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30 April 2005

 

MAIS Vida

Aviso a todos os que estão empregados, ou que dirigem empresas ou serviços:
A revista XIS, no Público de hoje (30 de Abril), publica uma entrevista com Nuria Chinchila que alerta para aquilo que vem aí:
- uma nova geração empresas que dão MAIS vida aos seus trabalhadores e, também por isso, têm MAIS resultados nos negócios.
Este mundo é louco, todos o sabemos. Mas há nele pessoas e empresas inteligentes.
Há dias fomos surpreendidos pela descoberta de uma rede de trabalho escravo no Norte do país. Mas falta ainda surpreendermo-nos com as empresas regulares que se alimenta do trabalho escravo dos seus empregados em situação dita regular. "Regular", porque se encontram segundo as regras, mas escravos porque são explorados de modo selvagem para lá das regras.
Abrantes é uma cidade responsável? A responder a partir dessa entrevista - a não perder.

25 April 2005

 

Contracapa: fora de cena

Está a fechar a livraria Contracapa. Abriu há 5 anos, a livraria da Palha de Abrantes (associação fundada há 10 anos).
Em 5 anos de existência, muito aconteceu.
O primeiro resultado foi o choque sobre a livraria Papirus que, e muito bem, reagiu e se tornou, de uma quase não-livraria, numa livraria razoável. Foi, durante este tempo, laboratório onde pessoas desempregadas há mais de dois anos se reencontraram com a vida activa, em concreto através num ambiente cultural. Além disso, a Contracapa foi ainda tês coisas: mais uma livraria a colocar livros no mercado local, um centro de animação das ideias e da leitura com um número quase impensável de sessões, e um centro de iniciativa que levou os livros e a leitura pelas escolas e pelas aldeias do concelho de Abrantes e até para lá dele.
Na hora em que se celebra o 25 de Abril, Dia da Democracia e da Liberdade, duas conclusões devem se tiradas a propósito do fim da Contracapa: há hoje menor liberdade de escolha entre livros e livrarias e há menos um instrumento de democratização do livro, da leitura e do debate de ideias. Deste ponto de vista, a Contracapa é hoje uma faixa negra no cravo de Abril.

 

Vale das Mós: paradigmático

António Rodrigues, na qualidade de Presidente da Junta de Freguesia, foi o "mestre de cerimónias" da festa que, em Vale das Mós, ontem, dia 24 de Abril, foi a inauguração de um lote de equipamentos sociais à volta do recinto das festas. A jornada foi uma homenagem ao homem que deu muito da sua vida à sua terra e que, por isso mesmo, reuniu à sua volta (quase) todo o seu povo. Mas foi também, podemos dizê-lo?, a afirmação de um fim-de-ciclo.
De certo modo, em Vale das Mós, está tudo feito. Tem electricidade, tem água, tem estardas em razoáveis condições, tem casa mortuária nova, tem sede da Junta e posto médico, tem escola, tem agora espaços sociais vários incluindo ginásio. Também tem serviços sociais básicos: jardim de infância, ATL, centro de dia. E até dispõe de piscina, um equipamento bem acima das expectativas comuns. Está tudo feito.
E, no entanto, vêm aí novas eleições, para mais 4 anos, e todo um futuro pela frente. Podemos, por isso, por dizer que está tudo feito, mas está tudo por fazer. Está tudo feito e mais que feito, do ciclo que agora termina; mas está quase tudo por fazer, do ciclo que agora se inicia.
E a pergunta sagrada, neste momento, é simples: de que consta, então, esse ciclo que agora se inicia? que coisas são essas que estão agora por fazer e que serão, no essencial, o programa para as próximas eleições?
Esta é a questão para cada uma das freguesias, e não apenas para Vale das Mós. Porque mesmo aquelas que ainda vão menos à frente no que respeita ao primeiro ciclo, têm de iniciar já o segundo ciclo, sob risco de perderem para sempre o barco que vai já de viagem.

 

Os Autarcas de Freguesia

O nosso imaginário sobre a "obra" do 25 de Abril em termos públicos, quase se esgota no Gobernos e nas Câmaras. E com alguma razão, porque tem sido aí que têm estado os recursos que permitem fazer aquilo que se apresenta agora como "obra feita".
Mas seria - e é - injusto esquecer o trabalho de formiga, de primeira linha, dos autarcas de freguesia. Em relação directa com as pessoas e com os problemas, mas sem meios para lhes dar resposta, nas Juntas de Freguesia têm estado homens e mulheres a exercer um papel determinante para os 31 anos de Abril que já contamos.
Não é este o lugar para dizer essa sua obra. Fique apenas a homenagem singela destes homens e mulheres que mais têm sofrido as dores da gestão da nossa coisa pública. Um enorme obrigado!.

 

25 de Abril-Abrantes - 31 anos

São 31 anos de Abril. De Abril feito e por fazer. De Abril esquecido e redescoberto.
Foram 31 anos feitos História por muita gente, todos nós. Desde os lugares cimeiros e mais públicos, aos lugares mais anónimos e esquecidos, mas nem por isso menos importantes.
Neste dia 25 de Abril quero aqui homenagear todos aqueles de nós que, de modo silencioso, contribuiram para que os dias cumpram as promessas que vêm alimentando os nossos sonhos.

 

Afirmação

No Dia da Democracia, importa pensar um tempo, o nosso, em que as verdades parecem dissolver-se.
Parece que as alternativas são claras: OU ninguém consegue afirmar seja o que for com substância e solidez, OU os grupos, mais que as pessoas (que apenas no grupo ganham convicção e força), afirmam de forma radical e intolerante, considerando os outros como inimigos a abater.
Torna-se necessário redescobrir o poder, o direito e a ousadia de afirmar. De afirmar com substância e solidez. Afirmar com convicção e com implicações práticas.
Mas de afirmar também com respeito pelo outro que tem também direito a afirmar aquilo de que está convencido, que aprendeu a ser, a que conseguiu chegar.
Afirmar, hoje, não pode deixar de ser estar aberto a uma pluralidade.
Mas se é importante saber afirmar, e é igualmente importante estar aberto à afirmação do outro, ao diferente, é do mesmo modo decisivo aprender a opor-se com firmeza ao outro intolerável.
Em democracia, são de igual modo importantes a afirmação, a tolerância e a intolerância.
A democracia não é, ao contrário de um certo pensamento político ingénuo, um estado natural das sociedades.
É por isso que é importante desenvolver, nas relações entre as pessoas e os grupos, três dimensões complementares: a identidade, o respeito pelo outro, e o não-respeito pelo outro que não merece ser respeitado.
É claro que há o outro respeitável e o outro que não se dá ao respeito, que não merece ser respeitado e que, por isso, não pode ser respeitado.
Mas quem é esse outro que não merece e nãopode ser respeitado?
Enquanto não respondermos a esta questão, não saberemos ser democratas. E a democracia corre perigo, justamente porque nãopode contar connosco, e muito menos com esse outro.

23 April 2005

 

Fazer História

Insisto. A História não é feita só por personagens célebres nos altos lugares de qualquer poder. Também não é feita só por colectivos de gente mais ou menos anónima. A História é, em muito, feita pelas pessoas comuns, gente com rosto e nome mas sem ecos de fama, as importantíssimas pessoas pouco importantes.

 

Laura Bandarra

A minha colega e amiga Laura Bandarra veio dizer-me, a propósito da minha referência aqui, que não, não tem feito nada de histórico.Pois... eu faço-lhe a vontade... e retiro o que disse. Mas, além de afirmar que no meu trabalho "em informática" na biblioteca da escola a Laura Bandarra não foi o meu braço direito, mas o direito e o esquerdo, acrescento:
1. Que Laura Bandarra mantém há anos na minha escola um trabalho "com" alunos centrado na utilização da informática;
2. Que Laura Bandarra foi a autora de um projecto com que ganhou um concurso que lhe permitiu criar uma sala de informática (a sala 32) na qual, durante anos até hoje, muitos professores da escola puderam levar os seus alunos a trabalhar com ferramentas informáticas, incluindo a Internet.Durante anos, a Laura Bandarra dirigiu a sala e dinamizou a sua utilização por vários professores. E muitas acções de formação de professores ali se fizeram;
3. Que Laura Bandarra criou e tem mantido a página web da minha escola, mas feita com e pelos os alunos. E que, neste âmbito, criou um Clube Webarts, domínio que, como todos sabemos, é uma janela de futuro. Com a criação da página da escola, abriu uma crise institucional quando quis colocar na Net os projectos em curso na escola, com os nomes dos seus responsáveis, o que lhe foi proibido - como se os projectos da escola, pagos com dinheiros públicos, fossem do domínio privado;
4. Qua Laura Bandarra criou um Clube de Informática" que funcionou como canteiro ou estufa de valores informático. (O Manel, quando deixou a escola e foi para o Técnico, no Tagusparque e no ano em que o Técnico ali abriu informática, foi logo - ou seja, como aluno do 1º ano - nomeado gestor da rede informática do Técnico no Tagusparque. O Poupas, que foi para ali no ano seguinte, integrou também de imediato a equipa de gestão do referido sistema informático. O Daniel é hoje um dos responsáveis do Laboratório de Informática do Departamento de Química do Técnico. São três (3) casos saídos do canteiro da Laura Bandarra. E talvez haja outros que eu não conheço.);
5. Que Laura Bandarra está a frequentar formação que lhe permiturá ser melho professora de matemática utilizando as ferramentas informáticas. Ela tem aulas às sextas de manhã na sala ao lado da minha e há dias os alunos insistiam em continuar na sala a resolver sei lá o quê, já bem depois de ter todado para a saída;
6. Que Laura Bandarra tem desenvolvido tudo isto apesar de alguma resistência activa - quando não mesmo oposição - na sua escola, aquela para a qual ela trabalha.
Concluindo. Aceito que Laura Bandarra não tem estado a fazer História. Tem estado a fazer... Quem quiser que diga o quê.

 

Massa cinzenta

Abrantes precisa de massa cinzenta. Mais ainda: precisa de apostar na massa cinzenta. E esta aposta tem três dimensões: 1 - utilizar bem a massa cinzenta de que dispõe; 2 - criar sempre mais massa cinzenta (produzindo-a nos que cá estão e atraindo-a de fora): 3 - resistir activamente à ignorância e à estupidez.
Confesso que vejo em Abrantes sinais nítidos de um movimento em sentido contrário. Olho à volta e vejo a ignorância com o estatuto de cidadania activa, vejo a estupidez em exercício militante, vejo a cegueira a guiar outros cegos.
Abrantes precisa de massa cinzenta pela simples razão que de só por aí há futuro. Portugal, no passado, apostou em sustentar-se à custa da "mão-de-obra barata". Agora, que há mão-de-obra mais barata noutros lados, admira-se, reclama e grita por "eles" fazerem o que sempre fizeram mas que até aqui nos convinha que fizessem porque nosservia de mama. Agora, "eles" continuam a fazer o mesmo, mas foram dar de mamar a outros, mais pobres e mais disponíveis para trabalharem "mais barato" que nós.
A única solução passa - só pode passar - por mais e melhor massa cinzenta. Mas não é isso que se vê nalguns sectores da vida abrantina. Apostam noutra via. Mas por aí não há futuro.
Não pensemos, porém, que os estúpidos, os incompetentes se vão retirar por si mesmos. Não há nenhuma lei do mundo real que faça prever um tal destino.
A massa cinzenta não cresce naturalmente. Ao contrário da estupidez, que se alimenta de si mesma e até da inércia. A aposta na massa cinzenta só pode resultar de um movimento activo e empenhado.
Os "meus" espantalhos
Os espantalhos que as crianças plantaram pela cidade na Festa da Primavera, também eram meus. Mas vieram os ladrões e roubaram-me os espantalhos que eram da minha cidade e, portanto, também meus. Ficámos mais pobres, a minha cidade e eu.

 

A Leitura e o Livro

No passado dia 19, terça-feira, Francisco Lopes animou a sessão do Clube de Leitura, a partir do livro "Limpa-Palavras e outros poemas" de Álvaro Magalhães. Uma dúzia de pessoas participaram activamente num momento quase mágico, de leitura e reflexão a partir de um livro talvez infantil mas seguramente também para adultos. Foi também a oportunidade para as pessoas falarem um pouco da importância da leitura e das nossas estratégias para que as pessoas leiam mais.
«Na Inglaterra, uma família que não leve os filhos à biblioteca, é mal vista pelos vizinhos», disse Francisco Lopes.
Em França, acrescento eu, há milhares e milhares, se não mesmo milhões, de pessoas a participarem de campanhas de promoção da leitura. Há até associações culturais especializadas na promoção da leitura.
Nós.. por cá... todos bem.
Os caminhos que percorremos levam-nos a onde haveremos de chegar.

18 April 2005

 

Million Dollars Baby

Ou como a distância entre o tudo e o nada é mais fina que um cabelo.

 

José Gil e outros

Anda o país assarapantado com o mistério que é o êxito inesperado e inexplicável do livro de José Gil "Portugal, hoje: o medo de existir", que já vai na 7ª edição com um total de 38.000 exemplares e uma 8ª edição já no forno. E tecem-se as hipóteses explicativas: o gosto de auto-flagelação dos portugueses, o ver ali ditas as coisas que as pessoas gostariam de dizer mas que não têm coragem, as linhas de interpretação que ali descobrem para o que não se dava a entender, etc. E tudo isso é, certamente, verdade. Mas creio que não explica tudo.Lembremo-nos que José Gil foi dito em Portugal como «um dos 25 maiores pensadores vivos, segundo um jornal francês». A partir daí, José Gil passou a... a... a... a alguém que sem dúvida é importante e temos de ler.
Acontece que há nisto um grande equívoco. José Gil não foi, nem de perto, dito como «um dos 25» maiores pensadores. Mas lá que ganhou o título... Basta ler a comunicação social portuguesa. O que aconteceu foi que o "Le Nouvel Observateur", quando fez 40 anos, decidiu publicar um número especial sobre «25 grandes pensadores» de 25 países diferentes, mas não da França. Um por país. O português escolhido foi José Gil. Este foi um dos 25 escolhidos, mas dentro deste "jogo" de celebração. Se fossem "os maiores", os franceses tinham lá colocado pelo menos 5 dos seus.
Mas Portugal logo elevou José Gil a um dos 25 maiores "canonizados" lá fora e, a partir dessa santificação, passou a prestar-lhe as necessárias homenagens, que são sempre uma forma de os devotos se santificarem a si próprios.
Antes disso, quem tinha lido o Portugal de José Gil? Os mesmos poucos de sempre, talvez. Mas a partir daí, o fenómeno atraíu e atrai multidões. É o que sempre acontece e, por isso, não devia surpreender ninguém. O que é nosso pouco vale - a não ser que outros, de fora, lhe reconheçam valor. São os outros que olham pelos nossos olhos, porque nós vemos pelos olhos deles.
À nossa volta, a quem sabemos nós reconhecer valor? Quem permitimos nós que se eleve sem lhe atirarmos pedras? Quem estamos dispostos a levar mais longe e mais alto porque lhe reconhecemos valor? Quem é venerado pelas nossas instituições? Se repararmos à nossa volta...

 

Fazer História

Uma sociedade é sempre um sistema complexo e, por isso, não periódico, portanto um sistema caótico. Ora todo o sistema caótico é «instável em todos os pontos», o que significa que em cada um dos pontos do sistema pode acontecer coisas que alterem o estado do sistema. Pode acontecer e acontece. Tal como acontecem coisas que resistem à inovação e coisas que sustentam um dado estado de coisas.
O que eu quero, entre outras coisas e mais uma vez, dizer é que não podemos estar à espera que uns poucos, em poucos lugares de poder no topo, façam aquilo que todos desejamos e esperamos.
A História é feita em todos e cada um dos lugares sociais. E é em todos e cada um deles que é necessário criar as respostas que fazem falta. A inovação, a criatividade, a iniciativa, a proactividade, o desafio, a projecção para a solução... têm de ser obra multiplicada pelo tecido social.
A História regista uns poucos nomes, daqueles que «se vão da lei da morte libertando», mas ela é feita por todos e cada um, de modo muito especial por aqueles que a fazem avançar a caminho dos novos tempos, que são novos justamente em resultado dessas contribuições disseminadas ao longo de todo o tecido social. Nunca a inovação se pode fazer apenas no topo. Nunca. E os que apenas estão à espera não têm direito a esperar nada. E fazem desesperar os outros.
O que eu digo, afinal, pode dizer-se de dois modos:
- são precisos e preciosos todos os que dão contributos para criar o futuro que desejamos;
- é preciso e precioso um ambiente que estimule e valorize aqueles que fazem o futuro, em vez de, como tantas vezes acontece, um ambiente que trava, desencoraja e castiga aqueles que querem fazer andar as coisas.E é ainda preciso dizer, em acréscimo, que Abrantes não é rica quanto baste em pessoas que fazem andar para a frente, mas tem em abundância pessoas que apenas emperram o que deve andar. Assim não vamos lá.
Pelo menos não vamos lá a tempo. É preciso multiplicar as pessoas que são capazes de fazer história e a fazem.

 

Ainda as TIC

A minha escola, como não podia deixar de ser, entrou na era da informática e foi-se dotando quer de computadores, quer de funções informatizadas. Tal como as outras, é evidente. Mas falo da minha, porque a conheço melhor (e não vou falar de mim).
À medida que vão entando os computadores numa escola, vão sendo necessárias actividades de manutenção. Ora só há muito pouco tempo é que entraram na esacola pessoas com formação específica em informática. Até então, o sistema, cada vez mais complexo, da informática na minha escola foi sendo gerido e sustentado por professores que aceitaram esse desafio: Manuel Luís Vasco, de Matemática, João Carlos Pina da Costa, de Filosofia, Nuno Mil-Homens, de Educação Física, João Pedro Céu, de Geografia, e talvez mais algum de que agora não me recordo. Foram estes professores, que não eram do sector, que não tinham "obrigações específicas" nessa matéria, que trouxeram a minha escola do reino da ignorância informática para o estatuto de escola em informatização ou escola digital em que já e ainda hoje se encontra.
Para lá destes, registo os nomes de Humberto Lopes e Laura Bandarra, ambos de Matemática, que tiveram papel importante no ensino não curricular de professores e alunos. E ainda os responsáveis da escola, desde Nelson Carvalho, que comprou o primeiro cmputador para a escola, até Alcino Hermínio, que actualmente dirige a escola e tem apostado na informatização como uma das suas linhas de gestão.
São todos, cada um à sua maneira e no seu lugar, pessoas que fizeram e estão a fazer a História de Abrantes neste sector. Mesmo que ninguém repare neles.

 

Por exemplo, nas TIC

Disse antes que «não é possível ignorar o meu nome ao escrever a história» de vários sectores em Abrantes desde o 25 de Abril. Isso gerou alguma perplexidade em alguns leitores, o que é normal. Mas volto ao tema. E hoje, trago aqui, a título de exemplificação, as TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação. E repito:
Não é possível ignorar o meu nome ao escrever, por exemplo, a história das TIC em Abrantes desde o 25 de Abril. Eu explico.
Na minha escola, frequentei talvez o primeiro curso de computadores do concelho, leccionado por Humberto Lopes. Na Câmara, como vereador, trouxe para Abrantes um dos primeiros Centros Inforjovem do país, e ali se deu o primeiro curso aberto ao público, dirigido por Humberto Lopes. Foi ainda pela minha mão que pela primeira vez entrou um computador na Câmara, para mostrar os resultados eleitorais nas autárquicas de 85, com software feito para o efeito por Bruno Lopes e Humberto Lopes.No Centro de Formação de Professores, de que fui o primeiro director, organizei uma boa equipa de formação em informática - Jorge Couceito, Henrique Lima, Nuno Mil-Homens, Adelina Baltazar (espero não esquecer ninguém) - e desenvolvemos uma linha continuada de formação de professores neste domínio que definimos como estratégico. Além disso, criou-se uma sala de computadores na Escola Solano de Abreu, outra na Escola Manuel Fernandes, outra na Escola do Tramagal e ia já a meio uma outra na escola do Gavião. (Entretanto, a nova chefe nacional da formação de professores decidiu «Quem quiser formação em computadores que a pague» e foi uma paragem no projecto.)
Depois, na minha escola, como responsável pela Biblioteca, criei uma sala de computadores, quer para acesso à Internet, quer para utilização comum e sempre mantivemos uma linha de apoio aos alunos utilizadores. Na nova Biblioteca, assegurou-se um lugar e uma função decisiva aos computadores para os alunos e iniciou-se a informatização bibliográfica da Biblioteca, num projecto articulado com a Biblioteca António Botto e com as outras escolas. Num tempo oportuno, eu próprio e outra professora, dirigimos dois cursos de formação de professores sobre a utilização didáctica do CD-Rom (um curso) e da Internet (outro curso).Na Palha de Abrantes e mais concretamente com o Festival do Imaginário, foi criada aquela que foi, sem dúvida, a primeira página web de Abrantes.
Ainda em contexto escolar, várias vezes defendi que «é um crime social deixar sair os alunos com o ensino secundário sem saberem utilizar os computadores». E nas minhas intervenções nos jornais rádios locais repetidamente tenho defendido a importância das novas tecnologias da informação e da comunicação nesta sociedade dita da informação e do conhecimento.
Finalmente, entrei na blogosfera, com este e mais dois blogues, estes últimos ainda à espera de desenvolvimento.
Creio, portanto, e talvez esteja a esquecer-me de alguma coisa, que posso dizer que tive um papel activo no processo de entrada de Abrantes no campo das chamadas TIC. Mas, não me custa nada dizê-lo, porque é verdade, nada fiz se tenha ficado a dever "apenas" a mim e sempre fiz o que fiz "com" outros. E, também o digo com toda a naturalidade, nunca fiz neste domínio nada que seja particularmente relevante, nada portanto que justifique que o meu nome fique para a História como alguém singular ou particularmente significativo. E fiz apenas aquilo que "devia" fazer por estar nos lugares onde estava. Mas fiz o que fiz e sei que isso foi - e continua a ser - importante.

 

Futuro papa morto

Tenho entre os meus papéis a imagem do herdeiro do trono de França, que morreu há alguns anos, a caminho de ser enterrado entre túmulos no panteão da família. Um cadáver entre restos de cadáveres, apesar do título real.Vimos há dias os "restos" mortais de João Paulo II. São agora, para nós, uma pedra mármore e pouco mais, na certeza de que por baixo está o mesmo que resta dos outros 62 papas ali sepultados e dos milhões e milhões de pessoas comuns mortas por todo o mundo: «pó, cinza e nada».
Vamos esta semana encontrar um novo papa que virá à janela de S. Pedro em toda a glória dos símbolos eternos que trará então já sobre si. Mas ele será já, embora esquecidos nós disso, o próximo papa morto. Na glória da sua entronização, começam já os preparativos das suas nada distantes exéquias.
É assim a vida. Uma oportunidade fugaz. O nada do arder de um fósforo.O próximo papa terá, como João Paulo II e os outros antecessores, a oportunidade de fazer um grande mandato ou um mandato irrelevante. Como cada homem e mulher que nasce. É assim a vida.
Um papa ainda acredita que a "verdadeira vida" será a vida eterna. Mas a nossa sociedade laica e secularizada tem de assumir que a vida de um homem ou de uma mulher tem, em termos sociais, de ser julgada por aquilo que foi e é. Quero eu dizer com isto que não podemos encontrar qualquer desculpa para o facto de milhões e milhões de homens e mulheres nascerem e morrerem ser terem hipóteses de ser alguém.
Desejamos que o próximo papa seja património da humanidade. Mas ele terá "todas" as condições para ser o que é necessário que seja. Está nas suas mãos o resultado do desafio.
Do mesmo modo, temos de desejar que cada pessoa tenha as condições necessárias para ser alguém que - para si e para os outros - valha a pena. Que tenha à sua disposição as condições necessárias, para que fique, de facto, nas suas mãos ser ou não ser aquilo que quer e nós precisamos que seja.É este o mistério fundamental da vida humana. No papa ou qualquer um dos grandes como no mais humilde dos homens ou mulheres.

15 April 2005

 

Clara Duque. escultora abrantina - na BAB

«A biblioteca é que me ensinou. Andei na escola António Botto! A Biblioteca António Botto é a minha escola de artes plásticas. Aprendi nos livros, na Biblioteca António Botto! Os livros que lá estão, estão todos mastigados por mim!» Assim diz Clara Duque.
Deve ter encontrado dentro de si uma chama a queimar-lhe a alma e a pedir-lhe que fosse à biblioteca à procura de livros de arte. E foi assim, pelos livros da nossa biblioteca que se fez nossa escultora. Uma escultora naïf, mas capaz de dar alma às pedras que lhe servem de material.
A ver sem falta, na Biblioteca António Botto.
E a reparar que, cada vez mais é necessário dizer: ninguém pode substituir aquele que não faz por si o que lhe faz falta.
«É preciso avisar toda a gente» que «barcoparado não faz viagem» e ficar à espera não é forma de lá chegar. Clara Duque dá uma lição de mestre.

 

Carlos Santos Pereira

Aquele que nos habituámos a ver como correspondente de guerra e que é também professor de jornalismo na Escola Superior de Tecnologia de Abrantes deu uma lição de qualidade a quantos foram ouvi-lo esta noite (de quinta-feira) na Biblioteca António Botto. O pretexto era o seu livro Guerras da Informação (Ed. Tribuna).
Só é pena que tão pouca gente, apesar de tudo muita para o que é habitual, queira aproveitar a oportunidade de aprender "ao vivo e em directo" com quem sabe.

13 April 2005

 

Tiro no pé

O António Colaço "acusa-me" de ter dado um tiro no pé quando quando aqui escrevi que a História de Abrantes não poderia ser escrita em alguns sectores sem passar por alguma coisa que eu fiz.
Mas a verdade é que eu sabia que eu era a única pessoa que não podia dizer isso que disse. E, no entanto, disse-o.
Logo, o que fica por saber é a razão pela qual teria eu arriscado a dar um tido no meu próprio pé.
Todas as hipóteses são legítimas.
Também é verdade que há muito me habituei a escrever aquilo que "nunca" devia escrever, assim arriscando mais do que a prudência aconselharia. Mais uma vez...

 

"Menina Feia"

Ontem, procurava qualquer coisa na televisão que valesse a pena ver. Passei por um programa a preto e branco, em português, que por qualquer razão me desafiou a curiosidade. Só podia ser A Menina Feia, uma peça que o Grupo de Teatro Palha de Abrantes estreou há dias no S. Pedro. Fiquei a ver e confirmou-se. Era mesmo. Mas já com 60 anos.
Não vi tudo, mas vi o suficiente para constatar que a encenação da Helena Bandos esteve muito melhor. Com outro ritmo, mais inteligente. Aquele que “agora” via, de há 60 anos, tornava-se-me insuportável, com um ritmo gritado e barulhento, com a “menina feia” pouco feia e mal definida segundo o respectivo papel. Insuportável, repito. E abandonei o espectáculo.
Grande foi a evolução, em 60 anos, que levou a que um grupo de amadores faça melhor do que fez, então, um grupo de profissionais.

08 April 2005

 

Má língua

Leio: «E já agora, ou seja, dentro do reino da pura má língua, vamos ter as coisas mais animadas em termos de concorrência? Teremos de ir aos oráculos, que certamente nos dirão que o tempo dos blogues vai ser muito mais efémero que o do papel impresso, com aquele suave cheiro a tinta...» in 100 Papas na Linha, Primeira Linha, 7 Abril. Isto depois de ali se ter escrito: «Um jornal abrantino foi comprado por três políticos rosas (...) para defender as posições da edilidade na próxima campanha. Que bom! Voltaremos aos anos 30 quando o Jornal de Abrantes e o Correio [de Abrantes] se vergastavam com regularidade semanal...»
Olhei à minha volta, espreitei para blogues e colunas de jornal e tive de concluir que aquilo também me dizia respeito.
Para que não haja dúvidas digo aqui a minha posição.Quando Fernando Marques me sondou para colaborar no PL, pôs em dúvida a minha aceitação, porque então eu escrevia no Nova Aliança. Disse-lhe que nunca ninguém me pagou pelas minhas colaborações nos jornais (coisa em que quase ninguém acredita) e que, por isso, eu não dava e ninguém tinha direito a um exclusivo meu. Eu escrevo para onde quero e onde me aceitem e sou eu que decido.
Hoje, a minha posição é a mesma de sempre.
Se o dito jornal vier a sair e quiser contar com a minha colaboração, isso depende do que for o projecto e o produto.
Se o projecto for aquele que a "má língua" esboçou, não poderá contar comigo.
Até ao momento, só tenho um compromisso, e é com o Primeira Linha, nos termos do que há dias aqui ficou dito e que me escuso de repetir.

 

João Paulo II, unanimidade aparente

Terminaram as cerimónias fúnebres. Terminou também o aparente unanimismo à volta do seu pontificado?Não li nem ouvi muito do que nestes dias foi dito e escrito. Mas as vozes davam a entender que João Paulo II estava acima de toda a discussão, acima de toda a discordância. Mas não é verdade.
Nessa hora de comoção, apenas o teólogo alemão Hanz Kung se atreveu a quebrar a unanimidade do momento, lembrando que houve sérios problemas ao longo do pontificado do Papa agora falecido. Não parece haver dúvida de que a sua obra foi grande, e que continuará a sê-lo. Mas não há, digo eu, qualquer dúvida, de que em breve se começarão a notar melhor as sombras que também sempre existiram.
Mas a morte é mesmo assim: sendo negra, faz ressaltar o lado luminoso e passar despercebidas as sombras. Mas nada do que é humano é perfeito. Nem com a assistência do Espírito Santo.

 

As minhas crónicas

Mas é claro que tamém as minhas crónicas estão sujeitas a sofrerem desse "mal de vítor" já referido. Dito de outro modo: as minhas crónicas não têm o valor que eu julgo que têm, mas o valor que os outros, desde o cidadão anónimo até à voz autorizada, lhes reconhecem. (Apesar de eu ter alguma obrigação de ter um olhar qualificado.)
Devo no entanto dizer, a propósito, que penso que elas representam o mais importante ou o que de melhor eu tenho dado a esta terra. Porque elas são o produto de muitos anos de investigação; porque apresentam, de facto, soluções de fronteira para problemas que, fora delas, não é fácil encontrar solução; porque os factos e outras vozes autorizadas apontam no mesmo sentido; enfim, porque vozes autorizadas lhes dão um reconheciemnto explícito que eu não estava em condições de encontrar.Recordo, por exemplo, o eco que algumas das minhas crónicas no Nova Aliança e no Primeira Linha tiveram. Uma leitora disse-me, uma vez, que trazia uma crónica minha na mala, para poder lê-la em momentos difíceis. Outro leitor tinha uma crónica minha afixada no quarto para subir por dentro das horas difíceis. Uma das minhas crónicas no PL foi linha numa reunião da Vereação no Brasil, outra sobre Justiça levou o presidente de mais de uma centena de juízes num tribunal de São Paulo a perguntar-me se eu tinha mais alguma coisa naquele sentido porque ele também considerava que é por aí que é preciso ir, a série de crónicas que publiquei sobre sexualidade e que tanto barulho deram por cá foram usadas na pastoral familiar de uma diocese do Brasil...
Sinceramente, creio que foi nas crónicas que dei o melhor de mim mesmo.

 

João Paulo II, despedida

O adeus a João Paulo II foi um acontecimento cujo impacto não estamos ainda em condições de poder avaliar. Pelo menos foi e significou uma mostra de que é possível os inimigos estarem juntos. João Paulo II até na hora da morte fez o "milagre" de juntar o que não era possível juntar.
Foi acima de toda a expectativa o que aconteceu nestes dias únicos. E por isso é importante perceber o que se passou. Mesmo que esteja para lá de toda a compreensão possível, porque fenómenos destes nunca se esgotam.
Reparemos, por exemplo, que se tratou de um Papa com uma doutrina rígida, por vezes dura, fortemente contestada por muitos sectores. E, no entanto, reuniu "mais de meio mundo" à sua volta. Talvez possamos ver neste facto, entre outras coisas, a importância que tem para as pessoas poderem dispor de valores fortes e de símbolos fortes que lhes apontem um caminho exigente. Não é isso mesmo, por exemplo, que leva os jovens a aderir a campos extremos do ponto de vista social e político? Extremos e fortes.
Mas o nosso mundo parece apontar para valores light, para um campo vazio de valores onde cada um pode viver como lhe apetece, para um mundo sem deveres e sem dores do ofício de viver. Uma vida colectiva de mínimos.Ora o Papa apontou sempre em sentido contrário. Sempre assumiu uma perpectiva de máximos, de exigência no projecto de vida, de exigência de comportamentos elevados para consigo mesmo e para com os outros. E, é evidente, para com Deus. Mas Deus não era tanto o destinatário desse esforço de elevação, mas a fonte e o alimento da força necessária para se estar acima da mediocridade.
Será isso que, em última análise, quiseram dizer tantos e tão variados que fizeram questão de estar junto daquele homem que tanta luz deu a tanta gente?

 

O Vítor

O Vítor é uma personagem significativa de Abrantes. Agora menos, não sei porquê, mas ainda há pouco era frequente encontrá-lo a "dar um concerto" numa praça da cidade. O Vítor não sabe música, nem pode saber, mas dá concertos. Tem um órgão, fornecem-lhe electricidade, ele ou alguém por ele liga o acompanhamento que o instrumento traz disponível e ele pensa que faz música. O Vitor vive na ilusão de que é um músico, um artista e que tem uma carreira musical.O Vítor não sabe nem pode saber que não sabe música e que não é um artista só porque tecla num órgão numa praça da cidade. Só nós é que o sabemos.Como um ou outro dos autores de textos que se publicam nos nossos jornais. Escrevem e pensam que, por escreverem, são autoridades naquilo que dizem. E, por isso, dizem as maiores asneiras como se. Como se de verdades maiores se tratasse.Também eles não sabem nem podem saber que não sabem daquilo que falam. São os outros, os que sabem, que são têm uma palavra autorizada sobre o assunto.

05 April 2005

 

Nem só de política partidária

Retorno ao facto de eu nunca ter sido verdadeiramente candidato a qualquer cargo político e à questão da dignidade e importância do trabalho exercido em cargos que não são político-administrativos.
Com efeito, continua a haver um enorme menosprezo por todo o trabalho social e político (político, porque também aí se constroi a polis), como se só os partidos fossem importantes e só os cargos de eleição ou nomeação político-partidária fossem serviço público.
Antes de mais, nunca percebi que houvesse falta de "interessados" para ocupar esses lugares e também nunca me vi dotado de virtudes raras que não se possam encontrar em muitos outros.
Pelo contrário, vejo com nitidez que muitas vezes há falta de pessoas disponíveis para aquilo que venho fazendo ao longo dos anos. E sei, de ciência segura, que sem multiplicar por muitos a acção da dita sociedade civil, viveremos o que eu chamo de osteoporose social e política, que não tem terapêutica possível nos lugares da Administração.
E olhando para estas várias décadas que por aqui levo de activo, sei, também de ciência segura, que tenho produzido alguns efeitos positivos. Não é possível ignorar o meu nome ao escrever, por exemplo, a história da comunicação social em Abrantes desde o 25 de Abril, ou a história da educação, ou da formação de professores, ou do teatro, ou das artes plásticas, ou do folclore, ou do associativismo, ou das bibliotecas e da leitura, ou da literatura, ou da poesia popular, ou da história local, ou da defesa do património, ou da cultura em sentido lato, ou da política em sentido estrito, ou do pensamento filosófico, ou do pensamento religioso, ou da análise sociológica, ou do estatuto do homem e da mulher, ou da abertura ao estrangeiro, ou... sei lá que mais. E digo-o com a segurança de que sei ser verdade, mas também com a certeza de que nada fiz sozinho e em nenhum destes domínios deixei uma obra decisiva. Mas sei que o meu contributo, tal como o de muitos outros, tem sido importante para que as coisas tenham sido como são, com todas as naturais responsabilidades.Não estou a vangloriar-me de nada, porque há muitas outras pessoas, infelizmente sempre poucas, que podem dizer o mesmo. Algumas têm uma acção mais concentrada num só sector, mas isso em nada lhes retira o mérito, antes opode até reforçar.O que eu quero dizer, como muitas vezes já o disse, é que esse trabalho é fundamental, imprescindível, insubstituível. Apesar de o pensamento dominante ir em sentido contrário.Devíamos, por isso, dignificar mais e dar mais condições a esse tipo de trabalho. Como o fazem os países desenvolvidos com os quais não deixamos de querer parecer-nos. Mas só nos benefícios. Como se houvesse colheita sem sementeira.
Sim, nem só de política partidária vive uma sociedade e se alimenta o desenvolvimento.

03 April 2005

 

João Paulo II

Hoje é dia de alegria. Não apenas porque o papa João Paulo II morreu, mas porque um grande homem foi grande até ao fim da sua vida, fiel àquela que assumiu como a sua vocação.A vida de Karol Wojtyla foi, de facto, singular pela forma plena e cheia de sentido com que foi vivida. Repito: uma vida plena de sentido. E não só para o próprio: ela foi capaz de "dar sentido", de "gerar sentido" para muitas outras vidas ao longo de todo o mundo.E um dos aspectos mais importantes da forma como foi vivida tem a ver com dois factos:- sendo luz no mundo, nunca apontou essa luz para si mesmo, tipo "olhem para mim como sou o maior", antes se assumiu sempre como "sinal" a apontar para Aquele em nome do qual sempre se assumiu como servo dos seus irmãos na Igreja;- sendo o maior em muitos sentido, desde o de "sumo pontífice" até ao de homem ao "mais alto nível" em todo o mundo, sempre assumiu até ao limite esse alto lugar social, sem quaisquer reticências, mas sempre o fez com gestos da maior humildade e simplicidade.E como é difícil ser-se grande e manter-se simples e humilde!João Paulo II foi um condutor de homens e alguém que nos continua a desafiar no sentido de assumirmos a viva como processo de elevação, o que também significa como processo de resistência à queda, à entropia social e pessoal, como afirmação daquilo que é mais humano face ao que é indigno e que nos torna indignos na nossa humanidade comum.João Paulo II foi um homem de fé, de muita fé, sumo representante de um fé que mais presença histórica vem tendo. Mas foi, também, um homem de profundo respeito por todos os homens e mulheres de fé, de outras fés. E, por isso, é hoje um homem admirado em todos os quadrantes do mundo. Mesmo por aqueles que não partilham da sua fé e dos seus valores. Porque a vida humana é assim mesmo, desafia-nos a viver em profundidade os valores que são os nossos, mas isso significa sempre um confronto com outros valores e com pessoas que vivem esses outros valores. Mas um tal confronto não tem de significar um menosprezo pelo outro que não vive os "meus" valores. Isso vê-se, por exemplo, no seu perdão aos autores das duas tentativas de assassinato do Papa: o perdão e a bênção, em Roma e em Fátima, não apaga nem sequer diminui a repulsa, a todos os níveis, pelo acto e pelo que ele significa.João Paulo II foi, em muitos aspectos, um homem de contradição. Mas só os amorfos não criam fricção. Ele foi um homem que, em muitas dimensões, marcou a História e fez inflectir as linhas de força em presença. E fê-lo, é importante que se diga, bebendo directamente numa das grandes fontes de sentido e de energia de que os homens e as mulheres podem alimentar a sua caminhada histórica.Neste sentido, João Paulo II não apenas foi, mas é e será um dos grandes exemplos do que pode ser um homem feito da mesma massa de que todos somos feitos. E portanto um desafio a que, cada um de nós, à medida das suas oportunidades e circunstâncias, o sejamos também.

01 April 2005

 

Memória, identidade e salvação

Passei na rua do Jardim Actor Taborda e vi que estava desentaipado, sinal de que as obras estão adiantadas. Foi há pouco mais de um ano, salvo erro, que Abrantes reavivou a memória do Actor Taborda. Na ocasião, foi decidido recuperar o referido jardim e a respectiva estátua. É o que agora parece caminhar para o fim. Não deu para apreciar o resultado, porque ia de carro, mas espero que seja digno de nós, pois é a nós que se destina.Isto leva-me a pensar num aspecto importante da vida em sociedade. A memória colectiva.Lembro-me de Buda, Sócrates e Jesus, homens que nada escreveram mas cuja "palavra" ainda hoje move montanhas. Isso deve-se, antes de mais, ao facto de "outros" terem salvado, digo bem, salvado as suas "palavras" do silêncio absoluto. Ao longo dos séculos, gerações sucessivas de discípulos, de estudiosos, de persistentes divulgadores, e de zelosos sacerdotes (também na filosofia podemos utilizar esta palavra, embora como metáfora), mantiveram viva a palavra destes mestres incontornáveis e com ela alimentaram as interrogações e as respostas de muitos milhares de pessoas.Sem querer, ou será querendo?, vem-me à ideia que no dia 6 do mês passado, Março, faria anos Augusto Mendes, poeta de uma palavra invulgar, voz do nosso património que caminha rápida para o esquecimento e o nada. A não ser que alguém a ressuscite, a faça vibrar de novo e, com ela, faça o trabalho continuado de salvação do nada a que sempre precisamos de resistir.Uma sociedade que não salva a voz dos seus "mais velhos e maiores" é uma sociedade que perde a identidade e assim se perde, isto é, não se salva.Para lá de Augusto Mendes, quantos outros e quanto mais há a cair no esquecimento?

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