Peço desculpa, mas não estou disponível para reconhecer a minha dignidade pessoal ou profissional ofendida por qualquer ministro(a) ou por quem quer que seja. A não ser por mim.
A minha dignidade pessoal e profissional depende daquilo que eu fizer. Não daquilo que outros fizerem.
O que depende dos outros, isso sim, é a cotação de mercado. A minha cotação ou a cotação da minha profissão. Mas eu não posso estar sobretudo dependente de uma tal cotação. Bem pelo contrário.
Se eu não reconhecer valor ao que sou e faço, não é o reconhecimento pelos outros que me vai sossegar.
E nisso podem estar seguros. Se há alguma coisa que vale mesmo, é educar, é ensinar. É contribuir para a formação de uma pessoa. O resto é instrumental.

 

Cavaco Silva

O novo Presidente da República denunciou, salvo erro na tomada de posse, que Portugal é uma país a duas velocidades. E acrescentou que não pode ser, desafiando-nos a mobilizarmo-nos contra esse estado de coisas.
Mas não tem razão. Portugal é um país a muitas velocidades diferentes. Felizmente. E vai continuar a ser sempre assim. Felizmente. Mesmo que os coxos acelerem, nunca terão a velocidade de José Mourinho. E pela minha parte, nem sequer estou interessado em ter. Admiro-o, mas não quer ser como ele.
O novo Presidente da República vetou a lei da paridade. Pensei que fosse pela confusão que houve no momento da votação. Mas não. O motivo é que a lei aprovada prevê que as listas têm de ter no mínimo um terço de mulheres ou homens e não podem ser admitidas se não tiverem. Eu, que apenas sei disso pelos jornais, parece-me pleonástico, portanto verdadeiro: se têm de ter, não podem não ter. Mas o novo Presidente, que pelos visto é verdadeiramente português, portanto de brandos costumes e nada dado a excessos, acha que as leis têm de ter, mas podem não ter um terço de homens ou mulheres. Eu vou tentar perceber. Por exemplo, pela solução que o PS vai encontrar. Uma multa? Parece-me uma boa solução. Melhor ainda, se ninguém a cobrar. Mas pelo menos ficamos a saber quanto vale um homem ou uma mulher a menos. Ou a mais, claro. E pode-se criar um mercado de quotas, como se faz para o CO2?
P.S. - Com um país destes, como é que pode haver resultados e disciplina nas escolas?

 

O trabalho

O general britânico Montgomery dizia algo assim: É inteligente e preguiçoso? Tragam-no para o meu quartel-general. Fará pouco e bem e só o necessário. É desses é que precisamos. É estúpido e trabalhador? Façam-no desaparecer, porque destroi um exército.

 

Os homens

Há dois tipos de homens, e mulheres.
Os que acreditam que as coisas dependem de Deus, ou da sorte, ou do horóscopo, ou...
E os que acreditam que as coisas dependem do que os homens fazem.
E há os hermafroditas: os que acreditam na sorte, mas sabem que Ter sorte dá muito trabalho. Ou: que, quando trabalham, tendem a ter sorte.

 

Deus

O papa foi à Polónia e, num momento de recolhimento, perguntou "Onde estava deus nos tempos de Auschwitz?" Li nos jornais.
E Deus respondeu-lhe: "Estava a ver o que andavam a fazer os homens nos tempos de Auschwitz." Isto, não li nos jornais.

 

As festas

Vêm aí as festas de Abrantes. Há dias chegou-me o folheto a casa. Por pouco não o deitei para o lixo. Quando o vi, pensei que era publicidade de uma loja de electrodomésticos.
Não posso deixar de notar que há um corte no design a que a Câmara nos habituou. Mesmo no que diz respeito às festas. Mas foi um gesto falhado.
Talvez tenha sido para dar um ar popular às festas. (As festas sempre foram populares.) Mas não dá uma imagem de cidade tecnológica. E o desafio de uma cidade tecnológica contradiz ou é contradito pelo convite para umas festas populares à moda da aldeia.
Falo do folheto, apenas do folheto. Porque ainda não tive tempo de espreitar o programa.

 

A escola

A escola que temos está estruturada para as Cristinas terem bons resultados e para os Jaimes reprovarem. E é isso que ela faz.
Mas aquilo de que vemos a escola ser acusada é de não ensinar os Jaimes. De não conseguir que eles tirem o 12º ano com bons resultados e cheguem "bem preparados" à universidade.
Ainda por cima, a universidade é das personagens mais acusatórias: queixa-se de chegarem lá alunos que são verdadeiramente incapazes do que quer que se lhes peça. Por exemplo, a Matemática. Esquece-se, porém, a universidade que foi ela mesma que, para ter alunos que paguem propinas e justifiquem professores, aceitou alunos com 0 (zero) valores a Matemática. De que se admira, agora, que eles não sejam capazes?
Ensinar Matemática à Cristina, isso sempre a escola fez bem, e continua a fazer. Ensinar Matemática ao Jaime, isso nunca a escola fez, e agora faz mal e mesmo assim muito raramente.
A escola que se exige é uma escola que não existe. E ninguém está disposta a criar.
Por isso, eu não me indigno. Nem me coloco do lado de ninguém. Peço desculpa.
Peço desculpa aos alunos que são trucidados neste processo. Por não conseguir estar do lado deles. Esses é que precisavam de mim. Não da minha indignação, mas da minha acção. Perante eles é que eu devia ser chamado a responder.
P.S. – Entre a Cristina e o Jaime, está o Gauss inteiro.

 

O Jaime

O Jaime é meu aluno, no 11º ano. O Jaime estuda, mas nunca consegue ter positiva. Desde logo, porque não consegue tirar grande coisa de um texto que lê. E depois, porque eu não consigo tirar grande coisa de qualquer texto que ele escreva. Palavra e pedaços de frases, decoradas do livros mas reunidas sem lógica nem conexão, uma escrita que aqui e ali nem se deixa ler, ideias esfarrapadas, por vezes em contradição. De viva voz, dá-me sobretudo o silêncio, ou afirmações sem sentido. Mas tu acreditas naquilo que estás a dizer?, pergunto-lhe. Pára e reponde: Não. O melhor que consegue é puro senso comum, sem grande rasto do que poderia ter ali aprendido.
O Jaime estuda. E preocupa-se. Sofre. Mas não consegue. Nem eu. Não consigo, com os tempos e os meios de que disponho, ir além do que me aparece como uma continuada tortura do Jaime.
O Jaime acredita que a culpa é dele. Mas não é de ninguém. Não é uma questão de culpa. Aliás, eu detesto o discurso da culpa, que só serve para alguns se aliviarem. A questão não é saber quem tem culpa. Mas saber o que se pode fazer. E o que é feito disso que pode ser feito.
O Jaime vai chumbar. Justamente. Justamente? É claro que sim e é claro que não.
São estes os casos que me pesam como professor. E o pior é que eu tenho vários alunos como o Jaime. O insucesso deles é o meu insucesso.

 

A Cristina

A Cristina é minha aluna, no 11º ano. Tem uma escrita firme, como eu nunca tive na idade dela. É um gosto ler os textos que me entrega. É bonita. Dá conta de toda a matéria e ainda é capaz de Ter boas pistas de reflexão quando apresento um problema novo. Pensa por si, ao mesmo tempo que dá conta da matéria, de toda a matéria que estudamos. Merece 20, isto é, a Cristina é uma aluna a quem eu não tenho o direito de pedir mais do que ela já dá.
Não sei se lhe ensinei alguma coisa. Havia um programa, um livro e um professor; havia as aulas, os momentos de avaliação e o sistema de ensino e de acesso ao ensino superior. No meio disto tudo, a Cristina – ela própria – fez o seu percurso. Eu fico contente por fazer parte dele, é claro, mas sei que não sou nele uma peça muito importante.
Eu tenho várias alunas como a Cristina.

 

A indignação

Ultimamente têm-me chegado, vivos, desafios de indignação. Como naquele abraço, apertado e quente, a recordar as coisas que havíamos conseguido. Fizemos o check-list dos reencontros: então como vão as coisas? E perguntou-me de imediato: - E que é que pensas disto tudo? Da ministra, percebi logo. Esperava labaredas da minha boca.
Mas eu não consigo indignar-me. Ia a escrever "já não consigo", mas não seria correcto.
Penso o que lhe disse. A ministra está a ocupar o espaço que lhe demos. Deixámos chegar as coisas a um ponto em que ela pode fazer o que quiser.
Não creio que ela consiga o que quer. Ela pode ter a opinião pública do lado dela, mas a opinião pública não dá aulas. E se ela quiser governar a escola com a opinião pública vai fazer dela aquilo que a opinião pública já fez da televisão. A opinião pública não vai além da miséria. Mas também não é possível governar contra a opinião pública.
Ora, nós deixámos, de muitas maneiras, que a opinião pública ficasse contra nós.
Nós esquecemo-nos que a grande maioria das pessoas tem uma dupla experiência da escola. A do seu tempo, e a dos filhos, netos, sobrinhos... que nos últimos anos têm andado na escola. As pessoas têm opinião.
E essa opinião não me parece que seja desfavorável à escola e aos professores. Mas é, sem dúvida, desfavorável a "certas coisas" da escola e a "certos professores" e à total impotência que sentem face a estas coisas. Digo isto pelo que tenho encontrado dentro e fora da escola.
Na minha escola, por exemplo. Somos mais de cem professores. Leccionamos as nossas aulas. E tenho a certeza de que o fazemos, no geral, com qualidade. Mas dentro daquilo que está, da matriz que nos é dada para funcionarmos.
E para lá disso? Nada ou quase nada. E estamos à espera de que estejam do nosso lado?
Todos temos ideias. Mas só existe o que fazemos E o que fazemos? Cada um faz, na sua sala. Mas os grandes problemas não se resolvem pela soma de trabalhos individuais. Disso não tenho dúvida, e os factos vêm-me confirmando.
A revolta estéril não me diz nada. Apenas faz sofrer. Uma colega acusava-me de, sem indignação, deixar as coisas na mesma. E com essa revolta toda já se fez alguma coisa mais do que mau ambiente e sofrimento a nós mesmos?
Só existe o que fazemos. E eu não vejo ninguém a querer fazer nada daquilo que sinto que é necessário fazer. Se fosse para fazer, ainda merecia apena mobilizar-me. Agora para sofrer?

 

O milagre

Creio que não o disse. O que mais se destaca no trabalho da Anabela Rodrigues no projecto “Palavras à solta” é o milagre – simples e difícil – de obter resultados “impossíveis” juntando apenas aquilo que já existe.
O que é que a Anabela fez? Nada. E tudo.
Nada, porque os escritores e os artistas, os patrocinadores e os especialistas, além dos professores e dos alunos, já existiam. Prontos a usar.
Tudo,. Porque estavam cada um para seu lado e, a permanecerem assim ,era impossível fazerem o que foi feito.
Às vezes andamos à procura da lâmpada que nos dê o génio que nos satisfaça as vontades impossíveis. Mas só existe aquilo que fazemos. E só podemos fazer com o que existe. O resto são impotências.

03 June 2006

 

Medalha de Mérito Comercial

A minha Medalha de Mérito Comercial vai para Luís Pires, o líder da equipa que está a gerir o espaço e o restaurante do Parque de S. Lourenço. No mês passado, organizou as Olimpíadas do Lazer e levou a S. Lourenço dois mundo: um de praticantes de tudo um pouco, num dos mais importantes trabalhos de animação cultural dos últimos tempos e um mundo de clientes e consumidores.
Foi uma festa. E foi a demonstração de que, ao contrário do que alguns dizem, a localização não é tudo. Muito mais é o poder da organização, do trabalho acertado, da inventividade nos processos.
Enquanto S. Lourenço, apesar de na periferia, se tornou o centro, o Centro Histórico estava às moscas, tornando-se evidente que aqui faltava o que em S. Lourenço existia.
S. Lourenço não é ainda tudo aquilo que podia ser, mesmo naquilo que já é. Podemos e devemos pedir e até exigir melhor. Mas programa Verão Animação é um abanão bem profundo no estado de coisas do mundo comercial abrantino. Por isso, para Luís Pires, em representação da sua equipa, vai a minha Medalha de Mérito Comercial.

 

Medalha de Mérito Pedagógico

A minha Medalha de Mérito Pedagógico vai para Anabela Rodrigues. Ela foi a alma e o corpo principal do projecto "Palavras à solta". A ela se deve uma parte significativa deste êxito. Mas eu vi, de perto, o trabalho que ela fez em Constância. E o trabalho que depois realizou na Biblioteca António Botto. E quando, um dia, fiz uma entrevista sobre uma criança com cancro, lá encontrei a Anabela Rodrigues como uma das chaves do bom rumo que as coisas tomaram. E sempre nela encontrei o entusiasmo, a paixão, a entrega inteira àquilo que está a fazer.
É um perigo, esta mulher. Porque desassossega tudo e todos à sua volta. Mas é, para nós, uma bênção. A ela, pois, a minha Medalha de Mérito Pedagógico.

 

A minha escola

A minha escola é a escola mais importante – para mim. É ali que tenho as minhas alegrias e tristezas profissionais. É ali que estão os meus alunos, alguns que são a promessa de futuro em forma de pessoa, outros que me desafiam a esperança e me surgem como a personalização do futuro hipotecado.
É ali que estão os meus colegas. No geral, vejo-os como pessoas dedicadas. Alguns são pessoas de quem gosto muito, sei-os amigos e amigas de uma grande fraternidade. Entre os funcionários, administrativos e auxiliares, colho todos os dias simpatias que me acendem lamparinas. É-me mais fácil encontrar panos pretos entre o sprofessores, e tenho pena disso.
É claro que é uma escola com problemas, como todas as outras. E sei que cada um de nós tem ideias sobre o que devia ser feito para que os problemas se resolvessem ou minorassem. Mas falta-nos a capacidade para, de muitas opiniões, fazermos uma acção comum. A isso chama-se organização?
Por essa falta de organização é que a minha escola, que é a melhor do mundo, porque é a minha, também é a pior do mundo. Por ser a minha, a que mais me dói.
E somos todos boas pessoas. Mas de boas pessoas está o inferno cheio. E de boas opiniões. O que falta mesmo, e é o céu, é uma boa organização, eficaz a resolver os problemas e a caminhar para bons objectivos.
E o que mais me dói, mas dói mesmo, e nisso acho que não temos perdão, é que este tempo mágico de andar na escola passa demasiado depressa para os nossos alunos e é decisivo no seu crescimento. E estes nossos anos de adultos, há alguma coisa que possa substituí-los?

 

Universidade se Danto António

Há muitos anos que chamo de Universidade de Santo António à Escola do 1º Ciclo Nº 2 de Abrantes ou escola do Alto de Santo António. Há vários anos que acompanho a sua actividade e vejo um trabalho de qualidade.
Não tenho para mim – nunca tive – que uma escola do ensino superior é superior a uma escola básica. O que é superior é o nível de ensino, mas isso é outra coisa.
Na Escola Nº 2, vejo há muito tempo um esforço organizado de ir além da rotina, de desafiar a inércia e a entropia, de criatividade e inovação.
Na Escola Nº 2, tenho encontrado um esforço de qualidade no que ali se faz, mas também uma atenção a todas as dimensões da vida do ser humano. A leitura e a escrita, sem dúvida, a matemática e o estudo do meio, também, mas ainda e sempre a poesia, a música, as artes plásticas, a solidariedade, o cuidado com os mais debilitados... e isso é escola, e isso é educação e ensino, sem qualquer dúvida. Mas também a abertura à sua e nossa comunidade, a participação cívica na vida colectiva, o empenhamento numa cidade melhor.
"Universidade" que dizer isso mesmo: todos, universo.
A Escola do 1º Ciclo Nº 2 de Abrantes é a Universidade de Santo António. Pode haver quem duvide, mas eu sei, num "saber de experiência feito".

 

Organização

A organização é tudo.
As crianças existiam e os professores também. Os escritores existiam e os artistas plásticos também. Mas, sem algo mais, não haveria "Palavras à solta", nem CD-Rom, nem exposição na Biblioteca, nem sessão festiva, nem recordações duradouras, nem...
A organização é esse algo mais que fez, e faz, milagres.
Os professores daquela escola são feitos da mesma matéria que os das outras. Mas há ali alguma diferença. Que se traduz na organização. Ali há gestão pedagógica que vem de longe e uma organização ao serviço de um projecto educativo que é projecto e é educativo.
Se me permitem... deixemos de discutir os professores. E até a escola, como entidade mais ou menos metafísica. Não estou disponível para essas questões – improdutivas.
Prefiro discutir a organização da escola à luz dos problemas e dos objectivos. Ou o contrário.
Se houver alguma coisa a fazer – e há, muito – é com as pessoas que lá estamos. Mas com outra organização.
O resto... (cala-te boca!)

 

"Palavras à solta"

Foi uma noite bonita a festa, na de Sexta-feira, 2 de Junho. A Biblioteca António Botto foi pequena para acolher todos os que foram para o lançamento do livro "Palavras à solta", editado pelo Agrupamento de Escolas Abrantes Oeste, cuja sede é a Escola do 1º Ciclo do Alto de St. António.. O livro é, com um CD-Rom, que há-de vir, o resultado de um trabalho envolvendo alunos e professores das várias escolas do Agrupamento e escritores e artistas plásticos da cidade. Ao longo de meses, escritores (leia-se: autores com obra editada) de Abrantes (e não só) foram convidados a ir a uma turma de jardim de infância ou do 1º ciclo, levarem um objecto e ocuparem com os alunos uma hora que devia levar a um texto. Depois, foi a vez artistas plásticos que, a partir dos textos produzidos, foram com as crianças até à produção de uma composição plástica visual. Com a ESTA, está em produção o referido CD-Rom.
Mas o livro e o CD-Rom têm pouca importância, face à muita que têm e terão os muitos momentos vividos pelas crianças e pelos adultos no processo – riquíssimo – de fazer o percurso de saberes e afectos que nos trouxe já até aqui.
Não cabe dizer tudo o que foi. De aprendizagem de todos, de cooperação entre instituições, de (ex)posição de tudo a terceiros, de afirmação colectiva de um projecto educativo, de orgulho (e humildade) de quem mostra que é capaz, de uma cidade que pode e deve orgulhar-se desta escola e dos seus professores...

 

Respeito

Tenho o maior respeito pelos professores, pessoas que, dum modo geral, se entregam ao seu trabalho. Mas não tenho, pelo que fica dito, grande um respeito significativo pela organização escolar. Nem, pela falta de organização, pela classe profissional dos professores – na qual me incluo. E dizendo isto, não digo mais, nem menos, do que há vários anos venho dizendo.

 

Mas não

A nossa escola está desenhada para ensinar alunos de estratos sociais e culturais elevados, urbanos e com desejo de aprender. Isso, para que foi desenhada, ela faz bem. E faz melhor hoje que ontem.
Mas não é boa, a nossa escola, por exemplo a ensinar aqueles que não querem aprender. Ou aqueles que, por qualquer razão, por vezes por culpa da escola, se encontram numa situação de "falta de bases". Ou aqueles que se encontram sem um sentido para aprópria vida, de forma que a própria escola lhes surge sem sentido. Ou aqueles que t~em uma família que rema contra a escola.
Não, a escola não está preparada para lidar com estes alunos. Muito menos para ensinar-lhes o que eles precisam, mas nem sequer suspeitam.
E, no entanto, são estas, hoje, as novas solicitações que se fazem à escola. E é, em grande parte, sobre essas solicitações (não cumpridas) que a escola está a ser julgada.
Mas a escola não é capaz de fazê-lo em virtude do seu próprio desenho organizacional. Para fazê-lo, teria que ser redesenhada.
Para fazer aquela que era a sua função – ensinar os melhores e seleccionar os melhores – a escola tem uma organização inteligente. Para responder às novas exigências, a escola tem uma organização disfuncional. Não está feita para isso. Por isso, não faz.
E quanto mais quer fazer aquilo que não pode fazer, menos bem faz aquilo para que está desenhada.
Porque está desenhada para fazer uma coisa e pedem-lhe que faça, ao mesmo tempo, o seu contrário, a escola apenas está à disposição de quem lhe quer bater. E mesmo que faça menos bem aquilo que outrora fazia (e nada aponta nesse sentido, antes pelo contrário), faz muito, mas mesmo muito, naquilo em que a outra escola nada fazia.
Hoje, a nossa escola ensina muitos daqueles que, antes, apenas expulsava.

 

Melhor, sim

As escolas, hoje, são melhores. As universidades, hoje, são melhores.
São melhores a fazerem o que sempre fizeram.
Mas não são capazes de fazer, hoje, aquilo que DE NOVO lhe pedem, aquilo que ontem também não faziam.
Se olharmos bem, a escola mudou muito pouco desde há 100 anos. E., no entanto, o mundo mudou imenso. E mudou muitíssimo mais aquilo que se pede à escola. Como se pode esperar que "o mesmo" esteja habilitado a produzir o diferente?
Sim, a escola está melhor, mas isso em nada justifica que permaneça como está. Porque está muito mal relativamente aos NOVOS objectivos que lhe pedem.

 

A crise

A escola, hoje, é melhor que a de ontem. Apesar dos muitos problemas que apresenta. Apesar da crise.
Contradição?
O sistema de saúde, hoje, tem inúmeros problemas e está em crise? Isso permite-me dizer que há 50 anos o nosso sistema de saúde era melhor?

 

Não me lixem

Se as avaliações internacionais dos nossos jovens podem colocar muitas dúvidas acerca da qualidade das nossas escolas, as avaliações internacionais sobre as prestações dos nossos alunos não nos deixam quaisquer dúvidas sobre a escola que os formou. Era mesmo má.

 

Mas, porém, todavia, contudo...

Anda por aí um enorme burburinho sobre a escola portuguesa. E com razão. Porque os problemas são muitos e ninguém está satisfeito.
Contudo, há que ajustar os óculos de ver a escola e colocar as coisas no seu devido lugar.
A escola portuguesa não é, nem de longe, tão má como a pintam. Ou melhor, a escola portuguesa nunca foi melhor do que é hoje. Os professores portugueses nunca forma melhores do que são hoje. E os alunos portugueses nunca foram melhores do que são hoje.
Eu sei que estas afirmações não calham a jeito nos tempos que correm. Mas são verdadeiras. Só as afirmações contrárias têm audiência. Mas são falsas.
Corro risco de me repetir, mas digo-o.
Se a escola "antigamente" era tão boa como apregoam, onde estão essas excelências, que nos estudos sobre literacia só aparecem analfabetos práticos?
Se a escola era tão eficaz como defendem, donde vêm as taxas de qualificação miseráveis com que Portugal se apresenta hoje no mundo?
Se a escola era tão qualificada a formar os portugueses, como é que nos encontramos nesta impotência colectiva para garantir produtividade e qualidade, organização e eficácia, inovação e competitividade?
Se a escola portuguesa era uma escola de verdadeiros valores, donde veio este Portugal desarrumado e porco, assassino nas estradas e violento em casa, cheio de desrespeito pelos outros e faltado de autoconfiança, autoestima, autodisciplina, capacidade para enfrentar os problemas à ribatejana, isto é, pelos cornos?
Não me lixem. Só quem é cego, surdo e mudo é que pode dizer que a velha escola foi melhor do que é hoje a nova escola. Não andaram lá? Perguntem a quem lá andou. Mas não digam que vêm desta discussão envenenada.
Eu não tenho medo de dizer: os meus alunos, hoje, são melhores do que nós éramos no meu tempo; os professores dos meus alunos, hoje, são melhores do que eram os meus professores quando eu tinha a idade deles.
Cito: «Se se isolar o grupo dos 3% melhores alunos da actualidade, obtemos um grupo comparável ao que no tempo do liceu [1955/56?] acedia a estes cursos [ciências e engenharia].» Retirei a citação de Nuno Crato, que também a cita, mas sem comentar a sua informação. Apenas comenta, de fora: «Esta negação peremptória de sinais de crise é espantosa...» (p. 25).
Mas a verdade é outra. Há crise, sim, e há muito que o venho dizendo, a ponto de os professores quase me considerarem inimigo da classe. Há crise, mas não onde a apontam. E é por isso que, com base num erro de diagnóstico, dificilmente a solução trará melhoras.

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