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22 November 2005

 

Aulas de substituição - 7

As aulas de substituição são apenas um capítulo duma política educativa, a deste Governo, que já levantou guerras significativas... mas que aponta para onde? Quais são os objectivos que, se esta guerra for ganha, serão alcançados? Alguém sabe?
Eu não sei.
E se a maioria dos actores não souber, nunca haverá sequer guerra que seja ganha. Nunca se ganha uma guerra em que se esteja a combater por nada.
É só uma questão de tempo. A derrota está garantida. Da Ministra? Não, de todos nós. Depois, estaremos ainda pior que no início.

 

Aulas de substituição - 6

Este é, salvo melhor leitura, um caso paradigmático do que não pode ser uma medida de política educativa. Este é um exemplo de manual de um erro clássico de acção política.
A acção política não é algo de natural, como comer, dormir, passear em grupo (e que me perdoem já os sociólogos e os antropólogos.) A acção política decorre de teorias de acção que comandam, por dentro das cabeças, o estilo político de agir.
Esta medida política é a expressão de uma filosofia que se costuma designar como de "comando e controlo". Trata-se de uma organização vertical de cima para baixo, em que o cimo decide e os baixos cumprem e o cima controla os níveis de execução.
No caso da educação, a Ministra decide, os professores cumprem e os inspectores vêm ver se as ordens estão a ser cumpridas.
A expressão máxima desta filosofia política de acção é o taylorismo, ou a gestão taylorista. Na empresa taylorista, tipo linha de montagem, há quem conceba e decida, há quem cumpra e há o controlo de acção e de qualidade.
Só que...
Há muito que se viu que, esta política de gestão trouxe grandes ganhos de produtividade mas revelou-se incapaz de manter a empresa nos tempos de incerteza em que vivemos. E, por isso, já hoje se percebeu que esta linha de gestão política ou de política de gestão está errada.
Não há qualquer sucesso se não houver uma dinâmica inteligente em cada um dos níveis da organização. Não basta um movimento vertical de cima para baixo; é também decisivo um movimento de baixo para cima e movimentos horizontais. Ora nada disto existe com real significado.
As políticas educativas têm sido "políticas de ministro". Quase não há "políticas de escola". E enquanto não houver políticas de escola articuladas pelo ministério a nível nacional não haverá alterações significativas no estado da educação em Portugal.
Não é por mais nada, é porque não pode haver.
P.S. - Esta é a razão, (quase) nunca discutida por que o marxismo nunca pôde dar frutos duradouros como sistema. Nem se vê como possa dar.

 

Aulas de substituição - 5

Um instrumento pedagógico qualquer, este ou outro, nunca é bom ou mau em si mesmo, mas na medida em que é solução para um problema ou vai agravar um problema. Não tem poder mágico. Nem este.
Nas escolas, a execução desta medida foi feita sem que se tivesse sentido o problema. Logo, a medida era uma acção sem sentido, apenas o cumprimento de uma ordem superior. Daí que não fizesse sentido para aqueles que a deviam executar. E os professores terão mesmo passado uma imagem negativa para os alunos. Que outra imagem haviam de passar?
Além disso, cai de paraquedas numa sala de aula com 25 alunos, por exemplo, que recusam aquilo que querem ali fazer-lhes, é criar um problema que maioria dos professores não está, se é que algum está, preparado para resolver. Isto, a nível de uma escola, vai criar desestabilizações, abrir fracturas, criar linhas de confronto... que talvez ninguém consiga prever, nem resolver. Entretanto, gastaram-se energias várias, não se resolveu nenhum problema e queiramram-se hip+oteses de resolução daquilo que havia para resolver.
Na minha escola só há 3º ciclo com aulas de usbtituição (o secundários não é abrangido). Mas há escolas que vão desde o jardim de infância até ao secundário. Eu poderia estar numa dessas. Imagino-me a tomar conta de crianças num jardim de infância? Imagino. Imagino que, num só dia, iria estragar aquilo que a uma educadora ou a um educador levou meses a conseguir. Eu não sei lidar com crianças dessa idade, nem sequer sei o que é que um educador não deve fazer. Como de costume, isso seria o que eu iria fazer no tempo em que eu iria estar com as crianças. Outro tanto, embora em menor grau, se passa com as substituições noutras idades.
Como nada é ou pode ser levado a sério nestas circunstâncias, eu não tenho dúvidas de que os alunos vão fazer transbordar para as aulas normais certos problemas germinados nas aulas de substituição.
Os jornais já dão contas: uns professores deixam os alunos fazerem o que querem, outros levam jogos ou deixam-nos jogar, outros deixam-nos ver filmes, etc., enquanto outros querem aproveitar o tempo de forma produtiva, enquanto ainda outros nem sequer conseguem conter a revolta dos alunos.
E ninguém sabem a quantidade de trabalho efectivo que leva, em cada semana, montar este sistema, corrigir o que está menos bem, fazer as alterações necessárias...
Creio que esta é um exemplo acabado de uma medida à partida condenada ao insucesso. Sobretudo pelo modo como foi lançado.
E porquê?

 

Aulas de substituição - 4

Pessoalmente, custa-me muito ouvir condenar radicalmente um instrumento que em certas escolas foi adoptado com sucesso. Muito mais afirmar como "fazer de palhaço" aquele que vai substituir. Não posso deixar de considerar uma ofensa aos professores e às escolas que decidiram e mantêm com êxito esta medida, muito antes desta decisão ministerial.
Pessoalmente, também me custa fazer aulas de substituição. Também eu não sei muito bem o que ali vou fazer. E se nalgumas tenho êxito, não creio que o meu saldo seja positivo.
Sobretudo, pelo que vejo, a execução desta medida, como foi deliberada superiormente e como foi implementada nas bases, creio que não vai resolver qualquer problema e que vai criar muitos. Inclusivamente vai desacreditar um instrumento pedagógico que em certas escolas se mostrou eficaz e que, deste modo, está definitivamente condenado. Porquê?

 

Aulas de substituição - 2

A aula de substituição é uma medida usada por várias escolas há largos anos. Usam-na porque decidiram fazê-lo e mantêm-na porque, dizem elas, têm obtido bons resultados. Por exemplo: os alunos têm mais tempo de estudo, previne-se alguma confusão na escola provocada por alunos sem aulas, evita-se que os alunos andem excitados por tempos longos sem aulas, evita-se outros perigos que espreitam muito mais facilmente em tempos sem aulas...
Os próprios pais têm reclamado a substituição dos professores em falta, porque assim se sentem mais descansados.
Em certos colégios particulares de êxito, nem sequer há os chamados furos. Quer porque os professores faltam menos, porque seriam substituídos, quer porque há mecanismos para substituir um professor que falta.
As aulas de substituição são, portanto, uma "coisa" velha, um instrumento pedagógico já bastante usado, embora não muito usado no ensino público.
A Ministra da Educação, quando lançou, há pouco, as aulas de substituição, não foi como uma invenção sua. Foi antes, como quem faz generalizar uma medida que se revelou de sucesso em algumas escolas.

 

Aulas de substituição - 3

Contudo, a reacção generalizada dos professores foi de rejeição. Por várias razões: porque têm que as dar (o que é um trabalho novo), porque não lhes vêem utilidade significativa e porque não sabem o que hão-de fazer com os alunos nessas aulas.
Um trabalho novo, que é mais um trabalho, que vem somar-se a uma penalização (mais horas na escola) dificilmente poderia ser bem aceite.
Há também argumentos contra as aulas de substituição: um deles é que "os feriados são do melhor que a escola tem" e, por isso, estas aulas foram mal recebidas pelos alunos, estes têm uma sobrecarga de tempos lectivos e muitos já não têm tempo para brincar, o brincar é também muito importante, etc.
É muito difícil ir ocupar uma "outra" turma, ainda por cima que tende a rejeitar essa ocupação. Além disso, ocupar, sem mais, é um trabalho que faz pouco sentido e ninguém gosta ou até suporta um trabalho que não faz sentido para si.
Finalmente, as escolas lançaram as aulas de substituição "em cumprimento de uma ordem", sem contexto, sem reflexão própria, sem sequer uma tomada de decisão, a não ser algo de periférico sobre a execução da ordem vinda de cima.

 

Aulas de substituição - 1

Desafiam-me – como se eu fosse incapaz- a falar das aulas de substituição. Já o tinha feito e já voltei a fazê-lo noutros contextos. É agora a vez aqui, no dia em que a Ministra vai estar em debate na TV.
Deixemos, antes, alguns pressupostos.
Uma política ou uma medida política não é boa ou má por ser do partido A ou B, mas pelos seus efeitos serem benéficos ou prejudiciais.
Uma medida política não é boa ou má por me afectar – a mim – ou me beneficiar – a mim. Mas pelos seus efeitos na polis, ou seja na sociedade que formamos.
A medida das aulas de substituição - um professor ir substituir outro que falta – boa ou má nestas condições gerais. Certo?

19 November 2005

 

Greve

Os professores estiveram em greve. Durante muitos anos, aderi sistematicamente às greves. Porque eram também minhas as razões da greve e por dever de solidariedade para com o meu sindicato. Ambas as razões.
Hoje, porém, não fiz greve. Também por duas razões. Por não me sentir parte viva do modo como os professores estão a reagir à situação que lhes foi criada e por não sentir que vá na boa direcção as lutas dos sindicatos.
Já o disse muitas vezes: penso que a situação nas escolas vai muito mal, que tem de haver um grande descontentamento com o que são e fazem as nossas escolas. Mas não vejo que a direcção da resposta dos professores e dos seus sindicatos vão na boa direcção. Creio mesmo que estamos a acentuar os problemas pelos quais teremos de responder mais tarde com um preço ainda mais elevado. Eu considero que a maior asneira que alguém pode fazer é trabalhar contra si, contra os seus interesses. E sinto que é isso que vimos a fazer. Há muito tempo. Assim, não haverá melhoras.
A minha não adesão pode ter sido lida como um apoio ao Governo e à Ministra. Pode e é uma leitura legítima. Mas é pobre, muito pobre. E serve apenas para que as coisas continuem na mesma, no caminho errado. E a Ministra, esta ou outra(o), continuará a ter força para fazer aquilo para que se sentir com as costas quentes.

 

Credo

(Dei-me conta de que este texto, que escrevi já há algum tempo, ficou por publicar. Vai agora, porque considero que faz parte integrante do que ficou dito.)
Nenhum partido é melhor que a democracia. Pelo contrário, é bom na medida em que serve a democracia, e portanto as pessoas que são a razão de ser da democracia. E também a democracia é boa na medida em que abre espaço aos vários partidos e serve as pessoas, todas.
Uma proposta ou uma afirmação não é verdadeira ou falsa, boa ou má, por ser feita por um partido ou por outro. Mas sim pela sua conformidade com os factos ou pelos seus efeitos.
Um partido não é em si mesmo bom ou mau, melhor ou pior, mas porque é boa ou má a política que ele defende e pratica.
A democracia não é apenas o espaço social onde tudo tem lugar. É também, ao contrário da ditadura, o lugar onde tudo se sujeita a discussão e a julgamento.
A democracia só o é autenticamente se houver essa discussão e esse julgamento. Sempre que estes faltam, a democracia empobrece, definha e caminha para a morte. Porque a democracia não é uma substância primeira, é uma forma de organização.
As pessoas, para mim, não têm cor. Mas as suas acções têm.
Distingo claramente entre a pessoa ser boa ou má e serem boas ou más as acções de uma pessoa. Sobre a pessoa, não sei e não devo pronunciar-me, apenas respeitá-la. Sobre as suas acções, tenho o dever de pronunciar-me e apoiá-las ou combatê-las – porque elas têm efeitos. Uma sociedade faz-se de acções e dos seus efeitos, não se faz de (boas ou más) intenções.

16 November 2005

 

Fumar mata

Durante muitos anos, também funei. Mas consegui deixar.
Penso que devemos fazer tudo para ajudar quem quer a deixar de fumar. Vale bem a pena.
Mas não é necessário, nem correcto, hostilizar quem fuma.

 

Fritjof Capra

Abri o livro ("As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável") e fiquei logo derrotado na página dos agradecimentos: mais de 20 entradas para nomear personalidades do maior gabarito internacional e instituições do maior prestígio. Eu disse: mesmo que fosse burro teria obrigação de ficar a saber muito mais que eu.
Aquilo que cada um de nós é depende em grande parte da qualidade do meio em que nasceu e cresceu.
Nós vivemos numa cultura idiota, porque contradiz tudo aquilo que se detecta ao nível dos factos, que afirma que o que um indivíduo é e faz depende dele e apenas dele. E, por isso, somos tão lampeiros a condenar, embora mais reticentes em elogiar, mas quando o fazemos pomos a pessoa na Lua.
Eu sei que o lado pessoal é importante. Valery Gergiev ou os nossos futebolistas na televisão falam constantemente em "trabalho", "tenho de trabalhar mais", "tenho de continuar a trabalhar". Eu.
Mas também sei que até a vontade de trabalhar e a persistência no trabalho ficam muito a dever ao meio em que se cresceu. E o encontro com um bom e grande mestre dá muita vontade de trabalhar nesse sentido e, com os resultados obtidos, a vontade cresce e firma-se.
Por isso é que eu próprio tenho tentado, quer na escola quer noutros meios, criar ambientes que sejam produtivos de mais trabalho, mais qualidade, mais resultados, mais vontade de continuar. Porque isto anda tudo ligado.
Por isso também é que é importante denunciar a mediocridade dos meios ou ambientes em que a maioria de nós vê a sua vida consumir-se sem honra nem proveito.
A mesmice, o deixa andar, o não te rales, o para quem é bacalhau basta, o não queiras armar-te em esperto, o tem a mania que é melhor que os outros, o alguém te paga para seres parvo?, o não quero é chatices...
Donde hão-de vir os resultados?

 

Valery Gergiev

É considerado o maior chefe de orquestra do mundo. Dirige qualquer coisa como 200 vezes por ano, até 3 vezes num dia. Dirige o teatro Mariinski em S. Petersburgo, onde está a fazer uma obra notável, e trabalha com as melhores orquestras pelo mundo fora.
Diz que foi com Karajan que aprendeu o melhor do que agora faz e que ficaria feliz se fizesse na sua cidade uma parte do que Karajan fez em Salzburgo.
Foi aos 14 anos que a sua vida deu um salto, quando o pai lhe morreu. Começou a pensar a sério no futuro e no que queria ser. «Comecei a trabalhar no duro e a consagrar a minha vida à música clássica.» E os resultados estão à vista.
A escola de canto que dirige no teatro Mariinski é considerada a melhor do mundo. Qual o segredo? «O trabalho e nada mais.»
Creio, no entanto, que ele não está a ver bem. Como se tudo se resumisse ao trabalho, tipo "trabalha e vencerás". Isso exactamente é o que pais e professores dizem aos alunos, alguns acreditam e, depois, têm o resultado às avessas. Não, não é verdade. O segredo não está "todo" aí. Está noutro lado. Mestres e trabalho. Ele próprio diz que aprendeu com Karajan.
Nós, por cá, nem mestres nem trabalho. Cala-te boca.

 

José Amaral

O Dr. José Amaral é advogado e cidadão abrantino. Sozinho decidiu enfrentar o Governo, através dos tribunais, com o objectivo de obrigá-lo a pagar a Abrantes o valor da Sisa que evitou que fosse paga pela "venda da Central".
Qualquer que seja o resultado - ganhe ou perca a acção - há algo que está ganho. O não ficar parado, o ir à luta, o não se conformar com a situação, o partir para a acção, o correr riscos... Sem estar à espera que "os deuses", que habitam os lugares do poder formal, decidam a favor dos mortais.
Ou então, à Prometeu: roubar o fogo aos deuses e atear a vida que é a nossa.
Por aí é o caminho.

 

A escola, a prisão

«A Califórnia gasta tanto no sistema prisional como em educação.» Público, 13.11.05

 

Convocatória

Ficam convocados todos os que se encontram disponíveis para FESTEJAR o facto memorável de... Faz este Novembro seis anos que já não há Festival do Imaginário. Passadas duas edições de usência, estamos agora seguros de que não voltará a ressuscitar.
Para a Comissão de Honra vão ser convidados todos os que trabalharam para que ele não se fizesse e que o condenaram quando ele se fez.
Agora, felizmente, estamos todos muito mais tranquilos. Felizes, portanto. Haja festa.

 

A cidade, o pensamento, a crítica

Leio, de Manuel Cabral, em "Ed. Pessoas, Ideias e Negócios", nova revista de que saíu agora o primeiro número (p. 106):
«... faz-me reflectir sobre a cidade dos nossos dias, na perspectiva do défice de reflexão, da falta de tertúlias, da escassez de pensamento. Esta debilidade reflexiva estrutural reflecte-se sobremaneira no exercício da democracia que temos, depauperando-a.»
No nosso caso não é nada assim, pois não?
E mais à frente. «Creio (...) no estudo enriquecedor, na reflexão construtiva e na polémica criativa.»
E ainda. «A cidade exige, na sua construção, uma atitude reflexiva e crítica, o debate tolerante. A tolerância é o cimento do crescimento colectivo.»

 

Na auto-estrada

Há dias, fui à Covilhã. Frente à área de serviço de Castelo Branco, havia obras na direcção da Covilhã e a faixa junto ao separador central estava fechada ao trânsito.
Naquele espaço, que era grande, tive três sustos. À minha frente, dois homens atravessaram a correr a faixa em que eu seguia; um homem com um carro de mão atravessou a faixa em que eu seguia, e uma carrinha saíu da faixa fechada ao trânsito e entrou na faixa em que eu seguia sem se dar ao trabalho de calcular que eu, se não travasse, iria embater nela. Três em um, para sair mais barato. À portuguesa? Ou antes, da forma mais fácil?
No regresso, numa das faixas da auto-estrada, uma fralda de bébé. Dava para adivinhar como terá sido: alguém tirou a fralda ao bébé e... zás... que é mais fácil... para mim.
Cada um de nós viu já e pode contar milhentos casos destes.
Porque será que estas pessoas não aprenderam a vivem "com" os outros, sem ser "à custa" dos outros?
A resposta é simples: porque ninguém lhes ensinou.
E porque é que ninguém lhes ensinou? A resposta também é simples: porque quem lhes poderia ter ensinado não acreditava e já não vivia esses valores que permitem fazer vida civilizada com os outros. "Civilizada" significa "de cidade", ou seja, de sociedade organizada.
Ao mesmo tempo que combatem o pensamento religioso porque dizem ser irracional, acreditam numa realidade social metafísica independente dos comportamentos das pessoas e da acção das instituições, que são por natureza abuso de poder.
E, depois, admiramo-nos dos efeitos.

 

A escumalha

Sarkozy, Ministro do Interior francês, fez o que não podia fazer: chamou "escumalha" àqueles que se manifestaram de forma violenta em Paris e arredores. E o incêndio alastrou-se como revolta.
Mas... não será verdade?
Vamos por partes. A função de um ministro não é apenas nem sobretudo fazer diagnóstico e dizer a verdade, como um médico ou um cientista. Um ministro é, também, um construtor de ordem e de futuro. Por isso, a palavra de Sarkozy, muito mais do que dizer o que é significou o que deve ser feito. A palavra de um ministro é, em muito, simbólica e profética. Quando fala anuncia e cria futuro. Ora a palavra de Sarkozy simbolizou apenas condenação e prometeu apenas condenação. Só que lhe faltou uma outra componente da palavra profética, a redenção ou a libertação.
Sarkozy cometeu um erro, não de análise sociológica, mas de acção política.
Mas, agora e aqui, o que me interessa é a análise sociológica.
Escumalha?
Escumalha é escória, restos, material desprezível, mau, vil.
Do ponto de vista social, isto é, da convivência com outros na cidade comum, estes jovens são um perigo, uma ameaça efectiva, um factor de insegurança e de medo. E meteram a cidade a ferro e fogo. Se já não se podia confiar neles, pior agora. (Falo assim de propósito, pela boca de outros. Mas anda longe da verdade?)
São jovens que estão desintegrados e marginalizados. Que foram excluídos. Não é que se tenham excluído, mas que foram excluídos. Recusados de mil maneiras.
Não se sentem franceses. Há pouco vimos nos atentados de Londres jovens que não se sentiam ingleses. Mas porque não?
A identidade e a pertença, sabemo-lo desde a escola, não é um movimento originário do indivíduo. Pelo contrário, parte do olhar do outro sobre ele. Estes jovens não se sentem franceses ou ingleses (ou portugueses) porque não são sentidos e reconhecidos como tal. A identidade começa pela interiorização do e reacção ao olhar do outro. Quem é visto como estrangeiro, nunca se assumirá, por mais que o deseje, como natural.
Porquê, então, tudo isto?
Porque há nos franceses e nos ingleses, menos nos portugueses, uma auto-imagem de superioridade que apenas sabe tratar os outros como inferiores. Ainda por cima pretos, árabes e gente estranha... Além disso, porque as instituições de socialização falharam. Há muito que era habitual, pelo menos em certa regiões da França, os e as jovens sairem de casa a partir dos 14 (catorze) anos... e eram os próprios pais que os faziam sentirem-se a mais... e havia casa para os acolher. Todos? É claro que não, mas é um sinal claro de muito mais que se suspeita. A escola... bem, já aqui falei no livro "Maldito profe!" que nos mostra que, muitas vezes, pura e simplesmente não é escola. E a igreja... bem, o laicismo francês por um lado, e o tradicionalismo da igreja católica por outro, fizeram perder significado social à acção sobre as camadas mais jovens. (Não esqueço que há outras igrejas e que há movimentos religiosos muito activos, mas aqui falo da maioria dos jovens.)
Então, pergunto eu, onde e com quem poderiam estes jovens interiorizar os valores sociais, as regras de conduta de pertença, o respeito pelo outro e pela norma que rege as relações comuns, etc. Como e com quem poderiam estes jovens aprender, na vida, que são parte integrante de uma sociedade que até os seus não acolhe muito bem, quanto mais os que considera estranhos?
Porque estes jovens não querem ficar à margem da sociedade francesa. Bem pelo contrário, encontram-se por ela seduzidos, mas são por ela rejeitados.

15 November 2005

 

Novo blog

Últimas notícias: nasceu mais uma criança na maternidade blogspot: www.paleca.blogspot.com

 

Oportunidades "perdidas"

Disse - e mantenho - que não se podem fazer as histórias parciais, ou seja, de alguns sectores da vida abrantina sem ter em conta aquilo que eu fiz.
Fui importante para o que aconteceu. Sei-o muito bem. (Mas nunca disse que eu fui o maior, ou, sequer, que fui importante sozinho.)
Hoje quero aqui dizer que fiz igualmente história quando não fiz. Ou seja, quando não assumi como minha a oportunidade que se me apresentava.
Por exemplo, nunca aceitei entrar em nenhum partido, e fui convidado. Nunca aceitei candidatar-me a presidente da Câmara, e fui convidado. Nunca aceitei o lugar de Presidente do Conselho Directivo da minha escola (depois dos meus anos de Sardoal), apesar de o poder me ter sido oferecido. Tal como recusei outras propostas que me fizeram.
Não terei eu sido irresponsável nesses momentos? Pessoalmente, julgo que não, mas sei de pessoas que ainda hoje me acusam de, nesses momentos, ter voltado as costas à história, ou seja, à minha responsabilidade em mudar as coisas.
Quando digo que fui importante, deve ser entendido, repito-o, naquilo que fiz como naquilo que não fiz.
E repito também: cada um de nós é importante naquilo que faz como naquilo que não faz.

(E não falo daquilo que não fazemos porque não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Digo-o sobretudo daquilo que estava ao nosso alcance e não foi feito.)

 

Uma síntese

Perceberão agora alguns, uma parte daquilo que tenho tentado dizer (há quantos anos?).
1 - Cada um de nós é importante, cada um de nós faz história no seu lugar;
2 - Não há lugares insignificantes;
3 - Cada um de nós conta para manter as coisas ou para alterá-las;
4 - A História faz-se em todos os lugares da sociedade.
E ainda:
5 - Cada um de nós é produto de um processo social que o produziu;
6 - É da maior importância a qualidade (o poder produtivo) dos ambientes sociais;
7 - Em cada geração, joga-se a qualidade do presente e do futuro;
8 - O futuro não virá sabe-se lá donde, ele será o resultado do que hoje fazemos.
E, finalmente:
9 - A cidade (polis) ou a qualidade da cidade é o resultados das interacções dos cidadãos e das suas organizações e instituições;
10 - A cidade faz-se fazendo-a nós;
11 - A cidade faz os homens que, por sua vez, fazem a cidade - e nós estamos aí;
12 - Nós somos os responsáveis pela qualidade dos ambientes que estão a fazer / formar os homens de hoje.

Preocupa-se, sempre me preocupou este processo de produção das pessoas: em especial os jovens, por estarem em formação, mas também dos adultos, porque a formação nunca está pronta e porque alguns de nós (todos?) precisamos de refazer a sua história.

 

Avós heróis

Conheço uma avó que toma conta, praticamente sozinha, de três netos. E que tem sabido ajudá-los a crescer muito acima daquilo que seria de esperar.
Conheço um casal de avós que tomou conta de duas netas e um neto. Teve já o gosto de vê-los partir, feitos e sadios, para uma vida que agora cabe a eles assegurar.
São herois anónimos e quotidianos, que no silêncio dos dias e nas horas mortas das noites foram capazes de estar muito acima daquilo que seria legítimo esperar deles.
Por mais que vasculhe no meu percurso, estou certo de não ter feito nada que se lhes assemelhe.
E quantos homens e mulheres dão, quotidianamente, a sua vida no mais completo anonimato, com consequências decisivas mas que são invisíveis aos olhos de quase todos nós?
Homens e mulheres cuja acção foi decisiva para a vida daqueles que lhes estiveram confiados. Não digo lá longe, numa qualquer acção de solidariedade social. Digo: aqui ao lado, numa acção de profunda solidariedade para com aqueles que nós esquecemos.

 

Os ambientes

Tenho sido um homem de sorte.
Nasci, em Lisboa, como um filho desejado, objecto de cuidados significativos.
Fui para a Sertã, onde devo ter sido um menino recebido como vindo de Lisboa. Isso terá tido aspectos positivos, embora também negativos.
Em Abrantes, tive a sorte de ir para a escola do professor Martins, e tive a sorte de ir já letrado. E tive ainda a sorte de ter um colega que sabia tanto como eu, o Armando Janeiro, pelo que nunca me senti único ou o máximo.
Fui para o seminário porque quis. E durante 10 anos tive uma educação cuidada. Aí passei anos duros, mas colhi uma formação bastante rica. Embora também pobre nalguns aspectos, como sempre acontece. Nos últimos anos, já em Valadares e no Porto, vivi momentos de grande intensidade, que me marcaram para o resto da vida. Ainda um dia hei-de falar disso.
No Pego, onde fui bem acolhido e onde trabalhei com jovens, tive uma oportunidade única e pude encontrar parceiros de uma aventura de enorme poder formativo. Sem o Pego, eu seria muito pouco daquilo que hoje sou. Ali colhi e ali mantenho amigos que não esquecerei. Dali guardo memórias preciosas. Dali trouxe a mulher que continua a ser uma escolha acertada.
Aos 11 anos, entrei para os escuteiros, e foi uma descoberta. Em Alcains, dirigi uma patrulha de formação, e foi um êxito. No ano seguinte, por falta de alguém mais velho, subi a "chefe" e foi um desastre. Aprendi imenso, nesses tempos. Ainda hoje não paguei aos escuteiros a oportunidade que me deram e o que ali cresci.
No Sardoal, iniciei a minha actividade como professor numa pequena escola mas também numa grande oportunidade. Tinha o capital da grande escola D. Miguel de Almeida e uma Directora com grande sensibilidade pedagógica. Ali também, ainda não tinha um ano de casa, passei a chefiar a escola. Foi uma grande experiência, mais pelo que aprendi do que pelo que fiz.
O meu estágio, em Portalegre, foi uma oportunidade riquíssima. Éramos um grupo grande, mas capaz de tudo. Fizemos mais do que seria possível dar a perceber. E tive um orientador que me marcou definitivamente no método de trabalhar.
Foram estas oportunidades - que me foram dadas - que me fizeram. Como posso, hoje, reivindicar para mim, aquilo que eventualmente possa ter feito bem?

 

Alguns professores

Já passaram pela minha escrita alguns dos meus professores.
Entre os "bons". O meu professor de Português do 3º ciclo (permitam-me esta linguagem), que me pôs a escrever para os jornais; o meu professor de Inglês, que um dia me ensinou de modo definitivo: homem culto é aquele que sabe quais são os problemas do seu tempo e conhece a solução para eles; o meu professor de História, que me ensinou a "ver" os factos em termos de antecedentes e consequentes, causas e consequências; o meu professor de Problemas do Mundo Contemporâneo (?), que mandou fazer um trabalho que me marcou definitivamente sobre Historicidade; o meu professor de Filosofia Contemporânea, que me manteve a prestar contas de um texto de Kant durante 18 horas (em aulas consecutivas); e alguns mais que agora não vêm ao caso.
Os "maus", que me escuso de referir, foram aqueles que me ensinaram como não se deve ser - homem e professor. Alguns destes também me marcaram definitivamente.

O que hoje sou é, em grande parte, resultado destes homens que me fizeram, que foram construindo as competências de que hoje posso fazer uso.
Como poderei, então, atribuir-me sem mais algum mérito que possa ter naquilo que faço?

 

Rosa Parks

Quem foi Rosa Parks? Ninguém.
Quem foi Rosa Parks, cujo corpo esteve em câmara ardente no Capitólio? Aí foi a primeira mulher, o segundo negro, num lugar reservado a pessoas tão importantes que apenas lá estiveram o corpo de uns 30 cidadãos americanos. Quem foi, então, Rosa Parks? Apenas uma costureira negra americana, que morreu com 92 anos.
Quem foi Rosa Parks que, anos antes, recebeu das mãos do Presidente a mais alta condecoração da América? Ninguém, apenas uma costureira negra, activista dos direitos humanos, que um dia, há 50 anos, portanto em 1955 (1 de Dezembro), se recusou a levantar-se no autocarro para, de acordo com a lei, dar o lugar a um branco que lhe exigia que o desse.
Ninguém, ou uma mulher comum, num dia comum, num lugar qualquer da América fez o gesto imprevisível, porque ilegal, de recusar aquilo que de direito lhe exigiam. Recusou, foi presa, pagou a respectiva multa e, quando saíu, não conseguiu emprego: teve que se mudar para outro Estado.
Foi um pequeno grande gesto. Só que o terreno estava propício. O seu gesto e a sua prisão motivaram a indignação dos negros que fizeram um boicote à empresa de camionagem durante 381 dias. O seu gesto e a indignação que se gerou fizeram sobressair um jovem pastor protestante que - em boa hora - liderou o movimento: Martin Luther King.
Aquele simples gesto, aquela indignação tornada acto, mais a onda de choque que provocou, levaram à publicação de uma série muito significativa de legislação que deu aos negros, e a muitos outros, um novo lugar de direito na sociedade americana. Por isso ela é conhecida como «a mãe dos direitos cívicos».

Em qualquer lugar é esperado um gesto importante que mude as coisas. Em qualquer lugar pode ser feito um gesto para mudar as coisas. Em qualquer lugar se decide entre a mudança ou a permanência das coisas.
É verdade que um gesto, por si mesmo, não faz muito. Está dependente do estado do sistema. Mas o estado do sistema resulta daquilo que cada um dos outros elementos do sistema fazem: se actuarem no sentido da mudança, o sistema está pronto a mudar; se agirem no reforço do que está, o sistema está pronto a resistir. Ninguém está fora, não há ninguém inocente. Todos somos parte activa, mesmo quando somos passivos.

 

D. Lorena

A minha educação começou 20 anos antes de eu nascer. (Como a de toda agente.)
O meu avô Eduardo, um pequeno merceeiro no bairro operário de Alcântara morreu cedo, deixando a minha mãe órfã com 9 anos. A minha avó Rosária era doméstica e analfabeta, e ficou sozinha com duas filhas.
Como sobreviveram as três e como foi educada a minha mãe?
Anos antes, uma cautela da lotaria tinha dado a sorte ao meu avô, que com ela comprou um pequeno prédio que as iria sustentar as três na sua ausência. A minha mãe teve de deixar a escola, onde só andara dois anos, na primeira e na terceira classe (era possível, então), mas quis a sorte que encontrasse na D. Lorena e no seu marido, médico, quem soube dar-lhe o sentido da curiosidade cultural, da atenção às coisas da cultura, do gosto pelos livros.
Hoje, aquilo que eu sou devo-o, em grande parte a estas duas sortes: a da lotaria e a deste casal que são os meus avós em termos culturais. Sem desprezar a minha herança cultural a partir dos meus avós biológicos, de origem rural no concelho de Mação.
De que posso eu gabar-me, no que sou, se aquilo que sou o devo muito a outros e não tanto a mim? Se não fossem aquelas duas circunstâncias, tão longe da minha decisão, que seria eu hoje?

 

O público

Cito: «Em Agosto passado, 16 mil pessoas em Londres compravam bilhetes para uma peça da qual não sabiam sequer o nome, quanto mais de que se tratava, esgotando quase toda a lotação semanas antes da estreia. O que sabiam bastava: "A New Plat by Mike Leigh", diziam os cartazes.» In Público, 14.11.05. Ou seja, bastou saber que vinha aí "Uma nova peça de Mike Leihg".
Lá como cá, o mais importante é o estado do público a respeito do produto que se quer promover.

13 November 2005

 

Inumano

Eu explico-me (se for capaz).
Incomoda-me quando alguém me acusa de ser do PS (ou de outra "coisa" qualquer) para desvalorizar ou ocultar os meus argumentos. Por quatro razões:
1 – Porque, ao recusar enfrentar aquilo que digo, recusa a posição de pessoa capaz de argumentar, de entender e responder aos meus argumentos. Atenta contra a sua própria dignidade e diminui a sua humanidade. E eu, se alguma coisa tenho feito, é lutar para que haja mais humanidade, isto é, para que as pessoas e as situações concretas sejam mais humanas. Donde, incomoda-me quando as coisas vão no sentido contrário.
2 – Ao tentar esconder e anular aquilo que digo, essa pessoa recusa aos nossos leitores o lugar de pessoa humana, capaz de pensar por si, de avaliar os argumentos em presença e concluir com lucidez. Alguém que recusa ao outro o lugar de humano inteligente só pode estar a atentar contra a dignidade deste. E a fazer perigar a sua radical condição de pessoa entre pessoas. E isso não pode deixar de me incomodar.
3 – E está a recusar a minha própria dignidade. Recusa-me o direito a expressar um ponto de vista e a que ele seja ouvido por aquilo que diz. Recusa-me a participação no processo de intercâmbio de opiniões e argumentos, que é aquilo que faz humanos os homens e as mulheres concretos. Como posso não me incomodar?
4 – Se se rebaixa a si mesmo, se rebaixa os potenciais leitores e me rebaixa a mim, recusando a todos e cada um o estatuto humano que nos constitui, alguém que faz isso reduz a nossa comunidade a um colectivo de estúpidos, de rebanho que obedece à voz do dono, de servos da plebe a quem apenas cabe curvar-se perante o seu senhor. Temos, por isso, obrigação de reagir, de resistir a esta estupidificação e coisificação activa. Temos de salvaguardar o melhor de nós, a condição humana que é a raíz de tudo o mais.
E essas são também as razões pelas quais não devemos pactuar com a mentira pública, aquela que nos quer levar pela ignorância, pela cegueira provocada, pela arregimentação através do ruído. Venha ela donde vier. Mesmo que seja da minha parte.
Se não resistimos ao inumano, de que somos feitos?
É que o humano não é uma condição metafísica, garantida, mas um equilíbrio instável que, se não é defendido, é destruído.

 

Bailado e outros produtos

Há casa cheias e casas vazias. No bailado, na música, no teatro, no cinema...
No caso do bailado, estou em crer que devemos às escolas de bailado de Abrantes o trabalho de difusão. Desse modo, levam as crianças que arrastam os pais. E isso é bom. Em última análise, isso estimula os programadores a continuarem a apostar nesse produto. Outro tanto se passará com as estreias de teatro da Palha de Abrantes? A ser verdade, essa é a explicação para a extraordinária adesão de público jovem: os jovens passam a palavra a outros jovens que passam a palavra aos mais velhos.
O mesmo não se passa com um espectáculo musical: as nossas escolas e formações musicais - e são muitas, com alunos, professores e executantes às centenas - não divulgam os acontecimentos musicais que vão estando disponíveis no nosso meio local. Certamente porque não vêem nisso qualquer valor formativo, nem da pessoa nem do meio musical local. Mas estão errados.
E ainda o mesmo se deveria dizer sobre o meio literário.

 

Casa cheia

"O lago dos cisnes", de Tchaikovsky, interpretado pelo Ballet de Kiev, encheu a sala do Cine Teatro de S.Pedro. Felizmente, podemos dizer. Mas, mais do que congratularmo-nos, mais vale tentarmos compreender. Porque muitas vezes temos muito bons espectáculos com... a casa quase vazia.
- Falta informação - queixam-se alguns.
- Não há falta de informação - respondem outros, e justificam – porque a informação é a mesma e nuns casos e noutros.
"O lago dos cisnes", "A conversa da treta", Madredeus ou Nicolau Breiner e outros nomes consagrados junto do público tendem a encher a sala, nomes desconhecidos deixam a sala vazia. Com o cinema passa-se o mesmo.
Não é, portanto, a qualidade que decide o número de espectadores. É outra coisa.
Quando um produto cultural é reconhecido e apetecido pelo público, as pessoas prestam atenção e passam a palavra tipo mancha de óleo. A informação desliza, o terreno é ele próprio difusor e promotor da informação. Em última análise, é o público que difunde a informação junto do público.
Quando o produto cultural nem sequer é significativo para o público, é improvável que a comunicação atinja os potenciais destinatários, porque as pessoas nem sequer prestam atenção à informação e, mesmo que prestem, esta morre ali, ou apenas porque não é passada ou até porque é contrariada por apreciações negativas. Nestes casos, o terreno é hostil à informação, dificulta a sua propagação. Nestes casos a informação não circula e, por isso, não atinge o segmento de público que poderia ir ao espectáculo. Ou a outro qualquer produto cultural.
Isto significa que manter a mesma política de divulgação para produtos diferentes é um erro técnico. Não há produtos para toda a gente, porque "toda a gente" não existe. Um produto cultural, embora aberto a todos, tem sempre um público a quem se dirige. Por isso, uma boa política de comunicação deve ser direccionada para o público a que o produto se dirige.

 

Paris / Abrantes - 2

Abrantes não tem, nem de longe, um efectivo de imigrantes que se possa comparar com Paris. Não tem, portanto, nem de longe, problemas da mesma ordem de grandeza. Contudo, Abrantes tem muitos e cada vez mais imigrantes. E os problemas são fáceis de resolver quando estão no início, mas um autêntico quebra-cabeças quando foram deixados crescer fora de qualquer controlo.
Por isso, é oportuno perguntar como está, se é que está, a correr a integração e/ou assimilação dos imigrantes nas nossas comunidades locais. A resposta, sem sobre de dúvida, é que está a correr bem nuns casos e menos bem ou mesmo mal noutros.
É, então, altura de perguntarmo-nos: que tem sido feito para que essa integração seja feita?
Mais uma vez, peço desculpa, a Palha de Abrantes já teve um curso de Português para imigrantes de Leste e já promoveu, pelo Espalhafitas, duas semans temáticas, que desencadearam processos de comunicação com os cabo-verdianos e os ucranianos presentes entre nós. E outras iniciativas terão sido tomadas.
Mas, curiosamente, tivemos no passado dia 11, o ballet de Kiev entre nós, no Cine-Teatro de S. Pedro, numa noite memorável de bailado, e alguém perguntou: mas porque é que não se vê aqui (na assistência) nenhum ucraniano? Não se via nenhum. Talvez seja sintoma de que alguma coisa está a falhar, não?

 

Paris / Abrantes - 1

Chocou a Europa o fogo que incendiou Paris e que Paris chocava há muito.
Alguns surpreenderam-se. Outros já esperavam.
Permito-me recordar aqui o livro "Maldito profe!", de Nicolas Revol (Fixot, Paris 1999 / Campo das Letras, 2000). Ali apareciam já "todos" os jovens que se revoltaram agora em paris e um pouco por todo o lado. Em Abrantes, numa sessão organizada pela Palha de Abrantes, pudemos comentar o livro e o que ele significava. Em França, na altura da sua publicação, o debate foi agudo, mas pouco produtivo. Tal como em Portugal.
Faz-me lembrar um outro livro, este brasileiro, de Maria de Lourdes Rangel Tura, "O olhar que não quer ver" (Vozes, 2001). O que mais há é gente que não quer ver e depois fica admirado quando os factos os obrigam a ver.
Agora toda a gente está com medo de ser obrigada a ver em volta de Lisboa o que não quer ver. Mas isso não mete mãos à obra.
Seja-me permitido recordar alguns mais distraídos que não perceberam, há tempos, o que é que a escola tem a ver com a violência e a prisão. Se não se recusarem a ver, Paris mostra.

 

"Desapareça" - 2

Peço desculpa, mas volto.
De facto, não percebo muito bem por que razão eu, que quase não existo em Abrantes, ainda posso perturbar alguém só daqui deste espaço a que, sem dúvida, muito poucos têm acesso.
Aliás, se apesar de eu ter saído de cena, ainda incomodo alguém, só pode ser por uma razão: porque Abrantes está cheia de valores, de talentos, de mãos na massa, que vão muito além do que eu possa fazer e que eu apenas perturbo, enleio, faço tropeçar.
Espero que sim. Embora, por mais que me esforce, não seja isso que eu vejo.
Mas podem ficar descansados. Se não há lugar para mim em Abrantes, eu não incomodo.
Mas isso não impede que eu possa continuar aqui, neste não-lugar, neste espaço virtual.
Nem impede que eu assuma este não-lugar como um lugar político, ou seja, onde os assuntos da polis têm lugar. Assumidamente político, mas não partidário. Embora as questões políticas nunca deixem de ter efeitos sobre os interesses e as posições de cada um dos partidos. Ainda bem. E...
Paciência. Desculpem lá qualquer coisinha.

09 November 2005

 

Equívoco

Há, no entanto, um equívoco, que desejo combater. Por isso, digo assim:
Reivindico o "direito" a ser do PS – ou do PSD, ou do PCP ou... – e a minha palavra ser respeitada, ou não, por aquilo que eu digo e não pela cor do meu emblema.
Quando um qualquer cidadão comum me atribui uma cor partidária, isso não me incomoda muito, a não ser na medida em que possa revelar ou originar algum malentendido. Mas quando um dirigente ou militante partidário me acusa de ser do PS e por isso desvaloriza o que eu digo, isso incomoda-me de dois modos:
Primeiro, por ser mentira e essa voz mentir assumidamente apenas em função de proveitos que quer obter à custa de enganar os outros;
Segundo, porque ao desvalorizar a minha voz por ser partidária está a desvalorizar a sua e a de todos os membros de qualquer partido.
Eu, ao contrário, quero que todas – todas! – as vozes sejam esclarecidas, responsáveis e dignas, e reconhecidas como tal. E, se alguma vez não o for, a começar por mim, que seja porque todos temos limitações. Mas uma coisa é sermos limitados e outra, muito diferente, é apenas darmos o estatuto de dignidade à voz dos nossos. Sejamos claros: isso é crime. Crime contra a dignidade do homem digno e crime contra a democracia.
Sejamos claros, mais uma vez. A minha voz vale ou não vale pela justeza daquilo que digo e não, nunca, pela cor que alguém me atribui.
E aquele que me condena por, supostamente, eu ser do PS está a revelar a sua fraqueza, a sua incapacidade de avaliar aquilo que eu digo, escrevo ou faço, sendo por isso obrigado a chutar a bola para canto.
Eu insisto. Os homens e as mulheres dos partidos não são, por isso mesmo, bandidos. Sê-lo-ão quando praticarem actos dessa natureza. E como são eles que nos governam, no Governo e na oposição, eu quero que a sua voz seja a mais qualificada possível. E é isso mesmo que eu lhes exijo.
Adenda: E diz o leitor esclarecido: "Mas isto são apenas banalidades". E tem razão. O que é mais surpreendente é que alguém sinta, ainda hoje, necessidade de afirmar tais banalidades. Sinal de que...

02 November 2005

 

Do Poder

O Poder é demasiado importante para nos desinteressarmos do que anda a fazer. Porque o poder faz o nosso dia-a-dia e o nosso futuro.
Não sou dos que pensam que os do poder são todos uns bandidos. Estou mais que farto de ouvir esse género de análises. E acho que quem as faz merece apenas ser governado por bandidos. Não tem sequer direito a reclamar. Pois porque haveria de ter se, logo à partida, não espera daí senão o pior?
Nos contactos que tenho tido com o Poder, tanto local em vários concelhos como central em vários governos, não tenho percebido - nunca- esse banditismo de princípio. Pelo contrário, salvo excepções, encontro pessoas preocupadas em fazerem aquilo que acham que "deve ser feito".
Isso, é evidente, não me obriga a concordar com aquilo que fazem. Nem sequer é garantia de que o que acham que "deve ser feito" esteja suportado por uma competência e uma qualidade garantidas. E é justamente por isto que sempre se mantém aberto o princípio da crítica necessária. Além de que qualquer política é susceptível de ser criticada a partir de outras opções políticas. Que, pelo facto de serem outras, não são necessariamente erradas ou más.
Mas estáva a falar do poder.
Além do mais, também acredito que o Poder tem muito menos poder do que às vezes se pensa. O Poder é, em muito, uma encenação. E, em pouco, acção eficaz - mas sempre dentro de limites muito estreitos. Até o Presidente dos EUA, o homem pais poderoso do mundo (?), está obrigado a exercer o Poder dentro de limites que lhe são fixados do exterior. (Por isso, ainda há dias Bush teve um desgosto, que lhe foi imposto - faz verso mas é verdadeiro.)
Posso, portanto, concluir que há um respeito institucional que qualquer lugar de Poder me merece, embora sem em nada diminuir a atenção crítica que também devo manter. O respeito pela função obriga-me à crítica da acção. Mas sem respeito não há função que possa ser exercida com eficácia.
Creio que somos colectivamente idiotas quando embarcamos na desvalorização do Poder, ou dos políticos enquanto aqueles que exercem o poder. Não creio que haja futuro possível sem um Poder forte e eficaz. O que não significa totalitário, nem bruto.
Compete-nos, pela reverência esclarecida e pela vigilância activa, darmos ao Poder a força necessária e mantermo-lo dentro das fronteiras também necessárias.
E nunca abdicarmos do poder que é nosso. E nunca deixarmos de perceber que o poder se encontra distribuído por toda a sociedade. Mas isso é outra coisa, embora uma luta já velha.

 

Da oposição

É muito difícil estar na oposição, trabalhar na oposição. Tenho, por isso, um grande respeito por todos os que trabalham - bem - na oposição. Sobretudo aqueles que mais distantes se encontram de virem a ocupar os lugares do poder.
Na oposição tem-se, em princípio, menos dinheiro, menos capital simbólico, menos canais de comunicação abertos... enfim, menos possibilidades de chegar aos cidadãos com mensagens recebidas como significativas.
E, no entanto, há homens e mulheres que continuam esse trabalho insubstituível. Esse trabalho imprescindível. Porque sem ele não há verdadeira qualidade no poder (porque pode desleixar-se sem perigo para si), porque sem ele não há alternativa à altura de ocupar o poder, porque sem ele faltam outros lados da verdade que façam contrapeso à verdade do poder...
Por tudo quanto digo, e por muito mais, sinto-me no dever de respeitar não apenas os eleitos democraticamente, mas também aqueles que democraticamente se batem para que o poder que nos governa seja mais qualificado na sua acção, portanto nos seus efeitos, isto é, nos nossos benefícios.
Por isso digo sinceramente "Obrigado" e "Honra aos vencidos" - desde que se batam com dignidade.
E esta é a razão maior pela qual temos de exigir qualidade, inteligência e bondade às oposições.
E temos de saber que devemos julgar o poder pelos seus actos e as oposições também pelos seus actos. E se quanto ao poder podemos ver o que "faz" vendo os seus actos, quanto às oposições é também naquilo que "fazem" que podemos prever o que "fariam" se alcançassem o poder.

Quantas vezes tenho dito isto? Quantas vezes terei ainda de dizê-lo?
E posso dizê-lo apenas de modo teórico ou posso também passá-lo à prática?

Eu não parto do princípio de que as campanhas eleitorais são más e que só os maus é que delas participam. Pelo contrário, eu sei que as campanhas eleitorais sãoimportantes (embora não tanto como às vezes se acredita) e quero que elas sejam de qualidade e que sejam bons aqueles que nelas participam. E se eu participo nelas, não é por ver nisso qualquer indignidade que me maculasse o nome ou a alma. É apenas porque o meu trabalho é outro. Mas agradeço a todos os que nelas pariticpam com qualidade.

A política é demasiado importante para corrermos o risco de não nos interessarmos por ela.

 

Críticos

(Nota prévia: eu disse alguns, não disse todos. Não vou confirmar, mas tenho a certeza de que tive esse cuidado.)

Os meus textos, ou as minhas acções, são, é claro, susceptíveis de serem criticados. E criticados por qualquer um, seja do PSD ou do PS, do BE ou do CDS, da CDU ou de partido nenhum. Que fique bem claro.
O que os meus textos ou as minhas acções, como de quaisquer outros autores ou actores, não devem é ser objecto de agressões à inteligência. Leia-se: à inteligência de quem lê e de quem comenta.
Sou um claro defensor da inteligência do meio social. Quero e exijo, antes de mais de mim, que o nosso (pequeno) meio pratique a inteligência e recuse a não inteligência. Por isso, folgo em vê-la em exercício onde quer que ela esteja. E exijo, como cidadão, por exemplo que cada um dos partidos, porque têm ambição de nos governar, sejam estufas de inteligência, canteiros onde deviam estar dos nossos melhores nos vários domínios.

E sei, de ciência tão certa quanto possível, que uma sociedade só poder ser e crescer saudável com esse exercício da inteligência no espaço público e nas coisas públicas.

Lembro-me de uma sessão do PSD Abrantes sobre, salvo erro, o Plano de Urbanização de Abrantes. Foi uma sessão de crítica à Câmara de Abrantes. Mas foi uma boa sessão. Bem organizada, bem dirigida, com substância substância crítica. Portanto, inteligente. (Até no silêncio distanciado sobre uma das intervenções.) No final, porque o senti, fui dar os parabéns ao Pedro Marques pela boa sessão. Nada de mais da minha parte; um bom serviço da parte do PSD Abrantes.

Quem quiser ler-me como porta-voz do PS pode fazê-lo. Mas creio que está aver-me com os óculos embaciados.

Portanto, os meus críticos têm o mesmo direito de cidadania que eu. Aliás, têm o dever. Mas, entre outros, o dever de servir a verdade, a inteligência, a qualidade do espaço público, e o dever de se respeitarem a si mesmos, e, digo-o sem medo, de me respeitarem na minha dignidade pessoal.

Mas há uma coisa que, mais uma vez me foi mostrado aqui. Devo ser recatado na palavra sobre política abrantina, porque a minha palavra tende sempre a ser ouvida não naquilo que diz mas como palavra do marido ou do amigo de não sei quem. Pessoalmente, penso que Abrantes podia ganhar alguma coisa com a minha intervenção. Sei que para mim seria mais difícil falar que o silêncio que procuro manter. E porquê? Porque se a minha palavra podia ser útil, as confusões que dela surgiriam iam servir mais para tapar do que para desvelar. E o que interessa é que sejamos todos mais esclarecidos e são agredidos por um ruído ensurdecedor. Isto é o que eu penso, embora sem garantias de que esteja correcto.

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